sábado, 27 de abril de 2019

A INQUISIÇÃO PORTUGUESA E A DELAÇÃO PREMIADA, OU A GÉNESE DA BUFARIA

Numa altura em que os sectores mais retrógrados da sociedade portuguesa se penduram nos órgãos de comunicação social para enaltecer as virtudes da bufaria premiada, chegando ao cúmulo de convidar o representante máximo da magistratura justicialista do Brasil, uma figura que detesta o estado de direito e a democracia, um tal de Moro, convém lembrar episódios repugnantes da tenebrosa, apesar de alcunhada de santa, Inquisição.

Corria o ano de 1665 e o português nascido no Brasil, António Vieira, que foi um dos maiores vultos da cultura portuguesa e da Europa é levado para os cárceres de Coimbra pelos esbirros da Inquisição. Porquê? Porque um bufo (delator premiado), jesuíta que havia sido seu colega, Martim Leite, coadjuvado pelo prior da Igreja da Madalena disseram que António Vieira havia dito que «para a conservação do Reino era necessário admitir nele publicamente os Judeus». Perante isto, foi acusado de judaísmo.

Do interrogatório de Vieira, rezam os autos da tenebrosa instituição cristianíssima: «… logo foi mandado pôr de joelhos e se persignou e benzeu, e disse a doutrina cristã, a saber: o Padre-Nosso, Ave-maria, Creio em Deus Padre, Salve-Rainha e os mandamentos da Santa Madre Igreja… e tudo disse bem.»

Era a forma daqueles pigmeus, alguns deles analfabetos, humilharem o grande intelectual que toda a Europa louvava.

Foi interrogado, durante o ano de 1666, 28 vezes, sendo por fim determinado que «contra ele se procedesse como contra pessoa de cuja qualidade de sangue não consta ao certo». Depois de 26 meses de cárcere foi proferida a sentença contra um dos maiores oradores de sempre da cultura universal. O Padre António Vieira foi condenado ao silêncio para toda a vida e à reclusão em colégio da Inquisição, de que não poderia ausentar-se por motivo nenhum, sob pena da mais rigorosa punição.

segunda-feira, 1 de abril de 2019

CIENTISMO

Causa-me algum incómodo esta mania acrítica de tudo se querer provar, por mais disparatado que seja, apelando despropositadamente à Ciência, esgrimindo umas vezes o «está provado» e outras o «não está provado», displicentemente, conforme as conveniências. Incomoda-me ainda mais os esgrimistas não terem formação científica e falarem como se a tivessem, enquanto distorcem os conhecimentos mais primários.

Eles não têm toda a culpa, alimentam-se do simplismo saloio que invadiu todo o espaço comunicacional e que trata a rama dos frutos como sendo o fruto. Impera uma cultura digestiva, feita de faits divers, que satisfaz os preguiçosos. Nos meios de comunicação social cultiva-se a ignorância pesporrente e servem-se excitações como se de informação se tratasse.

Nas chamadas redes sociais, o cientismo de fancaria prolifera – e aqui chamo cientismo à estulta invocação da ciência – e opta por tudo confundir. Para os mais profundamente confusionistas – não confundir com confucionistas – a distinção entre hipóteses e teorias não existe, nem teorias se distinguem de “leis”, e, nas hipóteses, nem sequer se distingue o lógico do absurdo e do delirante. Vem-lhes uma coisa qualquer ao bestunto, e pimba! É o «eu acredito assim», o «eu acredito assado» e o «é a minha opinião»… E isto é ainda o menos, que o pior é quando resolvem agredir-nos com os quanta para aqui e os quanta para acolá, repetindo até à exaustão os rodriguinhos, os lugares comuns recolhidos em leituras digestivas.

Meus amigos, eu também visito essas inutilidades, porque se as não visitasse não sabia que eram inutilidades. Para mim são mais indigestas do que tripas à moda do Porto. Tenho de curar esta doença de leitor compulsivo, porque lendo estas anormalidades só se aprende a desaprender; tanta leitura e continuo sem perceber patavina dessa coisa tenebrosa dos quanta. Eu sei que estou bem acompanhado, porque há milhares de cientistas conceituados que também não entendem e, com louvável humildade, dizem que não entendem. Há demasiada gente que diz que entende, mas não entende, não confessando com medo de ficar mal no retrato.

Meus queridos amigos que eventualmente sabem (e bem) dos quanta e hermetismos quejandos, não me envergonhem nem me agridam por eu não saber nada disso.

Ah! E não me façam as habituais perguntas que já contêm em si as respostas, as mais das vezes de engano puro e manipulação primária, do tipo: será que os homens descendem das abelhas?

Mas é evidente, está cientificamente comprovado, dizem os patuscos das redes sociais. Então não se está mesmo a ver que os homens são muito abelhudos?