quarta-feira, 11 de março de 2015

DESCULPEM, SOU UM ANTIDEMOCRATA FORÇADO.

Vendas Novas, 01 MAR 2015
O meu querido amigo MJC, pessoa sempre muito bem intencionada, defendeu em ESTUDO GERAL algo que não é apenas anseio seu. Quem espera do sistema o que o sistema, infelizmente, não pode dar anseia o mesmo. Eu não creio no sistema nem creio no ditado popular que diz que quem espera sempre alcança.
Bom, os comentários que lhe fiz são os seguintes:
Penso ser o único português que diz sem papas na língua que não é democrata – pelo menos em relação ao que se diz por aí que é ser democrata –, mas esta posição não se concilia com o que a maioria pensa mas não diz. Pela razão simples de eu muito amar a liberdade – e não só a minha! –, torna-se-me impossível ser democrata; a maioria dos portugueses não o é pelo diametralmente oposto. Atrás da orelha de todos nós há um salazar que murmura: uns prestam atenção ao murmúrio, outros não e há uns poucos que se indignam. Então, que ninguém se iluda: não foi salazar – assim mesmo com letra minúscula – que ultrajou a liberdade, ele não foi uma pessoa, foi um arquétipo, representou o que em nós, como povo, se requeria: pôr a liberdade a ferros e dar uns «safanões» nos que tinham a veleidade de a desejar.
O fenómeno não é muito diferente com outros povos: os russos não conseguem imaginar-se sem czar, seja ele Nicolau, Stalin ou Putin e os alemães não passam sem fazer ou fomentar uma guerra, sem dominar os outros povos, usem panzers, marcos ou euros.
O português comum (ou típico) – se é que é possível usar esta classificação – dá-se muito mal com a verdade, tem alergia à liberdade e cultiva a inveja destrutiva. É evidente que também terá qualidades apreciáveis, mas não é delas que queremos falar. E quando dizemos inveja destrutiva é para a distinguir da inveja dos saxónicos. Estes, quando vêem o vizinho com algo de novo, logo querem ter igual ou melhor; os portugueses – o português comum, claro –, não querem que o vizinho tenha. Aliás, esta é que é a verdadeira inveja, não querer ver, segundo a etimologia.
Chegados aqui, vejamos então o que é a coisa chamada de democracia. É um sistema sufragista em que o povo vota no partido A para que os do partido B não se fiquem a rir. Todavia, mesmo que os do B ficassem a rir o resultado seria o mesmo: nem os impostos baixavam nem os salários subiam. O jogo está viciado: o prémio sai sempre à banca. Afinal, político é gestor dos ganhos de quem manda e a democracia sufragista serve para criar a ilusão de que é possível mudar o paradigma em que a grande maioria das pessoas acredita com a credulidade dos simples, dos naïves e dos medrosos.
O dinheiro é deus e a sua gestão uma religião de estado que se aprende em seminários chamados Faculdades de Economia. Ai dos ateus, que o inferno espera por eles!
A Economia é apresentada às massas como se fosse uma ciência, mas não é tal, é apenas uma invenção, uma forma de fazer crer aos desprevenidos que é tão válida quanto a Qímica do Carbono ou a Biologia, quando não tem mais valor do que a «ciência de vão de escada» que se explora em chamadas de valor acrescentado como astrologia, buena dicha ou coisa assim. Em economia até o nome engana: presumir-se-ia ter por objecto gerir e suprir necessidades (economizar), quando afinal trata do consumo e da forma de lucrar com ele, de calcular quantos pobres são necessários para fabricar um rico.
A Democracia – isto a que chamam democracia – é tão enganadora quanto a religião que a sustenta e foi algo que nunca existiu, embora haja uns patuscos mencionem a Grécia antiga para efeitos justificativos. Ó lástima! Claro que era uma democracia, desde que do recenseamento retirássemos os escravos, as mulheres e os estrangeiros.
Estava mais perto da verdade o padre da minha aldeia, que, falseando a etimologia, dizia que a democracia era o governo do demo, do que os teóricos actuais e os crentes para todos os momentos que falam no governo do povo, pelo povo e para o povo. Mas o que é povo, ali o trolha meu vizinho ou o Ricardo Espírito Santo?
As circunstâncias forçam-me a não ser democrata. Os donos da coisa a que chamam democracia não me permitem ser democrata. Sê-lo-ia se fosse dono de um banco, mas de bancos só tenho uns que são de pau.
Pessoas bem intencionadas propõem que se democratize a democracia, que é assim uma coisa do jeito de chamar gatinho a um tigre ou inventar electricidade em pó. Percebo a boa intenção, mas apesar de não conhecer o inferno dizem-me que aquilo está cheiinho de bem-intencionados.
Mas sabem do que é que eu gostava mesmo? Que houvesse a cultura, o desejo e a intenção de concretizar a velha consigna jamais respeitada de Igualdade, Fraternidade e Solidariedade. Afinal, de que valeu cortar tantas cabeças?
Isto traz-me à memória uma entrevista de alguém avesso às crenças que, perguntado: mas o que é que acha do cristianismo? Respondia de imediato: acho uma óptima ideia. Quando é que está previsto que seja posta em prática?
TODAS AS DEMOCRACIAS SÃO DITADURAS.
Vendas Novas, 04 MAR 2015
Quando, faz bastante tempo, num dado chat escrevi a frase acima, caíram-me em cima teóricos aos magotes, especialmente daqueles que zurziam na minha ignorância. Expliquei, expliquei, mas não me valeu de nada.
Todas as formas de governo – por serem governo e mando – são ditaduras. Por norma, só há o costume de chamar ditadura àquela em que a classe dirigente arranja um qualquer duce para que ele, colocado num palanque, se ponha em bicos dos pés e aos berros.
Então, da tal ditadura tirânica até à ditadura democrática, o que temos é diferenças de grau, de representatividade. Na chamada democracia, todos os ricos estão representados; os que não são ricos pagam e aplaudem. Os pobres, iludidos de que contam para alguma coisa mais do que contribuírem para que haja ricos, votam de quando em vez nos procuradores dos ricos, e isso lhes basta.
Ah! mas em democracia temos liberdade de expressão, estado de direito e coisas assim, dizem os bem-intencionados, para se autoconvencerem. Pois é, eu estava a ver, para dar vasão a tal liberdade, se comprava uma publicação jornalística assim com a tiragem do correio da manha (ou será crime da manhã?), mas fui ver o meu saldo bancário e só me dá para fazer uma assinatura. Paciência!
Haverá algum jornal sem dono, sem agenda, sem recado e sem interesse na carteira?
Estado de Direito, é assim: entro em litígio com o Belmiro Mete Medo e já se sabe, ganha quem pode e quem merece. Democraticamente, já se sabe.
Tive um professor de Processo Civil – ainda por cima dito de esquerda e figura mediática; já morreu, coitado – que dizia: esqueçam isso da verdade e da justiça, as causas ganham-se no processo. Tive um outro, em Direitos Reais – figura que ainda anda por aí, pendurada nas televisões – que dizia: na vossa vida profissional, não tendes de analisar o que é justo ou o que não é justo; quem entra no vosso consultório quer passar a perna a alguém…
Abençoados sejam, que muito me esclareceram e muito fizeram pela minha paz de espírito.
Mas é claro que há liberdade de imprensa, cada um compra o jornal – ou o pasquim – que quer.
Há um bom par de anos, um australiano, criticando a democracia do seu país, dizia assim: suponham que estão 100 pessoas numa sala, das quais só uma está sóbria. Esta pessoa, seja qual for o assunto, perderá sempre para a maioria, por mais razão que possa ter.
Claro que isto é uma caricatura que serviria a muita gente para justificar uma qualquer ditadura de déspotas esclarecidos, mas que serve aqui apenas para ilustrar a fragilidade da razão das maiorias. Veja-se aquela tropelia, aquela perversão chamada de referendo. Haverá coisa mais antidemocrática (nos termos comuns de democracia)?
Mas o pecado original das democracias sufragistas não é este. O pecado está em que se requeria que o voto fosse racional e ele só pode ser emocional. Vota-se, principalmente, por identificação. É preciso explicar o fenómeno Jardim?
Para terminar, quero esclarecer a questão dos portugueses – e eu não falei nos portugueses, mas sim no português comum (ver em Fernando Pessoa os três tipos de portugueses) –, se eu pensasse que eram de fugir, já tinha fugido. Além disso, eu nunca falo dos portugueses sem me incluir neles, não me incluo é no português comum. Mas mesmo sobre o português comum, falei das características negativas ressalvando que não queria falar das positivas. Até porque algum poderia estar a ler e ficar vaidoso, o que acrescentava mais um defeito.
PERGUNTAR É PRECISO, DEMOCRATIZAR NÃO É PRECISO
Vendas Novas, 07 MAR 2015
As ditaduras democráticas sufragistas, que abreviadamente costumam ser referidas como democracias, não podem ser democratizadas, por duas ordens de razões: uma absurda e outra totalmente consequente. A absurda é que pelo simples facto de dizermos que queremos democratizar é porque reconhecemos que esse algo não é democrático. A consequente é a que se verifica pelo facto igualmente simples de que as ditas se resolvem pelo voto e, não havendo restrições relevantes à participação nas urnas, está tudo bem, sendo isso tudo e nada mais se oferecendo, e nada mais se esperando. Depois, estando as classes possidentes francamente representadas e sendo as leis de mercado que tudo regem, então, mais uma vez, tudo está bem e quem não tenha que tenha.
Se o modo de produção das leis, de que resulta o tal estado de direito, é um subsistema e uma justificação das leis de mercado, então, e uma vez mais, tudo está bem e quem não gosta que cheire e deixe.
Se a participação dos cidadãos não possidentes é incipiente ou nula, é – supomos – porque eles são inaptos para o mercado, mesmo que lhe rezem, mesmo que tenham grandes orelhas, tipo parabólica, para captar as promessas que justificam qualquer escolha. Pois, pois, é com promessas e bolos que se enganam os tolos.
Convenhamos que, quem oiça falar os propagandistas de mercado (economistas, comentadores politiqueiros, boys para bons serviços e correlativos) fica com vontade de fugir. O problema, devido à globalização, é que não há para onde.
Mas vamos ver da legitimidade de quem é sufragado. Um filho de uma qualquer claque política, vulgo juventude partidária, depois de uns anos de pendura, de fretes, rasteiras e conspirações chega a manda-chuva da agremiação política agenciadora de empregos e negócios, vulgarmente chamada de partido. Vai a votos, ganha o concurso e os jornais dizem: retumbante vitória do mais inteligente dos inteligentes. Inteligente, não, que inteligente é na tourada. Bom, maioria absoluta, dizem os cravas do croquete, vulgo jornalistas. Mais de 50% dos portugueses votaram na sumidade!
Mentira!
Só votaram 40% dos recenseados e, portanto, a sumidade que tem maioria absoluta afinal sé tem 50% de 40%, ou seja: 20%. Isto em Portugal, porque na América é bem pior. E quem se arrepia ao aventar a hipótese de que a minoria de 20% possa mandar na maioria de 80%, que se arrepie ainda mais ao saber que os ungidos se estão perfeitamente nas tintas para os interesses e anseios de quase todos, isto é: da plebe. Ontem como hoje, manda quem pode e obedece quem deve. Ontem a porrete, hoje com pezinhos de lã, com falinhas mansas. Com chantagem, se preciso for. E se, por imponderabilidades estultas, o povo votar em quem não deva, haverá sempre maneira de corrigir o erro pernicioso, certamente que devido a falta de esclarecimento da gente ignara. Em última estância manda-se a polícia de choque
Então, seja para democratizar a democracia, seja para demonstrar como é belo o mercado, a pergunta que se impõe é se a culpa de todo e qualquer mal é do povo. Se se concluir que é, só temos uma solução, mudar de povo. Não digo demiti-lo, porque demitido já ele está há muito tempo. O povo é apenas uma figura de retórica, uma desculpa. A demissão foi-se dando à medida que o mercado foi metendo no bolso as instituições e os políticos e o povo se foi convertendo à religião castradora de dar a César o que é de César e dar a César o que é de César e dar a César o que é de César…