quinta-feira, 16 de maio de 2019

OS FAKEISTAS DO COSTUME

Quando eu andava no secundário – ah, ao tempo que isso foi! – corria uma espécie de lengalenga, anónima e popular, que pretendia tipificar os desempenhos sociais que iam do pobre ao cangalheiro, começando por dizer que o pobre trabalhava, o rico explorava-o, o soldado defendia os dois... e por aí fora. Eram dez tipos bem definidos, embora caricaturais, da estratificação social.

Com o advento das redes sociais, desenvolveu-se o vício de atribuir a alguém de renome todo e qualquer dito que nos caia no goto e nos dê na gana impingir aos outros, dobrando-os em reverência. Foi assim que o tal encadeado ou lengalenga que referi infectou – tornou-se viral, como agora se diz na arte de não pensar – o Facebook.

Como está também na moda culpar os político de todos os males, os fakeistas não hesitaram, trataram de acrescentar à velha lengalenga um décimo primeiro item, dizendo «os políticos vivem dos dez», o que rouba toda a graça ao texto original, que acabava em «o coveiro enterra-os a todos», que era uma forma de nos alertar para o nosso destino traçado, qualquer que fosse a posição na lista; o quão efémera e transitória é a vida. Ora, os fakeistas, adorando submeter os mais pela reverência, resolveram dizer que aquilo era o pensamento político de Cícero (106 a.C. – 43 a.C.), de quem, evidentemente, não leram sequer uma linha nem fazem a menor ideia do que tenha dito ou feito.

Acontece que, nas redes sociais – ou serão anti-sociais? – estas coisas são como mel para urso pardo, desata tudo a partilhar, até porque tendo aquele condimento tão apreciado de cascar em político, havia que aproveitar a oportunidade. Trigo limpo. Toma!

Apetece-me dizer: meninos e meninas, não batam mais no ceguinho, porque destapam a vossa ignorância que, aliás, não sentem como pecado, antes cultuam sem pudor.

Reparem: não é preciso ser um expert em hermenêutica para detectar a inconsistência deste texto de que falamos, basta não ter esquecido totalmente o que de Roma se aprendeu no secundário e ter dos conceitos algum discernimento. E, claro, ler com atenção e por inteiro. Por exemplo: Cícero nunca poderia dizer «o pobre trabalha, o rico explora o pobre» por duas ordens de razões. Primeira (conceptual): explorar, sem ser mina, é um conceito marxista, respeita a uma sociedade industrial; a segunda, é que para Cícero o rico não explorava o pobre, os pobres não produziam, eram alimentados pelo sistema. Não trabalhavam, só os escravos trabalhavam, e os escravos não eram ricos nem pobres, eram coisas.

Cícero também não poderia dizer «o político vive dos dez», porque não havia políticos profissionais e remunerados, a política era um dever cívico. Nenhum cidadão trabalhava, no sentido salarial do termo, toda a riqueza era produzida pelos escravos – quem mais escravos tinha mais rico era – e pelos soldados, através do saque das riquezas estrangeiras e submissão dos vencidos à escravatura.

Depois, metem-se ali advogados, como se a magistratura permitisse as profissões liberais, nascidas afinal na Idade Moderna, e os banqueiros, que só apareceram no século XIII.

Mas onde está o problema? Perguntam com ar inocente os que adoram partilhar sensaborias e aldrabices.

O problema é que desinformar é mentir, coisa que tanto se condena nos políticos; é corromper o entendimento. Entenderam?

Depois, a ignorância, quando cultivada, quando não combatida, é uma ofensa à inteligência e contribui para o apodrecimento e decadência da sociedade.

Ponham os olhos no Brasil e arrepiem-se.

quarta-feira, 8 de maio de 2019

PIOR DO QUE ACREDITAR EM GAMBOZINOS

Pior do que acreditar em gambozinos é a gente engasgar-se com um pelo de gambozino atravessado na garganta. Na garganta, pois claro. Pior ainda é não tossir, para se ver livre do inconveniente.

De certo que alguém, no fervor da crença que lhe instalaram, ou a que se rendeu para fazer conjunto com muitos, que encomenda os dias e pede graças e favores a mãe de Deus, como se Deus, pela Sua própria natureza, não fosse órfão, seria expectável que se engasgasse, e até que tossisse, para expelir o pelo. É raro que isso aconteça, porque crente é mesmo assim, diz o que diz sem tossir, porque lhe disseram ser dogma de crença (a que a igreja chama de fé). Ele crê, embora não entenda, porque é um mistério, e os mistérios são inexplicáveis e inacessíveis à inteligência humana. Se fosse assim, para quê falar do que ninguém poderá entender, a não ser para nos espantar e deixar-nos calmos no rebanho?

Do que é que eu estou a falar? Então não se está mesmo a ver?

Falo daquilo que dá imenso gozo aos teólogos (?) que nos querem tratar como diminuídos mentais, que Deus, afinal, teve mãe, sem que se possa admitir contradição com afirmar-se que antes Dele nada nem ninguém existia; que Ele tudo produziu, excepto a quadratura do círculo, que é enigma humano em desafio a Deus.

Claro que eu sou, decididamente um desmancha prazeres, quando me falam de Mistério – eu que acredito mistérios – procuro sempre confirmação, pergunto de imediato se é mistério ou apenas mentira ou efabulação.

Penso que terá sido também isto que Nestório perguntou quando o Concílio de Éfeso (431 D.C.), para grande escândalo de muitos cristãos, que se sentiram ofendidos na sua inteligência, resolveu criar um dos dogmas mais absurdos alguma vez congeminados, o Theotókos, gerador de inúmeras dissidências. O termo (grego) significa «aquela que gerou Deus». Tudo isto resultou de uma certa ideia mitológica difundida pelos cristãos do Egipto. Pra tornar racional tal desconchavo foi necessário fazer de toda a lógica uma batata.

Vejam bem o artifício: a coisa seria assim, Deus é uno nas suas três pessoas, todas elas coevas, isto é, o Filho é coevo do Pai e nenhuma das pessoas à anterior à outra. Explodiu-me neste preciso momento um neurónio. Ora se o Filho é Deus e goza com o Pai da mesma dignidade e da mesma anterioridade sobre tudo quanto existe, tendo vindo habitar entre nós através do ventre de uma mulher, que o deu à luz, essa mulher, Maria, é mãe de Deus. Explodiu-me outro neurónio. Entenderam, ou têm os neurónios em brasa?

Fica um aviso: se é católico e diz que não acredita nisto, corre o risco de ser excomungado, o que é meio caminho andado para ter a sua alma imaterial a arder nas chamas materiais do inferno. E é muito benfeito.

Permitam-me um conselho: digam que acreditam, abanem a cabeça e digam que sim, para fazer de conta.