domingo, 16 de julho de 2017

RELER PESSOA POLÍTICO

Vendas Novas, 16 de Julho de 2017

Fernando Pessoa considerava a Europa fruto de cinco traduções que se interpenetravam. sem resolver as contradições de tal mistura. Estas cinco tradições seriam, a seu ver a HELÉNICA, a ROMANA, A MONÁRQUICA 8OU ARISTOCRÁTICA), a NACIONALISTA e a ECONÓMICA. Na imperial romana incluía o cristianismo, e justificava não incluir uma tradição científica, porque «a ciência não é fruto do nosso arbítrio».

Dado que todas as tradições têm inevitavelmente os seus inimigos, dizia ele que a tradição helénica tem por inimigos, entre outros, «todas as formas de cristianismo e sobretudo as protestantes (por serem mais hebraicas)»; a tradição romana «tem por inimigos os humanitários»; a tradição monárquica e aristocrática «os republicanos, os monárquicos constitucionais e, entre a plutocracia, a de origem internacional, isto é, judaica»; a tradição económica teria como inimigos todos aqueles que discordam dos seus princípios fundadores: a propriedade, o capitalismo e o regime de concorrência. Não especifica taxativa e claramente quem são os inimigos do nacionalismo, mas isso colher-se-á dispersamente ao longo dos seus textos políticos, merecendo especial atenção as distinções que irá fazendo entre nacionalismo e patriotismo.

Em alguns textos, Pessoa caracteriza o patriotismo como antagonista, o que nos parece mais aplicável ao nacionalismo; iriamos até que o patriotismo tem mais de inclusivo que de exclusivo, inscrevendo-se mais no orgulho próprio do que no desprezo alheio.

A determinado passo, diz ele: «o patriotismo (…) é a base do instinto social», que ele considera o único instinto social verdadeiro, que caracteriza como «…um egoísmo colectivo, base de toda a vida psíquica», mas parece-nos que isto se aplica com mais pertinência ao nacionalismo, que é uma resultante do instinto gregário.

Com o seu particular entendimento, Pessoa conclui que o patriotismo – e nós diríamos nacionalismo – como instinto, odeia tudo o que não seja ele: «… o instinto é radicalmente antagonista» e, portanto, «a atitude normal de qualquer nação com relação às outras é o ódio…», que «…a guerra é, por conseguinte, o estado natural da humanidade, não sendo a paz mais que um estado de preparação para a guerra».

sábado, 15 de julho de 2017

A LÓGICA DO POSSIDENTE

A propósito da forma de propriedade. Fernando Pessoa, imaginou para a Ordem de Cristo um 11º mandamento, chamado de templário, que diria «os bens da terra são de todos sem serem de ninguém em particular». Pelo nosso lado, imaginamos que quando o homem aqui chegou não lhe passou pela cabeça que isto pertencesse aos dinossauros. Inventou a propriedade, não por decisão racional, mas pela força das circunstâncias; o mais bruto submeteu o mais delicado. Criaram-se relações de dependência. Nada disto foi pensado, nada disto foi racional, foi a lei básica de que é a tripa quem mais ordena.

Ao longo da História, muitos foram os homens que sonharam utopias, muitos foram os que gritaram isto não pode ser assim. As multidões chamaram-lhes loucos, o povo odiou-os do mais profundo das entranhas, porque a condição povo é ser depositário, é ser útero, é ser reserva de tudo aquilo que foi, pela simples razão de não o poder ser do que há de vir. Dizia Krishnamurti que a verdade é uma terra sem caminho. Substituamos verdade por futuro.

O peso das gerações mortas é demasiado grande para se remover de golpe. Esta é razão porque todas revoluções fracassam, no sentido de que têm um período de euforia, para logo se lhe seguir a depressão, seguindo-se a instalação do que estava antes, primeiro de forma rude, depois será mais suave ou não.

Disse Fernando Pessoa: «Uma revolução não falha nunca; as ideias revolucionárias falham sempre». Isto aplica-se como fato feito à medida à revolução bolchevique, onde a ideia era abolir a propriedade dos meios de produção e criar o homem novo. Ora, como é possível fazer um fato novo com tecido velho? Como é possível abolir a propriedade dos meios de produção, se o operário ocupa a fábrica e chama-lhe dele, isto é, substituiu-se um patrão por outro. Quem assistiu às ocupações no Alentejo sabe disto melhor do que eu, que não estava cá.

Na China, Mao Zedong inventou aquela coisa da Revolução Cultural, com o objectivo de extirpar as ideias velhas, as ideias burguesas. Todo o boçal, todo o ignorante, chegava ao pé de qualquer instruído e pendurava-lhe um cartaz ao pescoço: inimigo do povo. O povo chama sempre inimigo àquele que o quer enaltecer – é por isso que eu faço precisamente o contrário, apesar do contrário não significar resultado contrário – povo é emoção, não é razão.

O futuro da humanidade será selvático se se basear na emoção, será sombrio se se basear na razão, só é possível ser promissor pelo advento do para além da razão e da emoção, de que não falaremos por agora. Mas convém que se diga que a filosofia agostiniana do paradoxo mora ali.

A civilização é um verniz dado numa capa muito leve, um pequeno sobressalto e risca, abre fendas. Não vale a pena falar do desmoronamento da Jugoslávia, ou vale?

Falemos dos sistemas de propriedade: desde que os portugueses, com as suas navegações abriram as portas ao capitalismo e à globalização, ninguém consegue pensar por outros parâmetros nem entender outro paradigma. Farto-me de rir – com vontade de chorar, claro – quando os opinadores encartados debitam nas pantalhas televisivas a China Comunista assim e a China Comunista assado, uma China que constitui o máximo da concentração financeira e económica que o mundo já conheceu ser chamada de comunista tem muita piada. Bem andou o reformado Cavaco Silva, quando visitou a China e disse com clareza – não estava a comer bolo rei – «isto é que é um socialismo progressista. Traduzindo o Cavaco, já que o seu tradutor oficial (Graça Moura) nos deixou: Que beleza, o estado e meia-dúzia de milionários são donos de tudo, não há greves, a jornada de trabalho é a que for preciso, o salário é o que quem manda decide…

Só há um sistema produtivo no mundo: aquele que se baseia na propriedade e no dinheiro. Quem tem o dinheiro e a propriedade varia, o que não varia é ter.

Será diferente no futuro? É expectável que sim. O professor Agostinho da Silva costumava dizer que os patrões sempre defenderam os seus interesses pagando o mínimo possível aos seus trabalhadores, mas aproximava-se o tempo em que teriam de pagar aos trabalhadores sem trabalho para eles poderem comprar. É a vida. E é isto que alimenta o meu optimismo. Quando não resolvemos as coisas elas resolvem-se por si.