terça-feira, 31 de maio de 2011

TÃO ENGRAÇADOS, TÃO SEM CUIDADOS!

Portimão, 30 de Maio de 2011


 

QUANDO, através das organizações anómalas a que chamam os seus sindicatos, juízes e procuradores falam, eu fico, via de regra, com pele de galinha; já quando quem bota discurso é o bastonário da AO, via de regra também, eu faço que sim com a cabeça…

Mas eis que, após os tristes incidentes juvenis que chocaram muita gente e fizeram regozijar os meios de excitação social, o Dr. Marinho Pinto, talvez contaminado pelo espírito da campanha que anda por aí, se dependura das pantalhas cheiinho de pena dos delinquentes e sem pena nenhuma das vítimas. Que exagero, Sr. Bastonário. Que deslocada, tanta verborreia na defesa dos pobres e desvalidos de que a justiça não cuida, passando ao lado de que tanto os agressores quanto as vítimas eram igualmente pobres e suburbanos.

Compreendo o ponto de vista de que crimes bem mais graves não têm merecido da justiça a severidade agora usada, mas não o apostrofar sobre as decisões, eventualmente exageradas, tomadas pelo juiz Alexandre. É evidente que se quis criar um caso exemplar e usar a justiça como pedagogia. Assim sendo, bato palmas. Terá sido forçada a letra da lei? Talvez, mas bato palmas da mesma maneira.

É preciso pôr cobro à cultura de irresponsabilidade e impunidade que se instalou entre os jovens, promovida por uma psicologia imaginada por tontos, permitida pela lei do menor esforço, pela apatia e até pela demissão dos papás e mamãs ocupados com tudo excepto com a formação moral e cívica dos seus rebentos. É toda uma lógica dos meninos tão engraçados a quem fazem os ninhos sem mais cuidados. É pensar-se que os meninos — tudo o que é pequenino é engraçado — nascem santos e sábios, não precisam de ser formados e educados.

Toda uma psicologia da treta e crenças e apatias de conveniência geram uma multidão de pequenos tiranos que medem o bem e o mal pela qualidade do telemóvel que os progenitores têm a obrigação de lhes comprar, para poderem tratar dos imensos e urgentes assuntos que têm de tratar, como insultarem-se uns aos outros por SMS. Veja-se que uma das operadoras de telemóveis usou uma campanha publicitária em que pedia aos jovens tão engraçados que usam os ninhos tão descuidados que aproveitassem a promoção de insultos prontas a usar.

Papás, psicólogos, pedagogos e autoridades: por favor, tratem das pessoas que existem, não das que imaginam ou aprenderam em sebentas escritas por ignorantes diplomados. Não se iludam com fantasias tipo crianças índigo, ou em anjinhos acabadinhos de cair do céu. Todos nascemos com um conjunto de características. A umas chamamos qualidades e a outras chamamos defeitos. Cabe sobretudo aos pais enaltecer o que considerem bom e corrigir o que considerem mau, lembrando-se que os seus filhos não são coisas suas, são seres que precisam de amor (não de auto-satisfação) — amor inteligente e não lamechas — e de socialização.

Lembrando Kalil Gibran — cito de cor — os vossos filhos não são verdadeiramente vossos filhos, são filhos da ânsia da vida por si mesma.

In Jornal do Barreiro

Rubrica «Tudo Isto é Fado»


 

ABDUL CADRE


 

domingo, 15 de maio de 2011

UMA CAMPANHA TRISTE

                    

Vendas Novas, 16 de Maio de 2011


 

VAMOS LÁ IMAGINAR: O Dr. Cavaco, que bem sabemos ser um homem não só previdente, mas sobretudo providencial, alguém que, segundo as suas próprias palavras, nunca tem dúvidas e raramente se engana, não confiando no jovem bon vivant que por má conjunção dos astros se colocou à frente do Paz Pão Povo e Liberdade, chamou um seu ex-ministro daquele tempo em que se cobria o país de cimento e de alcatrão, se inventava uma nova classe para a lavoura — os desagricultores — e se acabava com as pescas, a marinha mercante e a metalomecânica e disse-lhe: companheiro Eduardo, encarrego-te de uma missão patriótica e muito melindrosa, segura o meu pupilo, vigia-o bem. Eu quero-o em primeiro-ministro, não porque confie nele, mas porque não gosto do outro, que até me dá arrepios. O Pacheco Pereira, que a seguir a mim é o homem mais inteligente do País, até diz que ele é da Transilvânia e eu começo a acreditar que sim.

Previdente e providencial, o que ele não esperava, apesar de não estar como o comum dos mortais sujeito à dúvida e ao desengano, é que o professor Catroga andasse tão acelerado que só umas merecidas férias no Brasil afastassem o perigo de afundamento iminente do porta-aviões que está já todo esburacado, não pelo fogo do inimigo, mas pelo fogo amigo.

Pior, muito pior do que a aceleração, foi a erupção dum insuspeitado lado negro que faz do palavrão arma de arremesso e do insulto estilo.

E todos esperavam, na boa-fé com que ouviram as mais solenes juras de falar verdade, porque mentir só os outros é que mentem, que o ilustre vigilante do jovem inexperiente que quer chegar ao pote fosse o representante no nosso país, autêntico e verdadeiro, dessa mesma verdade; uma verdade em flor no seio dos políticos a quem o povo chama de mentirosos, que desilusão! Quem o viu no programa da D. Fátima a chamar mentiroso a quem lhe disse que ele tinha escrito o que realmente escreveu e que ele, em nome da sua tese de falar verdade, negou, negando-se, abriu a boca de espanto e murmurou: o homem passou-se.

Sócrates deve ter nascido de cara para a Lua e, se calhar, o Pacheco Pereira tem razão. O que é certo é que não precisa de fazer nada para ganhar o próximo concurso eleitoral, todos os concorrentes trabalham a seu favor. Até o Louçã. Viram aquele triste episódio da carta jurada e afirmada, apesar de inexistente, ratificada e rectificada depois com a desculpa esfarrapada do Fazenda? Dizia o homem: sim, é o memorando, mas isto é conhecido internacionalmente como carta de garantia!

Pois é, vale tudo, provavelmente tirar olhos até.

O que é normal nos países sufragistas como o nosso é que os governos se desgastem e dêem lugar aos que se irão desgastar a seguir. Portugal é diferente. Aqui, quem se desgasta são aqueles que têm mais olhos do que barriga, os que — usando o barbarismo de Passos Coelho — correm ávidos para o «pote» e em vez de darem tiros para o ar em sinal de alegria, como se usa no Próximo Oriente, disparam para o chão e acertam nos próprios pés.

Amigo Paulo Borges, conte com o meu voto, eu vou votar no seu Partido dos Amigos dos Animais.


 

ABDUL CADRE

segunda-feira, 2 de maio de 2011

OS DEMÓNIOS QUE INVARIAVELMENTE DESCONHECEMOS

Vendas Novas, 2 de Maio de 2011

PACHECO PEREIRA publicou, no último Sábado, no jornal do Eng.º Belmiro, uma crónica hiperbólica, tipo conto gótico, intitulada O DEMÓNIO QUE NÓS CONHECEMOS, referindo (e confiando na nossa inteligência) aquilo que ele entende ser o demónio da Transilvânia a quem o povo chama «o Socras» e o criador do «flop» Passos Coelho nomeia por Eng.º. Pinto de Sousa.

Tenho para mim que o intelectual deste país que os laranjas mais odeiam se passou de vez, seja por sequelas do seu ódio de estimação ao Primeiro-ministro demissionário, seja por ver fugir mais um sufrágio que o recompensaria do desaire de há dois anos. Já não bastava andar a todo o momento a chamar à sua assombração «o homem mais perigoso do País», acrescenta agora o grande medo de ser um Drácula e, mais do que isso, um demónio, se não mesmo o próprio Satanás em corpo de gente.

Bem avisado deve andar o General Eanes que, na sua última entrevista televisiva, criticava o fenómeno de moda de diabolizar o Primeiro-ministro, coisa que dá muito jeito a estagiário que sonha ser aplaudido na redacção.
A linhas tantas da sua crónica desabitual, Pacheco Pereira afiança que metade dos portugueses odeia José Sócrates e que a outra metade lhe tem um medo que se péla. Coisas do cinema a preto e branco e dos filmes de cowboys, já se vê, e que não deixa muito espaço para mais tarde explicar a previsível vitória eleitoral do engenheiro que é José, como Pacheco o é também.  Mas quem tenha noções de Programação Neurolinguística pode traduzir-lhe assim o entendimento: eu sou odiado por metade dos laranjas e a outra metade, para não se assustar com a minha inteligência, usa-me para amedrontar o inimigo.

Há truques da psicologia prática que são muito úteis. Por exemplo: não se deve confiar na sinceridade de que afirma a tordo e a direito que é muito sincero; quem o é não dá por isso. Depois, diz a sabedoria popular que elogio em boca própria é vitupério, o que pode ser visto do avesso ou por diversos prismas, mormente para perceber que o que mais nos atormente é o que mais nos vem à boca, tal fora um refluxo gástrico.

O ódio não é bom conselheiro, cega toda a inteligência. Aliás, pela própria etimologia, ódio ou aversão é não querer ver. E bem se sabe que o pior cego é aquele que não quer ver.
Os demónios que nos atormentem nós os desconhecemos, porque se os conhecêssemos desvanecer-se-iam. No entanto, ter demónios pode até ser uma coisa boa, se lutarem entre si; mal é haver um que se agiganta e toma conta de nós. Ficamos possessos.
                                                                               ABDUL CADRE



 

DE MASSAMÁ, COM S. BENTO CADA VEZ MAIS LONGE

Vendas Novas, 18 de Abril de 2011
            NO SEU JEITO hiper-realista menor de olhar para as coisas e ver o seu contrário, sem nunca perceber que em política o que parece é, Felícia Cabrita fez-nos saber, pelo seu romance cor-de-rosa a que chama biografia, que Passos Coelho é um “homem invulgar” a merecer bem a alcunha de Obama de Massamá. Ora, seria realmente invulgar se o verdadeiro Obama gostasse que lhe chamassem o Passos Coelho de Chicago.
Os homens invulgares sabem rodear-se de gente alta e espadaúda em termos intelectuais, está bem de ver e não de equipas «porreirinhas» para jogar à bisca lambida. Eu sei que o baronato do partido não se quer comprometer com desastres financeiros e deselegâncias políticas, mas quando a gente olha para os cabeças de listas laranjas, se tirarmos o Amorim e o Viegas, aquilo é de uma tristeza confrangedora; os ditos cujos são cerejas de enfeitar bolo ruim, todavia sem que se exclua a inexorabilidade do Princípio de Peter. No caso do homem do «directo ao assunto sem cê», suspeito que o principal critério da escolha «a abertura à sociedade civil» é conversa da treta terá sido, palpita-me, o seu ódio irredutível ao Sócrates. Curioso: ele que sempre perorou contra o Engenheiro, chamando-lhe mentiroso programa sim, programa sim, não se sabe como se estará a dar com a ultrapassagem efectuada por Passos Coelho que, em menos de um ano, já deu o dito por não dito mais vezes do que o Sócrates em seis anos.
Mas o mais interessante de se constatar e de saber é que a invulgaridade do biografado (?) da Felícia torna o nosso país, não invulgar, mas único. Partindo para eleições de favas contadas, à beira da maioria absoluta, à medida que foi abrindo a boca sem entrar mosca, foi descendo nas sondagens; tanto que está hoje em empate técnico com o grande inimigo. Em nenhum outro país do mundo isto seria possível: um governo de flagrante inépcia a enfrentar a crise internacional, que tem ido aos bolsos de quem não pode fugir de forma nunca vista, com um primeiro-ministro constantemente vilipendiado nos meios de comunicação social e com o sindicalismo partidário de juízes e procuradores a ajudar à festa, consegue subir nas sondagens e, por incrível que pudesse parecer, encaminha-se para uma previsível vitória eleitoral.
Ó Felícia, trata mas é de refazer o romance, biografia ou lá que é essa coisa que escreveste!
Pois. E temos aquele grande feito (que é mais um desfeito), isto é, desfez-se o mito da independência etérea dos que navegam acima dos vulgares mortais. Refiro-me a Fernando Nobre, que suspeito esteja possuído pelo demónio do bem. Lamento que tenha lançado às urtigas o prestígio granjeado com a sua AMI. Percebe-se agora claramente como a vaidade destrói as pessoas. Ai! E até me arrepiei quando o ouvi dizer à Fátima Campos Ferreira que tem uma missão a cumprir. Que perigo, termos uma missão a cumprir e não sermos o Cristo, por mais que nos queiramos santos. É que missão até o Pol Pot tinha, para mal dos pecados dos cambojanos.
De qualquer forma, é preciso muito cuidado, porque os Cristos acabam crucificados. Os outros, não. Os outros crucificam os desprevenidos e enganam os que têm a necessidade imperiosa de ser enganados. 

                                                                                       ABDUL CADRE