domingo, 27 de fevereiro de 2011

VIOLINOS E PALRAÇÃO

Vendas Novas, 27 de Fevereiro de 2011

SE FOSSE coisa de esfolar o Sócrates, vinha pespegado num dado tablóide, sendo de armar à inefabilidade dos valores «éticos» de ostentar na lapela, já se sabe que outro é o jornal que se usa para dedurar, conspirar e ver os cavalinhos de borla.

Sócrates que me desculpe o meu excesso de intimidade de dizer «o Sócrates, mas é que eu não quero ficar atrás em má-criação daquele senhor das mercearias internacionais que, do alto dos seus milhões, diz o mesmo e ainda de pior maneira.

Mas adiante. Tenho e não escondo uma certa alergia a fardas, polícias e afins, todavia, não sei, não faço a mínima ideia de como é que se pode gerir um caso tão anormal quanto o daquele ser «angélico» que o editorialista de o «Público» entende, sem pestanejar e sem a mais pequena sombra de dúvida, ter sido humilhado e ofendido. Aliás, o título do editorial é «Um castigo cruel e inadmissível», e toda a prosa está cheia daquelas coisinhas que ficam sempre bem quando a nossa alma voga diáfana acima das contingências do mundo.

Alguém que, tendo quase dois metros e cento e cinquenta quilos de peso, considerado psiquicamente são pelos psiquiatras, defeca no chão da sua cela, se unta com as próprias fezes e escreve com as mesmas, nas paredes, frases obscenas que assina com o pseudónimo literário de Animal; alguém que ameaça fisicamente os carcereiros e agride enfermeiros, guardas prisionais, e até quem lhe leva as refeições, com as referidas fezes; alguém que não limpa a porcaria que faz e empesta o corredor das celas com um cheiro absolutamente insuportável, tão insuportável que os outros presos entram em greve de fome, como protesto; alguém que, condenado por vários e graves crimes, tem sido transferido de presídio em presídio por este tipo de comportamento, terá realmente sido humilhado ou anda a humilhar quem o atura?

As almas diáfanas e virginais chamam-lhe vítima, os moradores do Linhó, para onde foi transferido agora, chamam-lhe herói, os guardas prisionais chamam-lhe problema, os burocratas, uma carga de trabalho.

Os confidentes que receberam o vídeo apostam numa espécie de Abu Ghraib saloio. Era tão bom, não era?

Escamoteiam que as filmagens não foram feitas à sorrelfa, foram-no de acordo com os regulamentos, quando é preciso usar procedimentos excepcionais, mormente violentos. A violência, nos estados de direito, tem as formas, a exclusividade e os agentes devidamente definidos. As pessoas de bem aceitam isto. A lei não deve permitir que se vá além disto ou que a violência não sirva o bem comum e se torne consequência de maus fígados.

De qualquer forma, o que sobra é que ninguém disse e ninguém nos quer dizer como se pode resolver o problema do herói conspurcador sem pôr em lágrimas as almas virginais.


Abdul Cadre

abdul.cadre@gmail.com

É UMA COISA GENÉTICA

Vendas Novas, 14 de Fevereiro de 2011

PAÍS curioso e único, este nosso. Eu sei, eu sei que todos os países são únicos, mas o nosso é muito mais único, só é pena não ser o melhor do mundo, como o Mourinho, por exemplo. E sermos capazes de falar como ele. Já viram aquele anúncio a um banco, em que ele diz: «eu não sou o melhor, só que não há ninguém melhor do que eu»?

Estou a citar de memória, pelo que a frase pode ser ligeiramente diferente, que não o sentido.

A nossa peculiaridade é tão grande que até temos uma coisa absolutamente única no mundo, estradas ditas SCUT – sem custo para o utilizador – em que as portagens são pagas, inclusive, por antecipação.

Um empresário tenta comprar um vereador e é absolvido; o vereador é condenado e o seu advogado, que é também seu irmão, está em risco de ir à barra, não como causídico, mas como réu.

Esta gente não aprende que as denúncias têm de ser anónimas, como no tempo da Inquisição, como no tempo da PIDE. Pois. É que a Procuradoria não deita para o lixo as cartas anónimas, manda investigar, desde que seja coisa que, levada aos tablóides, possa deliciar os gulosos que dessas iguarias se alimentam.

Sabem que há uma linha aberta para denunciarmos o nosso vizinho que comprou um carro novo melhor do que o nosso?

E também há, num diário de grande tiragem, uma petição em curso para criminalizar o enriquecimento ilícito, já assinada inclusive por juristas e outras pessoas de que se esperaria maior bom senso.

Ó, meus amigos, então se algo é ilícito, não está já criminalizado?

Eu sei que esta tontice pode ser justificada por alguns como uma forma de contornar aquela coisa da inversão do ónus da prova, mas para mim não passa do exercício corrente da demagogia mais primária. É para agradar ao poviléu, para armar aos cágados, para inglês ver.

Por falar em demagogia, e da barata, surge-nos aquela ideia bizarra do BE que, para se antecipar ao PCP, se lembra de lançar uma moção de censura a prazo, que se justificará pelo combate aos «banqueiros chupistas» e ao governo do Sócrates, mas que, bem vistas as coisas, vai beneficiar esses mesmos chupistas, que aproveitarão a presumida instabilidade consequente para acrescentar uns pós aos juros cobrados, tal como será um presente inesperado ao governo em exercício, como havemos de ver.

Mas, suponhamos que o PSD votava a moção, o governo caia e tínhamos eleições – que é do que o país mais precisa neste momento! – resultando tudo na vitória do Coelho, não o da Madeira, mas o Passos.

Teríamos então que o combate às «políticas de direita» entronizavam um partido (ou dois) ainda mais à direita para fazer maldades ao povo e beneficiar os tais banqueiros chupistas. A seguir, talvez pegasse a ideia duma revisão constitucional que diminuísse o tal mínimo de 180 deputados para 150 ou 120 e deixaríamos de ter na Assembleia representantes dos partidos que combatem os «banqueiros chupistas».

Somos ou não peculiares, únicos, incríveis?


 


Abdul Cadre

abdul.cadre@gmail.com

domingo, 6 de fevereiro de 2011

PROVINCIANISMOS DEMOCRÁTICOS

Vendas Novas, 05 de Fevereiro de 2011

PODEM achar que é exagero da minha parte, mas estou em crer que só poderíamos esperar bondade da democracia sufragista se, mantendo o direito de votar ou não votar, fosse obrigatória a inscrição nos partidos políticos. Isto é, todos os cidadãos, no momento de votar, teriam de apresentar comprovativo de filiação partidária; de cartão de eleitor é que não precisariam. Além disto, os partidos reservar-se-iam o poder de não passar cartão aos militantes indolentes e inactivos; sem esse comprovativo, nem sequer a carta de condução poderia ser tirada e os impostos seriam calculados em dobro. Os apartidários tampouco teriam direito a vacinas gratuitas, descontos, promoções e outras complicações.

Então não andam sempre a dizer lá do alto, os que estão no alto e têm direito a dizer, que é nos partidos que está o cerne da democracia? Então que seja!

E sabem que mais? Tenho cá para mim que em boa verdade não há apartidários, ou dito de outro modo: um apartidário é um partidário que tem vergonha de ser partidário.

Com a minha proposta, acabava aquela boca foleira dos ociosos palradores que bolçam a torto e a direito «o que eles querem é poleiro». Desta forma, ou faziam parte do galinheiro e estavam caladinhos ou não faziam e por isso, não tendo nada a ver com o assunto, estavam caladinhos da mesma maneira.

Já viram o procedimento comum do português típico? Senta-se negligentemente na esplanada a beber a sua bejeca, comentando com ar superior: «a malta não quer é trabalhar». E espreguiça-se. Quando entra na política é mais acintoso ainda: «Quem? Os políticos? São todos uma cambada de ladrões. Com o meu voto não vão eles para lá

Sendo os típicos muitos e estando a multiplicar-se perigosamente, não há que nos admirarmos de as sondagens dizerem que no tempo da outra senhora se vivia melhor. Aliás, palpita-me que a maioria dos respondentes não viveu nesse tempo que desconhece mas louva. É cá um feeling...

Entretanto, apareceram aí uns maduros a convocar o botabaixismo de base a pronunciar-se sobre a diminuição do número de deputados na AR. Fantástico. E atiram-nos com sondagens à cara que dizem que 97% dos portugueses estão de acordo. Dos portugueses ou dos portugueses que responderam? É que não é a mesma coisa. A mim não me perguntaram nada e se me tivessem perguntado mandava o perguntador dar banho ao cágado. Se calhar, gente que vota no PCP e no BE também disse que sim, sem perceber que os seus partidos seriam varridos da Assembleia, a qual ficaria entregue ao Centralão PS/PSD.

Eis uma expedita forma democrática de corromper a democracia.

ABDUL CADRE

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

ENVIESAMENTOS DE BASE

Vendas Novas, 24 de Janeiro de 2011

SÓCRATES está de parabéns! O candidato que mais lhe convinha e sempre lhe conveio, aquele que é, digamos assim, o seu abono de família, ganhou folgadamente e sem espinhas o concurso dos presidenciáveis.

As hostes cavaquistas estão em festa como se tivessem acabado de assistir aos Globos de Oiro. Cavaco, nem por isso, não pelos motivos aduzidos pelo Defensor, mas porque vai ter contrariedades de que pode suspeitar, mas cuja amplitude não imagina nem quer imaginar. Tem experiência de em tempos ter sido estrugido em lume brando, enquanto primeiro-ministro, mas não sabe ainda como se frita um presidente, se com azeite de oliva, se com margarina com sabor a manteiga. Sabem que há margarina com sabor a manteiga, não sabem? Pois. E também há estradas sem custos para os utilizadores onde os utilizadores pagam e não bufam.

Cavaco levou então o globo de oiro e não lhe faltou sequer o seu Ricky Gervais, que no seu caso particular dava pelo nome de José Manuel Coelho, um dos poucos madeirenses que não tem o apelido Jardim ou Ramos. A imprensa espanhola, por causa da carreta em que se deslocava, chamou-lhe o «enterrador», mas na verdade não almejou levar a velório o proprietário da «Gaivota Azul», que é como quem diz a uma segunda volta.

Por falta de segunda volta, não está Alegre de parabéns, e eu também não, que votei nele, embora convicto de que nem um milagre levaria a tal. Alegre não quis perceber que a soma algébrica de PS com BE não dá mais, dá menos; que um número significativo de bloquistas votava no Fernando Nobre e que uma razoável percentagem de apoiantes da mãozinha fechada estava com Cavaco. Pelos meus cálculos, estes serão, na receita cavaquista, cerca de 9 ou 10%.

No entanto, devo esclarecer que fui votar mais para não fazer parte da maioria que é esse partido pegajoso e azedo que dá pelo nome de abstenção do que por outra qualquer razão. Nunca faço parte de maiorias, seja das que ganham, seja das que perdem. As maiorias só por mero acaso coincidem com a verdade, com a razão e com a justiça. As maiorias cospem para o chão; só uma minoria o não faz. A maioria dos proprietários dos cães que estrumam os passeios da cidade riem-se daquela extremamente pequena minoria que apanha os dejectos, porque a nossa cidadania é assim e já se sabe que as coisas são assim quando não podem ser assado. Cavaco ganhou porque não podia deixar de ganhar e o povo português continuará assim, porque não pode ficar de outro jeito. É a vida.

ABDUL CADRE