segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

UMA SEMANA PARA ESQUECER

Vendas Novas, 4 de Dezembro de 2012

PODÍAMOS CHAMAR a coisa de semana ignominiosa, mas como o tempo não é mau por si mesmo, o comportamento que lhe metemos no bojo é que o será ou não, deixemos o tempo sem culpa e julguemos quem o deve ser. E temo réu que bonde por aí.

Quem não se lembra das acusações que se faziam ao Sócrates, aquele a quem o povo tratava por Socras e o inventor do Passos Coelho (Angelo Correia) chamava Pinto de Sousa?

Alguns dos comentadores encartados, usando e abusando dos meios de comunicação onde serviam os seus partidos, tornaram popular dizer que o ex-primeiro-ministro tinha um problema grave com a verdade. Pobre comunicação social, que tristeza de comentadores enganadores!

Digam-me uma só verdade que o atual primeiro-ministro tenha dito desde a sua campanha de banha da cobra até se apropriar do pote que tanto o obcecava?

Mas o grave agora é que grande parte dos ministros se permite as afirmações mais abstrusas. Ainda há dias, o ministro Vespa da Insegurança dizia, apesar dos números da estatística o desmentirem, que este governo tinha diminuído as situações de pobreza no nosso país. Que grande mentiroso. As situações de pobreza triplicaram desde que este conjunto de liquidatários do nosso país entrou em funções. Por outro lado, o desemprego duplicará em breve em razão das políticas do amigo do peito do Wolfgang Schäuble, o tal que aconselha a que não paguemos menos juros nem tenhamos mais tempo para liquidar as dívidas dos banqueiros que vivem e viveram acima das nossas possibilidades – os verdadeiros autores e beneficiários da dívida externa –, enquanto as pequenas e as médias empresas fecham ao ritmo de CINCO por dia.

Entretanto, Passos diz que passa bem com a impopularidade, indiferente a que todos nós passemos mal só porque ele e a sua pesporrência nos caíram no destino, assim a modos de uma maldição. Um cavalheiro que vai para a televisão dizer que quem quiser escola que a pague e que, desmentido pelo Crato, logo dá o dito por não dito, talvez porque se esqueceu que ainda não foi revista a Constituição: era isso mesmo que estava no seu célebre projeto de revisão, que por sinal encomendou a um monárquico.

Mas o que mais me incomodou na semana finda foi aquela grande indignidade, aquela falta de vergonha e ostentação de enorme cinismo dos deputados – serão mesmo deputados? – da maioria que aprovou um OE «inexequível» com as medidas legais de extinção da classe média e de redução à miséria do nosso povo em geral. Os «deputados» votaram que sim e fizeram uma declaração de voto coletiva dizendo que não. Que despudor. Que vergonha.

Sintomaticamente, simbolicamente, comemorou-se o último Dia da Independência. A dependência está em curso, a miséria em execução a catástrofe segue dentro de momentos…

PROCURANDO ALICE DO OUTRO LADO DO ESPELHO

Vendas Novas, 20 de Novembro de 2012

AO QUE PARECE, somos três em um, como certos produtos da cosmética e da limpeza: o que verdadeiramente somos, o que julgamos ser e o que os outros pensam que somos. Desta última condição resulta que o retrato que nos façam pouco ou nada contribuirá para que nos conheçamos, mas é o melhor meio ao nosso alcance para sabermos quem é e como é o retratista.

Atendendo a tudo isto, bom seria que, sem qualquer inquietação de maior, admitíssemos, à revelia do senso comum, que os homens e as mulheres, bem vistas as coisas, não têm defeitos nem têm virtudes, têm sim características. Por simples benevolência, às características que nos agradam chamamos então virtudes, às que nos incomodam, por costume ou má vontade, chamamos defeitos. Sobra daqui um grande problema: que imperial acuidade nos leva à distinção em que somos pródigos?

E sobre nós, qual a bitola, qual a acuidade?

Quem é que não sabe – quem? – que não se deve confiar em quem nos diga coisas do género: «eu cá sou muito sincero» ou «eu sou uma pessoa muito simples»?

E não é apenas por bem sabermos que ninguém é bom juiz em causa própria, nem por olharmos o louvor de quem a si se louva como vitupério, mas sobretudo porque a psicologia prática nos ensina, por um lado, que do que nos é natural nos não damos conta e, por outro, que quem simples se julga complicado é; depois, que quem se declara sincero, por norma, desconhece o que isso seja. Em contrapartida – se nos quisermos autoanalisar – constataremos que os defeitos que apontamos aos outros nos assentam como luva. Nesta conformidade, talvez devêssemos tomar como princípio que todos os nossos relacionamentos estão sujeitos a projeções e reflexos dum compósito jogo de espelhos. Como não temos capacidade para conhecer o outro por si próprio – tomáramos nós conhecer a nós mesmos! – inventamo-lo à nossa imagem e semelhança, pondo no altar aqueles que amamos e remetendo para o inferno os que nos incomodam. Todavia, não amamos nem odiamos para além daquilo que somos, apenas enaltecemos virtudes imaginadas para a construção da corte que nos conforta e esconjuramos o mal em nós negando ao objeto da nossa raiva ou da nossa má vontade todo o merecimento. Ora, o outro é, para o bem e para o mal, o nosso espelho. Se o quebramos, desencontramo-nos; se lhe pusermos uma moldura, virá o tédio das imagens repetidas roubar-nos a aprendizagem...

Bom seria ver no outro um lago luminoso e transparente. Um lago imenso onde os céus se refletem e a nossa emoção se retempera…

Mas talvez seja pedir demais.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

DETERGENTES E ALCOVITEIROS

Vendas Novas, 5 de Novembro de 2012

PROVAVELMENTE, foram demasiadas as vezes em que eu disse neste mesmo espaço que não existe passado nem existe futuro, tudo é o presente e que o presente se esgota no preciso momento de o dizer. Com o presente construímos memórias e esquecimentos e alimentamos desejos, esperanças e expectativas.

Isto era assim até à chegada dos estrangeirados que o povo colocou no cavalo do poder. Tenho de rever tudo aquilo em que vinha acreditando. Eu sou de mudança, não só porque alguém disse que só os burros é que não mudam, mas sobretudo levando a sério o célebre gnoma pessoano de que as pessoas inteligentes, tal como mudam de camisa também deviam mudar de opinião. Sendo eu asseadinho, não me ficaria mal ser igualmente inteligente.

Por estas e outras razões, que ninguém espere que os estrangeirados que estão no governo mudem; bom é entender-se que todas as nações foram fundadas por homens que apenas sabiam assinar de cruz e afundadas às mãos de peritos em folhas de Excel e outras extravagâncias.

Seria interessante, não fora o tanto feder, atentar-se nisto: os estrangeirados da nossa memória, isto é, do passado, foram odiados porque estavam à frente dos pensamentos, palavras e obras dos seus compatriotas; os atuais são-nos repulsivos pela sua crueldade, selvajaria e arrogância e por se terem colocado a si próprios a missão de inverter os relógios e os calendários. Eles estão apostados em levar-nos de volta ao 28 de Maio.

E tudo se passa como se nada se passasse, para além da miséria dos mesmos de sempre, que cresce para além do impensável.

Uma imprensa de recados, recadinhos, chuva no molhado e fait divers. Uma televisão preocupada com o sexo dos anjos e a substância das asas angelicais, ocupada permanentemente pelas mesmas caras – sempre as mesmas caras – de replicadores daquilo que convém dizer para que o povo ande de mansinho pelas ruas, que nós não somos gregos, já se vê.

Tão subtil que era o Marcelo, tão maquiavelicamente inteligente que já foi, tornado agora apenas mais um detergente que lava mais branco e deixando-se ultrapassar em alcovitice pelo dispensável sabão de borras de azeite daquele senhor que está como comentador da 24, mas que nada comenta, é apenas porta-voz do moribundo grupo de estrangeirados a que chamam governo. Que contentinho que ele estava a falar dos cortes FMInescos e tecníssimos em primeira mão, isto é, em primeiro desbocamento. Dentre em breve, o homenzinho, para falar desses tais moribundos que então serão cadáveres, será uma voz do além, um médio de incorporação ou coisa assim.

Cuidado, porque as mesas de pé-de-galo são muito imprevisíveis.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

O TRABALHO E A MISÉRIA

Vendas Novas, 23 de Outubro de 2012

QUANDO trabalhar significa sermos conduzidos à miséria e votar é escolher quem nos vai ao bolso, é o regímen, por mais juras democráticas que faça, que se encaminha para a total deliquescência, enquanto o passado que se vinga do presente.

Quando o moralismo substitui na política a justa gestão da riqueza da nação e o justo arbítrio dos interesses para a salvaguarda da coesão social por apelos ao sacrifício redentor, temos uma nova religião instituída que prescinde do céu e nega qualquer recompensa aos bem-comportados.

Quando é assim, o povo deixa de ir à missa e só paga o dízimo sob tortura. Deixa de distinguir Deus do Diabo.

Mas o povo merece isto, porque o povo merece sempre aquilo a que não se opõe. Mesmo que muita gente grite nas praças das cidades, a maioria não grita, fica em casa a embirrar com a família, ou faz promessas aos santos dos velhos hábitos de esperar, porque cada um sabe de si e só deus sabe de todos.

Por maus hábitos e muita desatenção, os que esperam dos céus o que os céus não podem dar, veem que aqueles a quem batem palmas enricam e que quem mais aplaude mais empobrece.

Não é uma maldição dos céus, é a justa paga da apatia; injustos seriam os céus se se deixassem comprar por quem rasteja e acende velas, como quem mete cunha a autarca bonacheirão.

Dar ao pedal é que é, para que a bicicleta se mova. Caso contrário, é esperar que o D. Sebastião desembarque para nos salvar. Não sei é como, pois deve estar bastante desconjuntado de ossadas.

Ou isso, ou vir gente armada até aos dentes partir-nos os dentes e dar a cada um meia sardinha.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

O QUE TIVER QUE SER ASSIM SERÁ

Vendas Novas, 8 de Outubro de 2012

DIZEM os populares que «o que tem que ser tem muita força», o que implica acreditar no determinismo. Dá-se até o caso de astrólogos e adivinhos dizerem que o destino está escrito nos astros, talvez por respeitarem mais os calhaus, que são os astros, do que o espírito, a vontade e a imaginação dos humanos e dos deuses.

Eu, que me habituei a acreditar que para quem crê no presente todos os destinos e todos os futuros são possíveis, por vezes fico perplexo.

Há muitos anos, conheci uma jovem que, escorregando no passeio duma rua da antiga Lourenço Marques, fraturou uma perna, coisa que acontece a muita gente. Levada para o hospital, foi engessada – coisa normal – e nos dias que se seguiram não sossegou com dores. Dores cada vez mais fortes e no hospital a dizerem-lhe que estava tudo bem. Depois, começou um cheirinho mau. Foi internada, operada e por ali ficou mais de um mês. Quando teve alta, sentia-se bem e quase não precisava das canadianas para andar. Isto até sair à rua, acompanhada do namorado e dois familiares. Aí, ao atravessar na passadeira, um carro mal governado projetou-a vários metros adiante. Fratura exposta na mesma perna e o hospital ali mesmo à mão. Voltou tudo ao princípio e a perna nunca ficou totalmente boa.

Lembrei-me disto ao ter conhecimento da morte prematura da ex-jornalista Margarida Marante, alguém a quem o mundo e a vida pareciam estender passadeiras triunfais e os fados, um curto-circuito na alma ou lá o que foi quiseram provar que o que tem que ser tem muita força.

Estava a escrever estas linhas e dependura-se-me na pantalha televisiva aquele senhor que tem a mania que é barítono e se atirou ao pote como quem pensa que o mel vai acabar – neste pormenor, provavelmente terá razão –; um senhor que é alcunhado, entre outras coisas, de primeiro-ministro, embora não seja esta a alcunha que o povo mais aprecia. Imaginei-o a dizer: «O país estava à beira do abismo, mas comigo deu um grande passo em frente». Estou ciente e consciente que ele não disse isto. Fê-lo, na verdade, mas não o disse. O que ele disse, não sei, quando ele fala já não o oiço. Aliás, não merece ser ouvido. A única coisa que mereceria ser ouvida era uma confissão pública do mal que fez a este país. Tirar a mão do nosso bolso e ir-se embora é que era.

Tinha acabado de ver o Ministro dos Impostos e, ao meu lado, alguém perguntava: «Porque será que o homem fala tão devagar?». Procurei esclarecer: «Sabe, amigo, não está ali um ser humano, trata-se de um cyborg. Sabe o que é um cyborg? Um cyborg é um ser vivo – chamemos-lhe assim – feito com tecidos humanos, de aparência humana, mas de natureza cibernética…

– Pode ser – voltou o outro à carga – mas por que é que fala tão devagarinho? Pensa que somos todos estúpidos, é?

– Não, amigo, ele fala assim porque está a fazer tradução simultânea. Tem um implante no ouvido que lhe permite ouvir permanentemente as ordens do Wolfgang Schäuble, que foi quem o mandou fabricar, e que é ministro das finanças na Alemanha…

A Alemanha está em vias de ganhar a guerra interrompida com a morte do homem do bigode ridículo. A sua substituta, sem precisar de tanques de guerra, basta-lhe o marco alcunhado de euro, gaseia-nos a todos. Podíamos atropelar a substituta do tal senhor, torpedear-lhe a moeda, despedir os empregados dela que aqui temos, mas não sei porque o não fazemos.

Por mim, faço votos que aconteça à Alemanha o que sempre lhe tem acontecido ao longo da História. Que se prove que o que tem que ser tem muita força.

E que a gente se safe, como é costume. Mas não estou nada, mesmo nada seguro.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

O ESTADO DE EXCEÇÃO

Vendas Novas, 18 de Setembro de 2012

NÃO fiquei impressionado, não fiquei extasiado com as colossais manifestações do último sábado, nas principais cidades do país. Mas estou contente. Fico contente, sobretudo, por ter sido uma ação genuína de exercício cívico e democrático num país que o não é. É um dia para recordar, um dia em que até a polícia, contrariando velhos hábitos, se portou com uma correção digna de louvor, mas só isso, o que já não é pouco. Afinal, nem todos descendem da morca.

fotografia Manif 02

Mas, para aqueles que esperam grandes mudanças ou o fim da austeridade, pois que esperem, mas sentados, para não cansarem as perninhas. Estamos em guerra civil, uma guerra civil económica declarada pelos poderes fácticos ao mundo do trabalho. Quem se espantou com a intenção dos quatro cavaleiros do Apocalipse – Relvas, Borges, Gaspar e Coelho – de transferirem diretamente dos salários para o capital 5,75%, ao mesmo tempo que o governo determinava juntar ao prejuízo dos trabalhadores uma comissão de 1,25% pelo trabalho que a coisa dá, devia espantar-se apenas com o descaramento, com o despudor. Com esta trafulhice, sem mexer uma palha, só o Belmiro de Azevedo embolsa mais de 20 milhões. As transferências costumavam ser mais subtis. São mais subtis no resto do mundo.

O que é digno de nota, pela originalidade, é que a decisão não foi tomada em conselho de ministros, foi assim a modos de quem gere uma quinta e manda tosquiar os carneiros.

A guerra civil que atrás mencionei começou logo a seguir à derrota da Alemanha, Itália e Japão e teve sempre os seus altos e baixos. Vem daí a concepção de Estado Social e períodos houve em que os trabalhadores lograram obter significativos ganhos. Mas já lá vai o tempo em que, da riqueza criada, 30% era para o capital e 70% para o trabalho. A razão inverteu-se e tem tendência a piorar. Escusam os marxistas de virem carregados de otimismo dizer que a coisa vai mudar e que o capital será derrotado. Marx nunca se atreveu a tal profecia. Não é impossível que sejamos todos transformados em chineses, a fim de sermos competitivos. Já há quem, além de contar a vidinha no Face Book, aceite colocar um chip atrás da orelha.

Já o disse em crónicas anteriores: isto a que se chama crise é um modo de produção bem engendrado. Sem crise não há capitalismo. É o mede que a crise gera que cria a submissão dos povos e faz a alegria dos mercados: descem os salários, sobem os juros, sobem os lucros, rastejam os políticos com fome de lentilhas. É a vida, como diria o Guterres.

Há pouco tempo, numa entrevista, Siza Vieira dizia ter a sensação de estar a viver numa ditadura. Bom, ditaduras são todas as formas de governo em que o povo se demite, ficando muito contentinho se o deixam depositar um papelinho numa urna. Curioso: conheço uma viúva que tem em casa uma urna, onde guarda as cinzas do seu falecido.

O que estamos a viver é um estado de exceção, em que os direitos dos fracos são letra morta e à ganância dos ricos nenhuma lei se opõe, para não enervar os mercados.

Esta sexta-feira está cheia de promessas. Reúne-se o Conselho de Estado a pedido de alguém que – dizem – é presidente deste desgraçado país. Eu não sabia que este país tinha presidente. Vão ouvir o incrível Gaspar, que é uma espécie de pitonisa que nunca acerta nos prognósticos, só nas maldições. Ele não é um ministro, é uma assombração cuja competência (completamente fictícia) lhe foi outorgada por uma imprensa protetora do estado de exceção em que vivemos.

Pode bem ser que, já depois de escritas estas linhas, se tenha consumado o divórcio dos coligados para nos tosquiarem. A missão do tal presidente de que me falaram é proceder à reconciliação, mas é forçoso que sejam desarmados. Se não lhes tirarem as facas, vai haver sangue. É melhor que não se cruzem na cozinha.

Bom seria que o angolano de Massamá voltasse para casa, se dedicasse às farófias e tomasse consciência que não tem vida para isto.

Mas temo que o outro angolano, este de Tomar lhe diga: Força Pedro, continua, tens uma missão e, eu, muitos negócios por concretizar. Atença que eu disse força, não disse forca.

A missão é conduzir-nos à miséria, regenerar-nos através do sacrifício. Uma crucificação. Quando a missão chegar ao fim, o país chegou ao fim também.

fotografia mANIF 01

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

CRENÇAS E FARÓFIAS

Islantilla, 26 de Junho de 2012

DIZEM que só fazendo a pergunta certa se pode obter a resposta certa.

Dizem.

Mas se me perguntarem por que razão um povo escolhe para seu representante executivo alguém cuja única característica distintiva curricular conhecida – e nem sequer reconhecida – é alguma habilidade primária para fazer farófias, eu responderia: não sei. É que não sou psiquiatra.

E digo mais: não consigo uma resposta minimamente segura do porquê do voto popular – aqui e na Moita – ser «botado» maioritariamente nos sacerdotes desta perversa crença no espírito santo de mercado e, todavia, sempre julguei entender as crendices populares de enviesar os olhos e confundir as inteligências, que se explicavam pela falta de instrução e o consequente pouco acesso à informação. Além disto e por via disto, as promessas eram aliciantes, embora não haja notícias de terem sido alguma vez cumpridas. Elas traduziam-se numa espécie de compre agora e pague depois, mas ao contrário, assim tipo das mal-afamadas compras em grupo. Haveria um céu à nossa espera para nos compensar de angústias, dores e desejos frustrados; quanto mais sofrimento melhor o lugar que nos estaria reservado.

Neste apodrecido tempo pós-cibernético, onde supostamente a instrução é bastante e a informação muita, custa-me agora a entender que se queira e possa sofrer sem recompensa alguma.

Mais grave ainda: que se sofra para que medrem e lucrem os que não sofrem, esses que usucapiram o mundo e lhe estabeleceram as regras, perante o aplauso popular ou a indiferença.

Ver eleger governos compostos por sacerdotes imbecis, cuja única virtude é prometerem-nos com toda a sinceridade o inferno que nos desejam, não pode ser do domínio do social, não pode justificar-se com o anexim de que os povos têm os governos que merecem; isto só pode ser do domínio do patológico.

DOUTORES DA MULA RUÇA

Vendas Novas, 16 de Julho de 2012

CHAPÉUS há muitos, dizia o «Gordo», não aquele sem graça nenhuma e ar de vendedor de cobertores na Feira de Carcavelos, que faz «serviço público» na televisão que os portugueses pagam, mas o outro, que, sendo muito gordo, tinha mais graça do que gordura, o Vasco, o Vasquinho, o Santana.

Com pouco graça, mas bastante a propósito, dizia o Jerónimo que canudos há muitos. É bem verdade. Por alturas do PREC de esquerda, havia as passagens administrativas; findo o processo e no espaço em que se desenvolveram as condições para o atual PREC, nasceram como cogumelos os aviários universitários onde os carreiristas políticos se lambuzaram até fartar. Não foi apenas o Relvas, essa figura sinistra do pós-modernismo salazarengo, que conseguiu de viés atestado de ter o que nunca obteve; ele não tem qualquer licenciatura, mas sim um papel carimbado que lhe saiu na Farinha Amparo. Há mais destas aves tipo cuco, mas creio que é impossível haver outra de aproximado coturno sequer, salvo seja. Relvas é o paradigma.

Pois bem, aquele que inventou Passos Coelho e que até há pouco mandava no governo e em todos os processos conspirativos do mesmo e do principal partido que beneficiou do voto popular, está em processo cadavérico adiantado, mas tem algumas figuras que tortuosamente o seguram, defendem e louvam. Uma das mais execrandas é um antigo «comentador» (?) televisivo, de nome Amorim, que há um ano atrás berrava dependurado da pantalha: «eu sinto vergonha de ter Sócrates como primeiro-ministro do meu país» …

Pela mesma bizarrice anda um certo Relvas em tirocínio – digo um certo Relvas porque é daquela massa que os Relvas se fazem – pois, chefiando a claque dos super-laranjas, acha que o Relvas nada fez de reprovável, que quem tem culpa do que corre contra o mesmo é o Mariano Gago (!). Vergonha e razão para se demitir seria se o mesmo tivesse feito o que o Sócrates fez. Ah! Valente, que ainda te hei-de ver em ministro de estado.

As juventudes partidárias são muito parecidas com as claques ditas desportivas. Nelas se cultiva a rasteira, a tramoia, o louvor asinino do chefe, o impropério, a diabolização da cor contrária, o relativismo moral, etc.

Não são escolas de virtudes, são escolas de vício e não podem ser outra coisa; a natureza não permite.

Depois de aprenderem a colar cartazes, conspirarem e trocarem influências e favores – e é de pequenino que se torce o pepino – os carreiristas que sejam espertos (mesmo que não sejam inteligentes) têm o mundo a seus pés com o beneplácito popular.

Devo desculpar aqui o apoio que Passos dá a Relvas. Penso até que não existem duas pessoas distintas nesta aparente dupla, haverá sim desdobramento de personalidade: Relvas faz o que Passos não deve, uma espécie de Dr. Jekyll e Mr. Hyde.

Mas sabem que mais? Neste momento até tenho pena do Relvas. Já viram o que lhe vai acontecer quando abandonar o pote, usando a nomenclatura do Dr. Passos? Entra num café, num banco, numa estação de correios e vê sorrisos maldosos, gente que cochicha, mesmo que não haja gente a sorrir ou a cochichar.

Isto vai dar em paranoia.

COISAS DE POLIR, COISAS DE LIXAR

Vendas Novas, 21 de Julho de 2012

A IDEOLOGIA da não ideologia, isto é, a ideologia daqueles que dizem que não têm ideologia, mas que afinal sempre que o dizem mentem, tornou-se tão geral e dominante que constitui um dos maiores perigos para a nossa liberdade. O grande paradoxo desta mentira é que mentem uns e ganham com isso e mentem os mais perdendo, para que os outros embolsem. É um sintoma bem claro da nossa decadência, da decadência desta civilização a que se costuma chamar de judaico-cristã, esquecendo que os muçulmanos também fazem parte dela.

Dizem outros que não é bem assim, que há apenas uma certa degenerescência da democracia…

Democracia?

Mas existiu alguma vez no mundo algum país totalmente democrático, isto é, com oportunidades iguais para todos nos domínios político, social e judicial, ou mais não assistimos que à batota de uns serem mais «democratas» do que outros? Ao grande engano de confundir sufrágio com democracia?

Longe vão os tempos da grande consigna: Liberté, Egalité, Fraternité!

E não percam tempo a ouvir os fala-barato que contam aquelas lérias da Grécia antiga, berço da democracia, uma democracia só para os possidentes, onde os escravos não eram gente. Por tal ordem de ideias, aquela coisa dita «democracia orgânica» – lembram-se? – seria até menos má.

Nos tempos de apodrecimento em que nos encontramos já nem o sufrágio merece qualquer respeito. Veja-se como aquele rapazinho de Massamá, que o Relvas colocou a fingir de primeiro-ministro, diz alto e bom som: «As eleições que se lixem». Bom, pode até ter sido apenas falta de polimento, ou os conselheiros lhe terem dito: «é pá, diz umas ordinarices, que o povo gosta».

«Sair do lombo, corrida ao pote, lambuzar-se, fazer farófias, pôr porcaria na ventoinha» é um primor. Eu, se pudesse, emigrava para o Burkina Faso.

Mas voltemos ao princípio. Os ideólogos da não ideologia têm do mundo, afinal, uma ideia religiosa, porém com esta particularidade suprema e nada transcendente: só o transacionável e corretável merece vénia, ritual e reza, tudo o mais é «ideologia» insuscetível de ir à bolsa.

Neste melting pot onde a avareza se louva e a honra anda de alterne, os políticos não passam de atores de óperas bufas; atores que navegam entre o receoso de que os donos dos mercados os pateiem e a esperança de aplausos e cadeiras de veludo para enricadamente descansar.

Sabem que na Idade Média ser onzenário (emprestar a 11%) era um crime tão grave que levava à perda da cabeça ou ao esturricanço na fogueira?

No século XVII ainda se enforcavam os especuladores.

Aos «bank gangsters» da nossa «civilização» decadente lambem-se os pés e pergunta-se: V. Exª. quer ter a bondade de me dar um pontapé no fundo das costas?

A JANGADA DE PEDRA

Vendas Novas, 7 de Agosto de 2012

NÃO ME DÁ qualquer satisfação pessoal ver tanta gente a entrar agora no meu clube, dado que quando me dão razão fico invariavelmente desconfiado, suspeito que me enganei.

O clube que refiro é o daqueles que sempre disseram que não deveríamos ter aderido à UE e muito menos suicidarmo-nos com a moeda única, que é este marco travestido de euro. Um pobre nunca deve associar-se com um rico: vai ter as mesmas despesas e nunca comungará dos lucros.

Não é a primeira vez que a Alemanha se apropria da Europa. Há bem pouco tempo, veio de tanque de guerra, causou milhões de mortos, deixou ruinas por todo o lado e teve de ser empurrada com violência para as suas fronteiras…

Neste momento, vem de banco e os seus exércitos são comandados por generais das finanças que há muito asseguraram as chaves das cidades através da nunca extinta «quinta coluna». Talvez não se morra de tiro, prevê-se que seja de fome. O resultado será o mesmo e as ruinas inevitáveis, mesmo que os prédios não se desmoronem.

Já há dirigentes europeus – nomeadamente o italiano – que falam de um confronto norte-sul. Já mais do que uma vez eu disse neste espaço que o desmembramento da UE é inevitável, havendo dois modelos possíveis: simples e civilizado divórcio ou acontecer à Balcãs. A Jugoslávia foi uma miniatura, um prenúncio.

A tendência imperial germânica é uma doença descrita em milhares de páginas da História. Quem se quiser lembrar da herança de Carlos Magno (século IX) que foi o Heiliges Römisches Reich, que a partir do século XVI passou a designar-se como Sacro Império Romano da Nação Germânica e cujo último imperador (Francisco II) foi desmontado por Napoleão, que lhe disse delicadamente: vá lá brincar às germanizes para a sua terra, só poderá admirar-se com o facto desta UE não se chamar Império da Nação Germânica, naturalmente sem o sacro e sem o romano.

Tivéssemos nós dirigentes patrióticos e estar-se-ia já a tratar da saída organizada do mau negócio em que nos meteram. Se ficarmos à espera da grande implosão é melhor que nos lembremos da rocha, do mar e do mexilhão.

E não se assustem com o que dizem os quintacolunistas, que sair do euro seria um blá-blá-blá.

Não somos um país pobre – isso é mentira – somos um país de pobres, que é coisa bem diferente. Melhor seria dizer espoliados.

O nosso azar foi a falta de um cataclismo que nos proporcionasse cumprir o nosso destino atlântico de Jangada de Pedra, mediadores dos três continentes: África, América e Europa. Isto só seria possível exportando – expulsando e desnaturalizando – para o Império Germânico a nossa «elite» (?) política que, formada na colagem de cartazes e doutorada com diplomas saídos na Farinha Amparo, que se pendurou, servindo-se da nossa passividade, nos tronos com que exerce o seu diabólico ofício.

ABASTARDAMENTO E DECADÊNCIA

Vendas Novas, 20 de Agosto de 2012

QUE as sociedades ocidentais de mercado, atingido que foi o seu estádio de capitalismo financeiro parasitário, se encontram em acelerado grau de decadência, não é novidade para ninguém, mas desta constatação à definição e enumeração das causas é que poderá haver divergências. Para uns, é assim porque assim o Marx previu – versão técnica da profética de Nostradamus –; para outros deve-se à transferência industrial do Ocidente para o Oriente, nomeadamente para o mandarinato de Pequim, a que os jornais já nem sequer ousam chamar de comunista.

Pode ser tudo isso, mas é sobretudo a rapina e a busca desenfreada pelo lucro que a desregulamentação permite e incentiva.

Todavia, não é líquido que toda a decadência imperial implique o abastardamento geral a que assistimos na ordem do tempo que agora passa por nós. Este abastardamento, sendo geral, tem maior relevo no campo da justiça, da comunicação social e no modo de produção da atividade política. As massas – ou o povo, se quiserem – vão sendo corrompidas à medida que lhes satisfazem os instintos, ao mesmo tempo que são condicionadas pelo medo, não vá o diabo tecê-las.

O medo está instalado na sociedade portuguesa e, mais ainda que o medo concreto, o medo de ter medo.

No campo da justiça, não vale a pena apresentar muitos exemplos; fazê-lo seria chover no molhado, mas creio ser de trazer aqui os seguintes.

Em Viana do Castelo, à revelia da lei e das disposições autárquicas, mormente no que se refere a licenças, uma organização de torturadores de feras bovinas recorre aos tribunais para impor a sua selvajaria. Colocando-se acima da lei, naquela atitude que Marinho Pinto vem há muito denunciando, o juiz decide a favor dos torturadores. De outro jaez, mas suscetível de, no mínimo, nos incomodar, é o desgraçado acórdão do Tribunal do Barreiro que, ao inocentar os arguidos do Freeport, resolveu condenar o Sócrates para toda a vida, com o argumento de que lhe queria dar a oportunidade de defender o bom nome. Como, depois de sete anos de investigação, não se encontrou rasto daquilo que se queria encontrar, pede-se mais investigação, que se sabe impossível, dadas as prescrições… mas fica o possível: o pasquim do costume, quando fizer investigações aos almoços de Sócrates, em Paris, acrescentará sempre que não foi condenado no Freeport devido às prescrições, enquanto para povo fica a ótima oportunidade de murmurar pelos cantos: pois, os grandes safam-se sempre.

Com a imprensa, é uma delícia ver o coro de defensores das relaxadas russas que se permitiram um ato de vandalismo no altar da Catedral ortodoxa de Cristo-Salvador, em Moscovo. Se eu não acho exagerada a pena – dois anos de prisão – para as jovens rufias? Claro que acho. Limpar retretes durante seis meses seria mais indicado, mas não sou juiz aqui, quanto mais na Rússia. Mas vejam como a imprensa escamoteia tanta coisa. Dizem as tais que fazem parte de uma banda PUNK. Punk, em inglês, tem sempre sentido pejorativo e quer dizer, entre outras coisas, rufião e prostituta. Depois, o maravilhoso nome Pussy Riot, que pode ser traduzido por as ratas revoltadas – ratas no sentido de vaginas – diz bem da consciência política destas marginais. E será que conhecem a bela letra da cantiga, que chama rameira à Virgem Maria e tem como slogan «ó m… de mãe de Deus, leva contigo o Putin».

E que tal, se fosse um grupo Taliban a fazer o mesmo no altar da Sé?

Uma das características do nosso abastardamento geral, que os media tanto promovem e incentivam, é precisamente o relativismo moral…

segunda-feira, 18 de junho de 2012

OURO, INCENSO E MIRRA

Vendas Novas, 4 de Junho de 2012

VÊ-SE BEM que este nosso desgoverno é dirigido por duas almas gémeas moldadas nas claques partidárias do laranjal chamadas de «jotas».

Ai que contente fica a trupe quando a troica vem passar revista à caserna!

— Tivemos boa nota, tivemos boa nota! — gritam todos, seja em coro seja cada um na sua vez, na dependuração habitual das pantalhas que tanto amam. Tão contentinhos, só porque não levaram orelhas de burro!

E vem o senhor Passos — não confundir com o Senhor dos Passos — e diz: «a troica só nos pediu para acelerarmos as medidas estruturais» …

Mas quais medidas estruturais? Até ao momento não foi implementada uma única, apenas está ameaçada a das rendas de casa. Aquele que ocupa formalmente o lugar de primeiro-ministro não faz a mais pequena ideia do que sejam reformas estruturais. Nem sequer sabe o que é isso de liberalismo. Diz, porque tem de dizer, porque é «prafrentex» dizer-se e só não se espalha ao comprido porque quem o entrevista o traz ao colo e o acarinha. Aliás, este governo andou doze meses (ou mais) em gestação no ventre duma imprensa que se demitiu do papel de cão-de-guarda da democracia. Se apertassem com ele, metia os pés pelas mãos. Tivéssemos nós imprensa para além de, de um lado, a que se dedica ao Sócrates e ao Pinto da Costa e, do outro, a que neste momento dispara sobre o porta-aviões Relvas, que, não tenhamos dúvidas, o navio-almirante estaria a afundar-se. Era trigo limpo.

Meninos das letras impressas, não vale a pena desculparem-se com a crise e com o terrível que seria entrarmos em quedas governativas, porque, para cumprir as ordens da troica, até o meu primo Baltasar, que é contínuo no Ministério das Finanças, faria melhor do que este apoio do motor Relvas. E os irmãos dele — Gaspar e Belchior — que são amanuenses no mesmo ministério, substituiriam com vantagem o Álvaro do faz de conta e o Vítor da morte lenta, que nunca acerta nas contas.

Só vejo um inconveniente em termos o meu primo Baltasar como primeiro-ministro, é que ele já me confidenciou que chamaria o Relvas para adjunto, só para o Balsemão não se ficar a rir. E disse-me mais: que punha o Relvas a organizar as secretas.

Eu discordo, como é evidente. Aliás, associar o Relvas aos serviços secretos é seguir a lógica de Passos Coelho. Então não é que o homem vai à Assembleia para discutir esses serviços da República e acaba em juramentos fraternais de virgindade e pureza daquele que deveria ser o seu adjunto, mas que é afinal quem mais ordena.

E as sondagens mal se mexem. Pudera! Com um Seguro sempre dependurado dum rosto sem expressão e carente da alma que não tem, só nos resta emigrar, se não queremos afogar-nos no naufrágio que se avizinha.

Ou ver degolar as criancinhas e amouxar.

Não aprendam a nadar, não!...

ABDUL CADRE

DESENVOLVIMENTO DESTRUTIVO

Vendas Novas, 19 de Junho de 2012

AS ELEIÇÕES na Grécia deram a vitória ao principal responsável dos buracos, cavernas e alçapões das contas helénicas. É a chamada sabedoria popular.

Outra sabedoria, igualmente popular, foi a dos franceses, mas dê lá por onde der, fale-se da Grécia ou fale-se da França, nada altera o percurso do comboio destinado a descarrilar.

Os resultados helénicos podem ser os menos maus para os gregos, mas talvez não sejam os melhores para a Europa e serão certamente os piores para Portugal, contrariamente ao que dizem os opinadores encartados; adiam o problema das expulsões – nossa e deles – mas tais expulsões serão inevitáveis.

Todas as conversas a respeito do vota ou não vota, cumpre ou não cumpre são ótimas para faladuras dos referidos opinadores encartados que nunca falam do essencial, apenas se entretêm com o acessório e com a retransmissão dos recados de que os encarregam. Se não cumprissem o dever de que estão incumbidos, depressam saíam dos cabides permanentes que têm nas pantalhas desinformativas da televisão que temos.

O essencial é isto: os povos estão divididos em estados, pátrias e correlativos e o capital – apátrida por conveniência e amoral por natureza – não tem bandeira nem poiso certo; pertence a meia-dúzia de imperadores sem rosto e sem alma que têm pelos políticos o desprezo que quem manda sempre tem por aqueles que obedecem. E estes que obedecem fazem-no com bom proveito, por bastante mais que umas boas migalhas, porque o baronato é bem remunerado..

O capital é global, as gerências políticas e as organizações sindicais são locais, vivem no século XIX.

As finanças mandaram às urtigas a economia, não porque os tais imperadores sejam maus – eles não são mãos nem bons – mas porque a economia dá pouca pica. Montar uma fábrica obriga a esperar muitos anos pelo lucro (que não é certo) enquanto fazer criação de notas através dos canteiros cibernéticos é sempre euromilhões em cada bit.

E este mundo, que se encaminha para um desastre de proporções nunca antes vistas, tem o aplauso das massas populares que se entregam sacrificialmente para que as massas cambiais beneficiem quem merece. E quem merece é quem manda e quem especula.

Os marxistas dos anos sessenta estavam convencidos e queriam convencer os outros de que o proletariado venceria em favor do advento da justiça e da igualdade, mas nunca foi líquido, e menos o é hoje, que uma classe possa vencer outra em definitivo, mesmo que seja auxiliada por qualquer suicídio.

O que sabemos de saber constatado é que o proletariado foi substituído pelo precariado. O fosso entre os que enricam e os que são deserdados é cada vez maior…

Que a carteira substituiu o coração e que quem não tem carteira não tem nada.

ABDUL CADRE

segunda-feira, 7 de maio de 2012

O CONDICIONADOR DE IDEIAS

Vendas Novas, 07 de Maio de 2012

HÁ MUITO que a TQT – leia-se televisão que temos – impôs aos seus dependentes um leque de condicionadores de opinião, sempre os mesmos e há um ror de anos, que penduram nas pantalhas os recados mais urgentes dos partidos onde militam. Alguns negam ser militantes desses tais partidos, que melhor seria chamar agências de emprego para os filiados e de desemprego para os profanos, e esganiçam-se a reivindicar uma independência que só convence os tolos.

A grande maioria, como é óbvio, constitui-se em câmara de eco da coligação ultraliberal que governa o nosso país, por procuração alemã.

Alguns destes cicerones, tendo exercido cargos governamentais e, inclusive, de direção partidária têm o enorme desplante e nenhum pudor de se apresentarem como comentadores insípidos, incolores e inodoros, como se diria da água pura. Mas, bebam-lhes as palavras, e vejam a disenteria que apanham.

Como já estamos habituados a este venenoso ruido e bem sabemos que não vale a pena mudar de estação, fechamos os ouvidos quanto podemos e murmuramos inconveniências entre dentes quando não podemos deixar de ouvir.

Hábito é hábito. O que não era habitual era brindarem-nos com «comentadores» (?) com procuração voluntária desta ou daquela empresa em particular. Havia uma pequena réstia de pudor, que há dias vimos lançada às urtigas. Passou-se naquele desnecessário trio das quartas da Joana, Rangel e Cristina Azevedo. Então não é que esta última quase entrou em apoplexia na defesa do seu empresário de mercearias finas e grossas, o seu merceeiro de estimação pela bondosa instituição do dia nacional do consumidor?

O Sócrates parece que estava certo quando entendia que o dinheiro do homem não é proporcional à sua educação e boas maneiras. Aqui para nós, já que ele não nos houve, visto estar na Holanda em patriótica missão de poupar nos impostos, podemos acrescentar que os seus milhões também não têm correspondência com o respeito pelos outros nem com a sensibilidade social.

Andou armado em moralista, quis dar-nos lições de patriotismo e é o que se vê!

Pode a dona Cristina esgatanhar-se a defender a benemerência deste senhor que voou para a Holanda e que de seguida poderá voar para a China, tornando-se num holandês voador que o que nos fica na memória é o sinal do grande desprezo que nutre pelos despidos de poder. Tal gente com o rei na barriga empanturra-se disto e nem com indigestão nos larga a lapela.

E a TQT amplia-lhe a negra operação de marketing e esconde com este lixo que as centrais sindicais comemoraram de forma assaz significativa, apesar do medo e da crise, o dia do trabalhador

Ai Pavlov, Pavlov!

segunda-feira, 23 de abril de 2012

A VACA E A CENOURA

Vendas Novas, 23 de Abril de 2012

JAMES EPHRAIM LOVELOCK é um daqueles superdotados que nos põe a todos felizes por pertencermos à espécie humana e um tanto invejosos da sua sabedoria. Investigador em várias áreas, inventor e colecionador de doutoramentos – Física, Química, Medicina, Matemática –, a sua fama em todo o mundo derivou sobretudo das suas originais propostas, por vezes muito controversas, como ambientalista.

É o grande arauto da chamada Hipótese Gaia, que procura explicar o comportamento sistémico do nosso planeta, olhado como um superorganismo. Contra a corrente dominante entre os ambientalistas, é um defensor acérrimo do nuclear, que considera a única alternativa realista aos combustíveis fósseis para dar resposta às enormes necessidades energéticas da humanidade sem aumentar os gases com efeito de estufa.

Lembrei-me de o trazer aqui, não propriamente para desenvolver as questões atrás referidas, mas porque me lembrei duma sua frase bem-humorada. Perguntado por que se tornara vegetariano, respondeu: «É que, quando se lhe espeta uma faca, uma vaca grita mais do que uma cenoura».

Isto transporta-nos para uma dimensão ética da vida, mas também não é disto que quero falar. Competentes nesta área serão as pessoas ligadas ao PAN, o partido dos amigos dos animais. Eu prefiro falar para os pecadores, principalmente para aqueles que são capazes de tornar o mundo melhor sem deixarem de ser egoístas.

Longe de mim, creiam, querer converter os meus leitores às delícias da alface e da cenoura, mas já pensaram que as grandes manadas de gado bovino causam mais prejuízo ao buraco do ozono do que a circulação automóvel?

Meus amigos, é preciso ser egoísta, mas consequentemente.

Acham racional que, na alimentação dos animais que transformamos em alimento, se gastem quatro quilos de proteínas vegetais para obter apenas um quilo de proteína animal?

E sabem que mais? As próximas guerras de países vizinhos terão como motivo a disputa da água, que se está a transformar num bem demasiado escasso. Antigamente, no interior do país, era vulgar um vizinho matar à sacholada o outro que lhe desviava o rego de água das regas. É isto que se vai passar entre países vizinhos, se não arrepiarmos caminho.

A sachola ficou só para as batatas quando a água pareceu ficar abundante pelo recurso a represas, barragens e furos artesianos. Porém, quando se percebe que um dado campo suscetível de produzir 100 toneladas de batata, transformado em pasto não conseguirá sequer produzir uma tonelada de carne bovina, percebe-se também como somos irracionais na produção, principalmente se soubermos que um quilo dessa carne nos pode custar, no mínimo, 10 mil litros de água.

Devíamos levar o nosso egoísmo a sério. Já viram que, para produzir um quilo de arroz, precisamos de cerca de 2 mil litros de água, ao passo que um quilo de carne bovina nos exige cinco vezes mais?

Ser egoísta pode ser uma grande virtude.

ABDUL CADRE

«QUANDO A PÁTRIA QUE TEMOS NÃO A TEMOS»

Vendas Novas, 23 de Abril de 2012

ESTIVESSE ainda Sophia entre nós, e talvez repetisse o seu amargurado verso de 1958: «Este é o tempo em que os homens renunciam».

Referia-se a poetisa ao tempo que cada vez menos gente recorda, porque o esquecimento é simultaneamente um bem e um mal consequente ao renovar das gerações. Dado que ela não pode repetir esse verso, eu peço-lho emprestado, porque este toque de finados a tudo o que o 25 de Abril significa e tem ainda por incumprido anseio traz de penitência os portugueses a quem vão confiscando os salários e de olhos fechados e coração gelado os cínicos que usam bandeiras nacionais na lapela.

É o tempo em que os vencedores do contragolpe do 25 de Novembro completam a sua obra, indo mesmo além do seu desejo inicial, tal como estão indo além das ordens da troica no jeito que lhes é próprio: atentos, veneradores e muito obrigados.

Para quem era já era adulto há quarenta anos e viveu os últimos de silêncio sepulcral daquele «estado novo» que morreu de velho – É certo que empurrado pelos capitães de Abril – a chamada «Revolução dos Cravos» foi bem um abrir de janelas viradas ao sol, uma explosão de consciência; para aqueles que nasceram depois, a data não passa de algo de significado quase esotérico que só os «cotas» parecem entender ou desentender, de acordo com as suas particulares idiossincrasias, condimentadas pelos caprichos do tempo. Foi por isto que nem todos os «cotas» se sentiram (parafraseando Mello Breyner) «livres habitantes da substância do tempo», nem o acontecimento foi para todos «a madrugada esperada, o dia inicial inteiro e limpo».

Esta rendição popular seria igual às muitas rendições que os tempos trazem no ventre, não fora a vitória inicial ser uma promessa carregada de sentido e alcançável com um mínimo de intenção a que não bastasse o slogan e o era tão bom não era.

O processo revolucionário que se seguiu ao golpe militar – o chamado PREC – poderia ter tido um desenvolvimento progressivo, plural e fraterno, mas, por virem da noite escura para o dia claro, os muitos assim ofuscados deitaram tudo a perder. Além disso, estas coisas não se fazem por encomenda, são movimentos sociais vivos, não são chás dançantes.

Atualmente há um outro PREC, de natureza inversa ao anterior. A este, que cavalga a crise, esperamos nós que igual destino lhe reserve o tempo e a história.

Prometiam os militares de Abril levar a cabo três coisas, que até não seriam assim tão ambiciosas, os célebres três DDD: descolonizar, democratizar e desenvolver. Ora, verdadeiramente só o primeiro foi concretizado; os outros ficaram-se pelos sucedâneos. A democracia foi reduzida ao sufrágio e o desenvolvimento, que fez muito pelas vias de comunicação e pelo saneamento básico, pouco fez pelas mentalidades e pela cidadania. Feitas as contas, lucraram muito os que sempre lucram, apanharam umas sobras os mais.

Dos ganhos sociais havidos – ensino, saúde e segurança social – encarregam-se agora os vencedores de servir bem fria a vingança que os satisfaça.

Eis que «a pátria que temos não a temos». Todavia, isto é provisório. Na vida e na história tudo é provisório

segunda-feira, 9 de abril de 2012

APONTAMENTOS SOLTOS PARA UM ROMANCE PIMBA

Vendas Novas, 9 de Abril de 2012

O DEPUTADO do PCP Honório Novo – e sabemo-lo porque ele o disse – tem um gato que se chama Gaspar, nome mais vulgar em gatos do que muitos possam pensar. Tanto assim deverá ser que também na minha família habita um bichano com o mesmo nome, o qual, atendendo aos costumes da generalidade dos gatos, tem uma característica (ou um vício) que muito o diminui: em vez de ir ao caixotinho de areia, faz as necessidades por onde calha, pouco ou nada se ralando com os incómodos que causa a quem lhe paga a paparoca. Eu bem aconselho os donos a darem-lhe o tratamento clássico para esta falta de asseio, mas dizem-me que coitadinho e que era mau para os bigodes, que ficariam sujos.

Este defeito (ou vício) no pobre felino, se fosse em humano dedicado às finanças, equivaleria a nunca acertar no caixote, isto é, nas contas, que é o que acontece com um certo Gaspar que trabalha em ponto morto e discursa ao ralenti, dado que imagina que ninguém o percebe, no que tem toda a razão, não por defeito nosso, mas dele. São tudo coisas da natureza e não há nada a fazer. O que não é da natureza e me deixa um tanto apalermado é o deputado Honório lamentar-se por não poder conversar sobre economia com o seu Gaspar de estimação e, à falta de menos mau que gato, tentar fazê-lo com o seu Gaspar de embirração. Gabo-lhe a pachorra. É que se um não entende nem se espera que entenda, o outro, mesmo que o possa (o que não é líquido), não quer nem lhe convém. Talvez, quem sabe, Honório Novo acabe por concluir que Gaspar por Gaspar antes o outro, porque de nada adianta gastar cera com ruim defunto, nem latim a falar para o boneco, salvo seja.

Faz muito tempo já, diziam certos adversários de hoje e de ontem do pensamento de Honório Novo que, na pátria inspiradora do seu pensar, talvez não se comessem criancinhas vivas, mas que se despachavam os velhos com uma injeção atrás da orelha, lá isso despachavam, olaré.

Bem vistas as coisas, aqui nesta colónia chamada Portugal, não seria despiciendo pensar-se no assunto. Seria até uma solução que em nada destoaria da política geral do governo eleito pelo nosso povo durante um ataque agudo de masoquismo. O único problema, ao que parece, é a falta de verba para seringas e remédio para os ratos. Por isso e por via da crise que só a austeridade cura, os velhinhos que não possam pagar as chamadas taxas moderadoras imoderadas que aguentem pianinho, porque com ou sem injeção a morte sempre vem. Como diz o Gaspar, não o gato mas o outro, não há dinheiro e pronto. Aos velhinhos que não entendam isto, como explicar-lhes o que é a crise?

Crise?

Esta coisa a que chamam crise é um particular modo de produção da riqueza que consiste em transferências à bruta dos pobres para os ricos, o mais que se possa e não possa, que a vida é curta.

Na semana passada, num seu editorial, o diretor do Diário de Notícias condoía-se com o empobrecimento das classes laborais entre 20 a 30 por cento, sem perceber o outro lado do problema e não posso crer que ele não conheça os princípios básicos seja dos negócios, seja da sua contabilização: se há quem perde, há correspondentemente quem ganha; a um débito corresponde sempre um crédito, e vice-versa. Não é bem o princípio dos vasos comunicantes, porque a sê-lo o fluxo seria dos ricos para os pobres, para acertar o nível, e não como está a acontecer.

E o que está a acontecer está completamente certo porque é aquilo que o povo quer e as sondagens bem sublinham.

E como se sabe sem qualquer margem para dúvida e há anos anda em letra de forma num célebre tabloide do povo, o culpado de tudo é esse demónio terrível chamado Sócrates. Ora, nem eu nem Honório Novo temos gato ou conhecemos gato com semelhante nome. Sócrates é uma outra forma de dizer Belzebu.

ABDUL CADRE 

segunda-feira, 26 de março de 2012

PROFETAS E VINGADORES

Vendas Novas, 26 de Março de 2012

NA IRLANDA, em 1650, James Hurst «descobriu» que a criação do mundo aconteceu em 4004 a.C., no dia 7 de Setembro, às 9 da manhã. Comparável, mas profeta com menos rasgo do que este é aquele que os maus fados colocaram como Procurador-Geral das ordens financeiras da troica, o imponderável Gaspar. É que Gaspar profetizou o ano e o dia em que a austeridade nos conduz ao paraíso que é voltar aos mercados da usura, mas esqueceu-se de marcar a hora. Por mais que profetize, não se vai livrar de lá para Maio ou Junho lhe começarem a cobrar pelo desastre inevitável da sua política depressiva.

Dir-me-ão: mas ele é muito popular e o povo está disposto a dar-lhe a pele, se ele pedir, mesmo que devagarinho, como é seu jeito. Claro. Eu até acho que cada povo tem o Gaspar que merece. Além disto, ser masoquista não é crime e, como diz a cantiga, «Quando os mais são feitos em torresmos, não matam os tiranos, pedem mais».

Crime – e dos grandes – é dar bocas à polícia à margem das manifestações domesticadas e consentidas pelo sistema. Aos que dão bocas foleiras, há que partir-lhes os dentes e se os jornalistas estiverem a reportar os excessos policiais, levam também, que o Dr. Macedo bate palmas e, caso haja muita celeuma, far-se-á um inqueritozinho para inglês ver.

O que nos vale é a pinta de justiceiros que conhecidos vingadores têm, como é o caso do secretário-geral, presidente (ou lá o que é) do ilegítimo (mas legalizado) partido político ultramontano registado oficialmente como Associação Sindical de Juízes. Em fim de mandato, teve como última ação indecorosa apresentar queixa contra 14 ministros do governo anterior com o pretexto de mau uso dos cartões de crédito, como se não houvesse tribunal de contas, pensando talvez vir a julgar do mesmo modo que acusa. Ah, o governo do Sócrates foi-nos ao bolso, pois não perde pela demora… Seremos queixosos, acusadores e juízes implacáveis. Cá se fazem, cá se pagam.

E o povo bate palmas.

O país está preparado e pronto para a vinda de um salvador, de um justiceiro, venha ele do Vimieiro ou de Freixo de Espada-à-Cinta. Um só chefe que tudo sabe e em tudo manda.

Paradoxalmente, o grande obstáculo é a União Europeia.

 

ABDUL CADRE

segunda-feira, 12 de março de 2012

AMOR COM AMOR SE PAGA

Vendas Novas, 12 de Março de 2012

DIZ UM ANEXIM que amor com amor se paga, mas eu não sei se a mesma lógica se aplica ao ódio, à deslealdade e aos muitos outros sentimentos torpes e mesquinhos com que nos confrontamos quotidianamente.

O que eu sei é que é muito difícil encontrar alguém com a coragem e a lucidez suficientes para confessar a sua mesquinhez, a sua deslealdade ou o que quer que seja que lhe manche a alma ou possa despolir a imagem que de si quer ver enaltecida. E isto é até mais verdadeiro quando as não confessadas fraquezas são traços predominantes do seu carácter. Ou antes: confessam-se sim mas de forma indireta; ou melhor: denunciam-se quando acusam os outros daquilo que afinal escondem. É a Psicologia que o diz.

Ora, bem sabemos que não se pode confiar naquelas pessoas que a propósito e despropósito nos moem o bichinho do ouvido com estafados autoelogios: «eu cá sou uma pessoa muito sincera» ou «eu sou muito sério». Todos somos sérios quando não estamos a rir. Ser sério ou ser sincero não se prova com emblema pregado na lapela, é-se porque se é, sem darmos nós por isso, que é encargo dos outros. Os leitores acham que aqueles senhores do governo que andam com pins da bandeira nacional na lapela são mais portugueses do que aqueles que nada dependuram da lapela? Se acham, eu acho precisamente o contrário.

Não há no mundo um só que seja nascido de mulher – mesmo que lhe chamem santo – que não tenha sido agente ou reagente da sua pequena ou grande tropelia, da sua deslealdade, da sua atitude mesquinha, do seu ódio de estimação.

Então não há quem diga – e até consta das escrituras – que Jesus amaldiçoou uma figueira que não tinha frutos, apesar de não ser a época dos figos? E não andou Ele a chicotear os banqueiros, em vez de respeitar as regras do mercado?

Alguém pensa que o Relvas, quando deu ordens ao Passos Coelho para pôr o Gaspar a controlar o Álvaro pediu previamente desculpa a este?

E suponha o leitor que estava na pele do grande demónio do nosso descontentamento, esse fantasma que inventámos como desculpa para a nossa falta de civismo e cidadania e dá pelo nome de Sócrates; ia reunir-se com o Dr. Cavaco Silva, lembrava-se do triste episódio das escutas, do discurso da tomada de posse do segundo mandato, do povo não aguenta mais austeridade, dos pequenos sinais de quem inconfessadamente estava apostado em derrubar o governo sem o respetivo ónus, de quem nada fez para evitar o governo minoritário do engenheiro, para esturricá-lo em fogo lento…

Certamente que dizia para com os seus botões: para desleal, desleal e meio.

Cá por mim, fosse eu o fantasma que é o abono de família daquele tabloide que a gente sabe, chegava e dizia: «Ó Sr. Presidente, hoje, se não chover, vai estar um lindo dia».

ABDUL CADRE

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

VENDER A ALMA AO DIABO

Vendas Novas, 13 de Fevereiro de 2012

O MAIS PROVÁVEL é que os estrangeirados de que vou falar não tenham alma; que de algum modo correspondam aos homúnculos da Alquimia, aos golens da Cabala, seres artificiais concebidos por processos mágicos incapazes de os dotarem de alma. Ora, os estrangeirados de que vou falar, embora filhos de homem e mulher, são socialmente criações artificiosas do Dr. Frankenstein coletivo a que chamam mercado (ou mercados). Se tinham alma quando nasceram, ela cedo partiu desgostosa quando não pôde suportar mais o peso das sinecuras e as inconveniências das palavras de conveniência. Coisas da língua bifurcada, evidentemente.

Então, que fique claro que a epígrafe surge apenas como figura de estilo, já que me parece impossível gente com alma ser incapaz de compaixão, ser insensível à dor alheia.

A crueldade dos procuradores dos mercados não é um exclusivo dos nossos estrangeirados, é comum aos políticos ditos liberais que estão a conduzir o mundo para um desastre nunca antes visto.

Os estrangeirados que administram o protetorado alemão onde habitamos à espera de emigrar diferenciam-se dos de fora pela subserviência e pelo provincianismo. Vejam, por exemplo, o nosso Gaspar a meter a cunha ao ministro da guita da Frau Merkel. Igualzinho aos populares que em campanhas eleitorais mendigam junto dos candidatos: «ó doutor, olhe lá pelos reformados». Provavelmente, é desta pieguice que fala Passos Coelho. Suponho que junto da Merkel faz o que faz o Gaspar. São muito fortes com os fracos e fraquíssimos com os fortes.

O que mais me irrita nos nossos estrangeirados é aquela bandeirinha portuguesa na lapela, coisa que não se coaduna com a sanha contra a Restauração da Independência e a Implantação da República. A coerência talvez resida no facto dos pins serem fabricados na República Popular da China, provavelmente brindes pela nacionalização (dita privatização) da EDP e da REN. Era aqui que cabia falarmos da venda da alma ao diabo.

Ainda havemos de ouvir gritar: portugueses, Cacilhas ainda é nossa. Embora possa não ser verdade.

ABDUL CADRE

RECORDOS, ACORDOS E DESACORDOS

Vendas Novas, 28 de Fevereiro de 2012

HÁ UM DOCUMENTO VIL com força de lei que constitui uma desnecessidade, uma aberração e é em si mesmo uma coisa abjeta, rasteira e anticientífica. Um aleijão, como referem alguns linguistas brasileiros. Os jornais e os empregados da política chamam-lhe acordo ortográfico, apesar de não ser nem acordo nem ortográfico e – pasme-se! – nem sequer está em vigor, como muito bem diz Vasco Graça Moura. E não está por duas ordens de razões: não foi até ao momento publicado o vocabulário previsto e, sendo um «acordo» internacional, não pode vigorar na ordem interna se não vigorar na externa. Ora, Angola e Moçambique, ao que parece, vão denunciar esta trafulhice linguística que foi parida por gente que odeia profundamente a Língua Portuguesa. Gente com hábitos de tabuada, como diria Bagão Félix. Não que saibam a tabuada de cor, basta-lhes usá-la nas suas maquinetas de bolso «made in China». É com a tabuada que tudo gerem, porque tudo é número e cifrão e pessoa pouco ou nada conta.

Digo tudo isto e estou aqui a deixar que o corretor do Bill Gates me altere a ortografia portuguesa para a do Malaca Casteleiro, que foi apoiada por todos os partidos do sistema, com muito escassas e honrosas exceções individuais. E vejam bem: antigamente podíamos distinguir CORRETOR (aquele que faz corretagem) de CORRECTOR (aquele que corrige), agora é tudo igual ao litro.

Bem avisado andou o Jornal de Angola que, em editorial, na sua edição de 8 de Fevereiro último se atirou ao acordo como gato a bofe. Para além de denunciar o absurdo de querer unificar aquilo que deve ser plural, diz claramente que «há coisas na vida que não podem ser submetidas aos negócios, por mais respeitáveis que sejam». À tabuada, dizemos nós e diz o Bagão Félix.

Este aleijão, linguisticamente mal feito, impingido politicamente porque sim, culturalmente inexplicável, compreende-se que seja esgrimido pela rapaziada do pin nacionalista na lapela e dos seus apoiantes.

Compreende-se na terra do tanto faz, na terra onde se consegue dizer que para vivermos melhor temos de empobrecer, que ter fome é ser piegas e querer brincar ao Carnaval é ser preguiçoso. E a erroneamente dita comunicação social não só os desculpa como os louva. Já não há cães de guarda.

Já nem o Marcelo mistura crítica com recado, agora é só recadinho e apoio, preparando-se para a presidência da república. O Marques Mendes – esse – bem agarrado ao acordo já confunde pó com popó. Num dos seus comentários televisivos ficou contentíssimo com o louvor de João Salaviza ao governo, não percebendo a ironia. O realizador de Rafa queria dizer precisamente o contrário daquilo que Marques Mendes gostaria que ele tivesse dito.

E viram o alarido que o ex-emigrante canadiano fez na Assembleia da República? Tendo um deputado do PCP posto em causa os seus saberes académicos, o homem passou-se. Desatou a choramingar: «o Sr. deputado está sempre a denegrir os emigrantes, eu tenho muito orgulho de ser emigrante…»

Era tão bom que o homem se deixasse de pieguices, abandonasse a sua zona de conforto e nos desamparasse a loja!...

ABDUL CADRE

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

A UNIÃO EUROPEIA ACABOU, A MORTE DO EURO SEGUE DENTRO DE MOMENTOS

Vendas Novas, 30 de Janeiro de 2012

A ALEMANHA perdeu a I Guerra, perdeu a II Guerra e está em vantagem nas batalhas que vem travando nesta III Guerra, que pensa ganhar sem recorrer às divisões Panzer, bastando-lhe controlar o marco, que tem a alcunha de Euro, o qual deveria ser de 12 mas é apenas de um. Pode ser que perca outra vez.

A imperatriz do equívoco europeu, que não quero chamar de Mercozy, como muitos vêm fazendo, dado que o Sarkozy, não passando de pau-de-cabeleira, é completamente irrelevante, pois a dita cuja, quando jovem – apenas de idade, pois que de facto já nasceu velha –, tinha por apelido Kasner, não imaginava sequer vir a chamar-se Merkel e o que mais adorava era ir de bandeirinha e farda colegial a preceito dar vivas ao camarada Erich Honecker. O que é certo é que aprendeu a mandar e conseguiu até meter no bolso o camarada Mário, a quem a imprensa chama Barroso, essa figura decorativa do falecido órgão europeu que dava pelo nome de Comissão Europeia. A senhora Merkel manda tanto que basta assobiar e logo os seus onze procuradores – leaders formais dos países do euro – vão saltitantes lamber-lhe as mãos. São bons vassalos. Já nem sequer reúnem para discutir o que quer que seja, vão a despacho em pequenos grupos e voltam contentes para os seus tronos de palha, contentes porque cumprem ordens, comprometidos porque sabem que mentem e iludem os povos que os elegeram. Alguns nem eleitos foram, foi a senhora que os entronizou, a pedido dos mercados.

A senhora diz: o mundo é quadrado. Eles respondem: muito quadrado. E diz mais: os povos do sul são uns calaceiros. Eles respondem: pois são. Um deles até se levanta e promete de olhos postos no chão: nós vamos corrigir isso, vamos acabar com os feriados e pôr os nossos mandriões a trabalhar vinte e quatro horas por dia e, se não chegar, pomo-los a trabalhar também de noite.

Mas há vassalos que não oferecem confiança. Para já, os do protetorado da Grécia. Portugal é lá mais para o ano, não porque o encarregado de negócios não se esforce, mas porque tanta vénia a propósito e a despropósito levanta a suspeitas de pouca competência.

Bom, há que mandar um alemão às direitas, de preferência luterano e ex-comunista, tomar conta das finanças gregas.

É preciso que ninguém suspeite, é preciso que ninguém faça contas, que ninguém perceba que o superavit da Alemanha é precisamente a soma dos deficits dos protetorados.

Como se conseguiu isto? Desmantelaram-se as indústrias, suprimiu-se toda a produção: não se preocupem que a gente é que sabe. E os procuradores diziam: Ámen!

Pois!

A grande divisão Panzer chama-se EURO.

A Europa, como união de estados soberanos, acabou. O Euro acabará quando os povos que estão a ser submetidos á tal de austeridade não puderem empobrecer mais e gritarem: basta!

Como a Europa é um grande elefante, quando cair vai levantar muito pó e derrubar muitas árvores. Se fôssemos prevenidos e inteligentes renunciávamos ao europanzer quanto antes, sem pó, sem buraco na floresta, negociadamente, pacificamente…

Mas olhando para os estrangeirados que se dependuraram nos escaparates políticos – os Relvas, os Gaspar, os Álvaro, os Seguro, os Coelho – pensamos: isto é o mesmo que querer gelo quente.