terça-feira, 16 de novembro de 2010

O DUMPING PARTIDOCRÁTICO

Vendas Novas, 15 de Novembro de 2010


 

PODEM os senhores juízes e procuradores, alinhados na aberração democrática que são os seus sindicatos, naturalmente que legalíssimos, jurar a pés juntos que não têm uma agenda política que só acredita quem quer e eu estou convencido que a grande maioria dos portugueses não acredita. Eu não acredito nem um bocadinho que seja.

Quando aquele senhor magistrado – que Deus e o Diabo protejam quem por ele haja que ser julgado – vem à praça pública gritar que é preciso meter os políticos na grelha e logo no discurso se lhe monta o «ovo kinder» (Morais Sarmento Dixit), é mais do que evidente que faz política nos mesmíssimos termos que o faz Passos Coelho. O problema aqui é que ele tem um poder que o líder do PSD não tem, que o governo não tem, e faz política sem ter a chatice de montar uma dispendiosa máquina partidária e sujeitar-se ao veredicto popular. Usa canhão enquanto os outros usam fisgas e tem o discurso que antigamente só à igreja era tolerado: fala em nome da verdade de que tem o exclusivo, como os sacerdotes julgavam ter procuração divina, também em exclusivo. Partidocracia e magistratura em mancebia é como casamento de primos, dá olhinho torto e outras anomalias. Isto são coisas do tempo que passa em que tudo é mais ou menos e o que é preciso é o poder nosso de cada dia obtido na dependuração permanente nos media.

Segunda-feira passada li no Correio da Manhã uma das habituais diatribes políticas do Secretário-geral do partido sindical dos senhores procuradores do MP desafiando tudo e todos na reivindicação do seu direito – que infelizmente tem – à greve. A forma como trata o Primeiro-ministro é simplesmente de bradar aos céus. Se eu fosse procurador, coraria de vergonha, não o sendo, só posso sentir-me agoniado. Como se diria lá para a América Latina: «Este país tiene gobierno? Pues yo soy contra…»

Que tristeza! Pobre país!

Bastante recentemente, num frente a frente televisivo, o juiz Rangel, face a desconchavos dos seus pares, defendia a sua corporação dizendo que uma andorinha não faz a Primavera. É evidente que não. Nem mil, nem todas as que haja no mundo. Mas a verdade, o que muito bem lhe foi lembrado pelo seu opositor, é que os dislates dos senhores juízes começam a deixar-nos muito preocupados. Não é só o caso daquele que exarou num processo a sua intenção de se diminuir no horário de trabalho, por ter sido prejudicado no seu salário, com a crise; é também o caso daquele que, qual António Aleixo de toga, dita para a acta quadras, aliás muito mal amanhadas, como se estivesse num qualquer bailarico dos santos populares. Isto para não lembrar aquela juíza que exarou aquela douta sentença em relação a um cavalheiro que se abasteceu de combustível e se pirou sem pagar: não houve crime, as bombas estão ali é para a gente se servir.

Os leitores pensam que há crise?

Não há, o que há é decadência e degenerescência. A gravidade é acrescida se pensarmos que, estando a Europa em decadência, nós somos a decadência dentro da decadência.


 

Abdul Cadre

abdul.cadre@gmail.com