sexta-feira, 28 de maio de 2010

EU PECADOR ME CONFESSO

Barreiro, 29 de Maio de 2010

ESTAMOS EM CRISE, diz-se por todo o lado, enquanto o Mourinho assina mais um contrato milionário. Se há quem pague, então é bom para ele, sem deixar de ser muito bom para nós, única satisfação animadora que nos cabe no meio de tanta tristeza que nos dão e ameaças que nos fazem.

Entretanto, vou até Espanha, ver a crise de lá, e não sei quando volto, ou se volto. Posto isto, desculpem-me os leitores, mas apetece-me neste momento falar apenas para os meus botões, assim a modos que em acto de contrição.

Antes de mais, quero dizer que estou muito agradecido à vida: sábia como ela é, entendeu por bem livrar-me desde o nascimento da cegueira tão comum de ter clube ou religião. É certo que não me livrou da militância política – e isso foi bom, reconheço-o – mas cansei-me de partidos, de papagaios e de formigueiros. O modo de produção dos partidos, que tantos querem ver como alicerces da democracia – desta que temos, não da verdadeira – é uma completa lástima. Ressalvo, todavia, que a política é, na sua essência, uma actividade nobre; a partidarite tribalista e carreirista é que não; é sim o atoleiro da ética, da estética e da verdade.

Perante as paixões clubistas – confesso a minha falta de tolerância – não disfarço o meu azedume, até porque não consigo sequer entender como é que alguém do Porto se diz benfiquista e um patusco de Lisboa se declara tripeiro, uns e outros dispostos a mutuamente se esgatanharem, apedrejarem e injuriarem e comungarem dos impropérios que dirigem à mãe do «gatuno». Gatuno, para quem não saiba, é um dos nomes que as gentes destas tribos dão a quem arbitra jogos de futebol.

De certo modo, algumas sequelas deste tribalismo notar-se-ão nas hostes partidárias, todavia actualmente amansadas, ordeiras e descrentes. Engraçado como os partidos com assento parlamentar, dizendo-se uns de esquerda e outros de direita, usam no assento etéreo que lhes coube uma só linguagem – o economês – que para o comum dos cidadãos é uma espécie de mandarim, cantonês, ou coisa assim.

Há uma outra ressalva que devo fazer: penso que a Religião será ainda mais nobre do que a Política, as religiões de per si é que nem sempre. Mas porque este é um campo que mexe com o mais íntimo de cada um, faço os possíveis por ter uma tolerância bem acima da média, de tal modo que, quando acordo bem-disposto, apetece-me ser budista; se acordo um tanto azedo, sinto-me um daqueles muçulmanos que os senhores das televisões nos fornecem aos gritos; se me levanto sem vontade para coisa nenhuma, chego a dizer-me «católico não praticante», à semelhança do português comum que não gosta de ficar calado. Às vezes até me sinto daquela religião muito intelectual, muito inteligente e prafrentex dos ateus, niilistas e outros negacionistas.

Curioso, nunca consigo sentir-me ou dizer-me da religião mais poderosa, comum e global que existe, a religião do mercado, onde não há crise de vocação sacerdotal e há muita gente que ascende ao céu sem precisar de morrer primeiro. Não estou a falar do Mourinho, que bem merece, que por ele nos realizamos sem fazer força. Vocês sabem em quem estou a pensar.

É claro que a maioria vai para o Inferno. É justo. Quem peca deve ser castigado.

ABDUL CADRE


 

sábado, 22 de maio de 2010

A CONTA DA FLORISTA


Barreiro, 26 de Abril de 2010
ESTE ANO, o 25 de Abril foi mais apagado do que nunca. Para este esfriamento muito contribuiu o desvio das brasas para a fogueira das paixões futebolísticas. O SLB-SLB ouvia-se mais alto e mais vezes do que o habitual 25 de Abril sempre, que os mais jovens nem sequer entendem.
Para além de tudo isto, parece que a razão principal para a falta de alor reside no facto de os muitos que se encheram de esperanças na epopeia dos cravos sempre a florir não contarem com a conta exorbitante que a florista está a cobrar.
Entretanto, a somar ao constante agravamento das desigualdades sociais, instalou-se no país um estado de loucura e chinfrineira nunca visto em 800 anos de História.
Chegámos a tal ponto que – pasme-se! – temos patrões a fazer greve, magistrados a fazer política, deputados a conspirar e até temos um sindicato dos juízes. Para a loucura ficar completa só nos falta o sindicato dos ministros, o sindicato dos presidentes da república e o sindicato dos nossos queridos deputados.
Eu digo queridos deputados, mas é evidente que gostaria de dizer outra coisa qualquer. O país caminha a passos largos para uma situação financeira e económica desastrosa, mas aqueles senhores não encontram outra coisa mais útil para fazer do que perderem horas e horas a fingir que querem saber aquilo que já concluíram muito antes de inquirirem. Querem lá eles saber se o Sócrates mentiu ou não mentiu, se sabia ou não sabia, o que eles querem é achincalhar o dito cujo, não percebendo que o Zé Povinho está bem mais preocupado com a preparação da equipa do Benfica para a próxima época.
Mas este comportamento irresponsável dos senhores instalados na Assembleia da República faz-me lembrar o dos seus colegas de há uns séculos que, enquanto os turcos tomavam Bizâncio, discutiam o sexo dos anjos, não a defesa da cidade.
No meio de tudo isto, sabemos que uma juíza ilibou um tipo que se abasteceu de combustível e fugiu sem pagar, exarando um acórdão em que dizia que não havia crime, pois que o combustível estava ali nas bombas para as pessoas se servirem.
Mais grave veio do Tribunal da Relação: que sim senhor o Dr. Névoa (ou engenheiro, não sei bem) quis comprar um vereador, mas que tal não é crime, não é corrupção. É capaz de ser apenas gentileza, não acham?
Mais grave ainda: condenado em primeira instância – o tal Névoa – foi multado em 5 000 euros, mas aquele que o denunciou foi condenado no dobro por ter chamado ao dito o que o dicionário aponta como qualificativo adequado. Eis que o crime (que não é crime afinal) compensa.
Face a isto, que diz a organização político-sindical dos juízes?
Nada. O senhor desembargador presidente desvia a conversa e propõe a extinção da Ordem dos Advogados.
No antigo Parque Mayer vi coisas bem mais engraçadas, embora menos loucas.


ABDUL CADRE

 


 


 


 

EXCITAÇÕES, ALUCINAÇÕES E FENÓMENOS INSÓLITOS

Barreiro, 15 de Maio de 2010

JÁ NÃO É a primeira vez que neste e noutros espaços, naturalmente com palavras outras, que a tabloidização geral para a qual caminhamos nos jornais, televisões e cassetes piratas se caracteriza pelo progressivo afastamento do dever e do interesse em informar, trocados pela assumpção do deleite em excitar as massas e exercer um poder desviado, espúrio e despido das virtudes que em voz alta se esgrimem e em surdina e à sorrelfa se mandam às urtigas.

O pimbismo jornalístico chega a ser nauseabundo. Sei de um tablóide popularíssimo que anda há mais de um mês a estampar todos os dias na capa, com chamada para o miolo, duas fotografias sobrepostas (para parecerem uma só) do tripeiro Pinto da Costa e da sua putativa nova namorada brasileira – nova nos dois sentidos, note-se – ocupando o espaço a dizer nada, mas escrevendo muito.

No mesmo tablóide, um responsável e colunista manda imprimir há anos e amiúde sempre a mesma crónica, onde trata a Assembleia da República por assembleia nacional e Sócrates, por quem tem um ódio figadal, por presidente do conselho e engenheiro relativo. Sempre assim, invariavelmente assim, sem outro tema.

Como para mim é evidente, mas que parece não o ser para as grandes maiorias, o jornal não tem culpa nenhuma, fabrica o que bem se vende, é o povão que assim quer. Se não fosse assim a coisa não se vendia, não é?

Da falta de liberdade de imprensa dos tempos da outra senhora caímos agora no desbocamento mais tabernoso, mais bacoco e mais irresponsável, com moços de recados por toda a parte e salteadores da honra perdida a cada esquina.

Qualquer estagiário que se preze sabe bem que o que está a dar é malhar no Sócrates e «sus muchachos», nos gestores do inimigo e nos funcionários públicos.

Ainda recentemente, uns jovens destes turcos, frustrados talvez por não terem sido admitidos na Polícia Judiciária, confundiram entrevistar um deputado com interrogar um perigoso cadastrado a monte. A resposta do referido foi péssima e já toda a gente malhou o que tinha a malhar. Pena foi ninguém se lembrar de criticar o comportamento dos entrevistadores. Não será esta espécie de jornalismo à rédea solta sem escrutínio de qualquer natureza um convite à concretização dos desejos expressos em passado recente por Ferreira Leite, aquela profecia da suspensão da democracia?

E que dizer da apatia e da falta de crítica à reunião dos doze cavaleiros do apocalipse em Belém? Tradicionalmente eram só quatro!

Gente que foi ministro e governador do Banco de Portugal pede a bênção ao Presidente da República para salvar o país do descalabro a que chegámos pelas suas mãos excelsas. Põem-se em bicos dos pés, querendo passar por extraterrestres. Eles, os culpados do nosso afundamento. Francamente, até o Pina Moura!

Fazia aqui falta aquela frase de César: «até tu, Brutus»...

ABDUL CADRE