segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

UMA SEMANA PARA ESQUECER

Vendas Novas, 4 de Dezembro de 2012

PODÍAMOS CHAMAR a coisa de semana ignominiosa, mas como o tempo não é mau por si mesmo, o comportamento que lhe metemos no bojo é que o será ou não, deixemos o tempo sem culpa e julguemos quem o deve ser. E temo réu que bonde por aí.

Quem não se lembra das acusações que se faziam ao Sócrates, aquele a quem o povo tratava por Socras e o inventor do Passos Coelho (Angelo Correia) chamava Pinto de Sousa?

Alguns dos comentadores encartados, usando e abusando dos meios de comunicação onde serviam os seus partidos, tornaram popular dizer que o ex-primeiro-ministro tinha um problema grave com a verdade. Pobre comunicação social, que tristeza de comentadores enganadores!

Digam-me uma só verdade que o atual primeiro-ministro tenha dito desde a sua campanha de banha da cobra até se apropriar do pote que tanto o obcecava?

Mas o grave agora é que grande parte dos ministros se permite as afirmações mais abstrusas. Ainda há dias, o ministro Vespa da Insegurança dizia, apesar dos números da estatística o desmentirem, que este governo tinha diminuído as situações de pobreza no nosso país. Que grande mentiroso. As situações de pobreza triplicaram desde que este conjunto de liquidatários do nosso país entrou em funções. Por outro lado, o desemprego duplicará em breve em razão das políticas do amigo do peito do Wolfgang Schäuble, o tal que aconselha a que não paguemos menos juros nem tenhamos mais tempo para liquidar as dívidas dos banqueiros que vivem e viveram acima das nossas possibilidades – os verdadeiros autores e beneficiários da dívida externa –, enquanto as pequenas e as médias empresas fecham ao ritmo de CINCO por dia.

Entretanto, Passos diz que passa bem com a impopularidade, indiferente a que todos nós passemos mal só porque ele e a sua pesporrência nos caíram no destino, assim a modos de uma maldição. Um cavalheiro que vai para a televisão dizer que quem quiser escola que a pague e que, desmentido pelo Crato, logo dá o dito por não dito, talvez porque se esqueceu que ainda não foi revista a Constituição: era isso mesmo que estava no seu célebre projeto de revisão, que por sinal encomendou a um monárquico.

Mas o que mais me incomodou na semana finda foi aquela grande indignidade, aquela falta de vergonha e ostentação de enorme cinismo dos deputados – serão mesmo deputados? – da maioria que aprovou um OE «inexequível» com as medidas legais de extinção da classe média e de redução à miséria do nosso povo em geral. Os «deputados» votaram que sim e fizeram uma declaração de voto coletiva dizendo que não. Que despudor. Que vergonha.

Sintomaticamente, simbolicamente, comemorou-se o último Dia da Independência. A dependência está em curso, a miséria em execução a catástrofe segue dentro de momentos…

PROCURANDO ALICE DO OUTRO LADO DO ESPELHO

Vendas Novas, 20 de Novembro de 2012

AO QUE PARECE, somos três em um, como certos produtos da cosmética e da limpeza: o que verdadeiramente somos, o que julgamos ser e o que os outros pensam que somos. Desta última condição resulta que o retrato que nos façam pouco ou nada contribuirá para que nos conheçamos, mas é o melhor meio ao nosso alcance para sabermos quem é e como é o retratista.

Atendendo a tudo isto, bom seria que, sem qualquer inquietação de maior, admitíssemos, à revelia do senso comum, que os homens e as mulheres, bem vistas as coisas, não têm defeitos nem têm virtudes, têm sim características. Por simples benevolência, às características que nos agradam chamamos então virtudes, às que nos incomodam, por costume ou má vontade, chamamos defeitos. Sobra daqui um grande problema: que imperial acuidade nos leva à distinção em que somos pródigos?

E sobre nós, qual a bitola, qual a acuidade?

Quem é que não sabe – quem? – que não se deve confiar em quem nos diga coisas do género: «eu cá sou muito sincero» ou «eu sou uma pessoa muito simples»?

E não é apenas por bem sabermos que ninguém é bom juiz em causa própria, nem por olharmos o louvor de quem a si se louva como vitupério, mas sobretudo porque a psicologia prática nos ensina, por um lado, que do que nos é natural nos não damos conta e, por outro, que quem simples se julga complicado é; depois, que quem se declara sincero, por norma, desconhece o que isso seja. Em contrapartida – se nos quisermos autoanalisar – constataremos que os defeitos que apontamos aos outros nos assentam como luva. Nesta conformidade, talvez devêssemos tomar como princípio que todos os nossos relacionamentos estão sujeitos a projeções e reflexos dum compósito jogo de espelhos. Como não temos capacidade para conhecer o outro por si próprio – tomáramos nós conhecer a nós mesmos! – inventamo-lo à nossa imagem e semelhança, pondo no altar aqueles que amamos e remetendo para o inferno os que nos incomodam. Todavia, não amamos nem odiamos para além daquilo que somos, apenas enaltecemos virtudes imaginadas para a construção da corte que nos conforta e esconjuramos o mal em nós negando ao objeto da nossa raiva ou da nossa má vontade todo o merecimento. Ora, o outro é, para o bem e para o mal, o nosso espelho. Se o quebramos, desencontramo-nos; se lhe pusermos uma moldura, virá o tédio das imagens repetidas roubar-nos a aprendizagem...

Bom seria ver no outro um lago luminoso e transparente. Um lago imenso onde os céus se refletem e a nossa emoção se retempera…

Mas talvez seja pedir demais.