sábado, 6 de junho de 2020

A PROPÓSITO DE SER CRISTÃO

"(…) Claro que sou cristão, e outras coisas, por exemplo budista, o que é, para tantos, ser ateísta; ou, outro exemplo, pagão. O que, tudo junto, dá português, na sua plena forma brasileira. (…)"

- Agostinho da Silva

É evidente que Agostinho da Silva tinha toda a autoridade moral para se dizer cristão, sendo que sê-lo não impediria a sua liberdade para tudo o mais que quisesse ser. Dizer-se católico – de cuja comunidade fora excomungado – é que seria mais paradoxal, já que o catolicismo implica (exige), mais do que qualquer outro culto, a exclusão, afirma-se pela exclusão: o nós temos a verdade e os outros vivem na mentira. Foi esta arrogância, este fanatismo que, por exemplo, esteve na base da nossa expulsão do Japão. Portugal, ao longo da sua história, raramente conseguiu uma correspondência frutuosa entre o povo comum e as suas elites, questão infinitamente agravada em relação às classes dirigentes. Ontem como hoje e hoje bem mais grave do que nunca. Atenção que eu digo correspondência frutuosa, não digo falta de correspondência. Por exemplo, o Salazar, que não veio de Marte (penso eu), bem vistas as coisas era um arquétipo de um certo modo de ser português. A versão decadente e democrática deste arquétipo – e por ser democrática é plural – transparece em três promotores desta apagada e vil tristeza: Cavaco Silva, Passos Coelho e Paulo Portas, a troica da troica.

Agostinho da Silva, encarado como o arquétipo daquilo que o português tem de melhor, tinha do nosso povo uma esperança saudosa que talvez não levasse em conta o que a miséria pode fazer ao povo de uma nação. Não digo a pobreza, digo a miséria.

Uma das coisas mais interessantes de verificar é que, sob o ponto de vista religioso, o povo comum tem-se mostrado invariavelmente pagão e politeísta, com especial culto à Deusa-mãe, culto este ocultado sob o disfarce de culto mariano. As elites não. Estas, apesar de serem acentuadamente estrangeiradas, materialistas e ateias, sempre usaram a religião oficial sob dois aspectos relevantes: atestado de bom comportamento moral e arma ideológica de dominação e privilégio. Como exemplo paradigmático temos aquele banqueiro do aguenta-aguenta, que se afirmava católico, não sei se através dos bem abençoados pobres de espírito se da história do camelo que passa no buraco da agulha. E tem também aquele gordalhudo do não há almoços grátis, que se afirmava militante católico e usava o seu caritatismo para perorar alto e bom som que os reformados andam para aí a fingir que eram pobres.