quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

DIR-SE-À MAIS DIA MENOS DIA

 

DIR-SE-Á, mais dia menos dia: o país estava à beira do abismo; connosco deu um grande passo em frente. E isto virá então nos jornais. Por enquanto não, que não têm ordens para isso. Nem disposição, já se vê. Virá até naquele recordista de vendas que não se apercebeu ainda que mudámos de desgoverno…

Ó meninos, acordem: o Sócrates já não é primeiro-ministro, quem actualmente é primeiro-ministro de facto — que não de jure— é o Relvas. E rectifiquem: o dito réu das vossas obsessões não está a estudar Filosofia, está em Paris a estudar Ciência Política.

Mas o que se diga deste jornal de que é escusado dizer o nome, pode dizer-se dos demais que lhe vão na peugada, porque os interesses de quem é dono e o desossamento de quem só compra discos da His Master´s Voice faz o resto.

O outro, segundo diziam, tinha um problema insolúvel com a verdade, aquele que formalmente o substituiu parece ter um problema solúvel com a mentira. Diz de manhã uma coisa e à tarde o seu contrário sem qualquer arrepio e sem que o critiquem. Está ungido pelo espírito santificado da subserviência mediática,que tem como desculpa o chamado estado de graça e o pendor missionário para o miserabilismo.

Uma ministra coloca o irmão do companheiro a tratar dos assuntos do ministério, os jornais nada dizem sobre tal nepotismo. Acusada pelo bastonário da AO de estar a beneficiar o cunhado, permitiu-se ir às televisões dizer que não tem cunhado nenhum, como pode provar. Pois claro: é divorciada oficialmente e não casou de novo com papel passado. Palavras para quê? Perverso foi o campeão de vendas lhe pôr uma foto com a seta para cima, para lhe enaltecer a coragem.

Um secretário de estado aconselha os jovens a emigrar. Esperava-se que a imprensa o desancasse e o primeiro-ministro o exonerasse. Qual quê? Exonerar como, se em seu apoio veio o chefe formal do desgoverno apoiá-lo, propondo que emigrem os professores?

Como o primeiro-ministro é de Angola, não lhe podemos dizer que emigre ele, pois no caso seria retornar e não emigrar. O rei de Espanha é que lhe podia repetir o que disse ao Chaves.

Já vimos que a política deste desgoverno é exaurir o país, conduzir os portugueses à indigência. Estou já à espera que venham mais ministros aconselhar a generalidade dos trabalhadores a emigrarem. Só não quero esperar é que fiquem por cá apenas os reformados, pois temo que a injecção atrás da orelha deixe de ser anedota para se tornar realidade.

O desgoverno reuniu informalmente (?), suponho que para preparar a Consoada.Desconhecia a possibilidade de um governo reunir apenas para conversar, como quem vai a uma tertúlia de café…

Ah!Mas combinaram tratar do desemprego e da economia, isto é, — no meu entendimento —, aumentar o primeiro e diminuir a segunda.

Não emigrem, não. Depois não se queixem.  

 

Abdul Cadre

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

O SADISMO COMO CORAGEM

Vendas Novas, 06 de Dezembro de 2011

NÃO SEI se têm reparado que os senhores procuradores gerais dos interesses alemães neste nosso desgovernado país em liquidação, que a si próprios se atribuem o título de ministros, andam agora no fantástico e despudorado faz de conta de nacionalismo despropositado, ostentando na lapela uma bandeira portuguesa. Ora, gente que passa o tempo a moer-nos o juízo com os grandes feitos das medidas simbólicas, pode usar símbolos à vontade na lapela que só convence quem quer andar convencido. Depois, que nacionalismo é esse de tais senhores – deve ter sido ordem do Relvas – que os leva a acabar com dois símbolos do mais alto significado nacional: a Restauração da Independência e a Implantação da República?

Também foi simbólico – embora nos escape de quê – terem acabado como os governadores civis!...

Igualmente simbólica era a atitude daquele cavalheiro que andava armado em distribuidor de pizzas, deslocando-se de vespa para o ministério, com o seu capacete à maneira. Mandou o símbolo às urtigas logo que chegou a bomba de estofos aveludados. É a vida, como diria o outro.

Entretanto, todos estes procuradores do nosso descontentamento gritam aos sete ventos a enorme coragem que têm por irem aos bolsos dos pobres e dos impotentes.

Coragem, ou sadismo?

Sadismo bem patente no esbulho do subsídio de Natal, quando, sem violar as ordens recebidas da comissão liquidatária que dá pela alcunha de troica, tinham folga suficiente para não cometerem mais esta iniquidade. Coragem seria meterem-se com os mais crescidos. Cá para mim, não o fazem porque receiam ser despedidos.

Neste momento, convém que se diga, para evitar confusões, que falei acima de nacionalismo para usar a nomenclatura mais em uso pelos saudosistas do pau nas costas. Eu defendo o patriotismo e repudio o nacionalismo. Qual a diferença? No nacionalismo diz-se: nós somos gente, quem não for como nós não é gente; no patriotismo diz-se: gostamos tanto do nosso sítio que adoramos mostrá-lo aos outros e recebê-los na nossa casa…

Os alemães, que são um conjunto de tribos guerreiras e rapaces, não são patriotas, são nacionalistas, estão apostados – como sempre estiveram ao longo da História – em submeter os vizinhos de toda a Europa aos seus interesses. Usam agora o Euro como há bem pouco tempo usaram os Panzerkampfwagen, isto é, as divisões Panzer.

ABDUL CADRE

In Jornal do Barreiro

terça-feira, 22 de novembro de 2011

MITOLOGIA PASSISTA EM CONSTRUÇÃO

Vendas Novas, 8 de Novembro de 2011

É bem possível que, espontânea ou combinadamente, esteja em construção uma mitologia passista. Perante o coro angelical de comentadores alinhados, observadores desocupados e politólogos encartados qualquer desprevenido suspeitará que ou há tramoia ou tendência para o pensamento único. Eu, que não me considero desprevenido, estou convencido que é uma coisa assim tipo toucinho entremeado, imprescindível no cozido à portuguesa.

Dado que essas luminárias – por serem-no – não podem ser tão pouco inteligentes que acreditem no que dizem, tem de perceber-se que o fazem (mentem) por alinhamento ou por um dever que consideram patriótico de construir uma mitologia que leve o povo a acreditar em gambozinos, se preciso for e agradar aos nossos colonizadores. Este é o respaldo para a delegação de poderes da França e da Alemanha que tem a aparência de governo da nação, quando não passa de uma comissão liquidatária.

Esta comissão – Relvas, Álvaro e Gaspar – é um triunvirato que nos desgoverna em nome da Europa troikista e que usa o nome do pupilo de Ângelo Correia como metonímia do pensamento que não tem nem precisa. A única ação própria e positiva que se lhe conhece prende-se com a imagem do putativo líder: escureceram-lhe o cabelo e apresentam-no agora bem penteado, pois o povo gosta de ver bem arranjadinhos aqueles que lhe vão ao bolso. Já era assim com o Sócrates, foi assim com o Cavaco e não poderia ser de outro jeito com o Passos,

Este nosso governo, amado masoquisticamente pelo povo, não tem qualquer empatia por esse mesmo povo. Para os novos estrangeirados que o compõem, é uma pena não se poder mudar de povo. Veja-se como sintomático o episódio da luminária escolhida pelo Relvas para as coisas da juventude e do desporto; o conselho aos jovens «confortavelmente» desempregados para que emigrem, uma espécie de versão moderna de se não têm pão comam brioches. Bem esteve Marcelo Rebelo de Sousa, ao pedir-lhe para dar o exemplo: sair do conforto do governo onde se aninha e emigrar.

Se quiséssemos fazer de conta que aquele que formalmente é o primeiro-ministro manda alguma coisa, podíamos arranjar uma sigla para o então quadrunvirato: PA de Passos + G de Gaspar + A de Álvaro + R de Relvas e teríamos PAGAR. Pagar o quê? A dívida externa contraída pelos Bancos (a maior fatia), pelas empresas e pelos governos, dívida que tem duplicado a cada dez anos, desde o 25 de Abril, a qual é impossível pagar, sobretudo porque durante o consolado cavaquista todo o tecido produtivo – pescas, metalomecânica, agricultura e marinha mercante – foi destruído por troca com os célebres fundos europeus. Isto é: a Europa – que o mesmo é dizer a França e a Alemanha – pagou para que nos tornássemos indigentes. Neste momento, sem precisar de pagar um cêntimo que seja – basta ajudar-nos com a corda do nosso enforcamento – ordena aos «bons alunos» que nos desgovernam que tosquiem o rebanho até à pele. Contentes por poderem obedecer, eles põem a PAGAR, não os Belmiros, Amorins e quejandos, mas aqueles que existem para que os tais quejandos existam, lucrem e gozem

UM COLAPSO INEVITÁVEL

Vendas Novas, 22 de Novembro de 2011

QUANDO aprendi Contabilidade, já lá vai mais de meio século, insistia-se na ideia de que a um débito corresponde igual valor de crédito, mas nos dias que correm parece que nos querem convencer de que os países não entram nesta lógica, que todos devem e que não há, se excetuarmos a China, nenhum que tenha a haver, o que é uma impossibilidade contabilística e aritmética. Assim, a coisa só passa como caricatura para a crise, caricatura que se reforça pelo constante esgrimir da grande ameaça que é essa espécie de espírito santo financeiro que dá pelo nome fantasmagórico de «os mercados». E já aprendemos com língua de palmo que não podemos nem devemos enervar os divinizados mercados. E o que são estes mercados, sucedâneos da crença em Deus? São o regresso daqueles que Jesus, segundo o que dizem os que creem nos Evangelhos, expulsou do Templo de Salomão, avisando que se os deixássemos regressar estaríamos perdidos. São meia dúzia de banqueiros chupistas que se abastecem nos bancos centrais a juro simbólico do dinheiro que vendem aos estados de forma onzenária. Aliás, emprestam mais de seis vezes o que vão buscar, pois criam eles próprios uma moeda virtual através dos truques do crédito, mediante aquilo que se usa chamar de moeda escritural. Um negócio das arábias!

No caso da EU a coisa tem as características do conto do vigário, mas em dimensões germano-mastodônticas. Na última década, a generalidade dos estados endividaram-se internamente em montantes colossais e os países periféricos – como é o nosso – encontram-se agora à beira do incumprimento perante o exterior.

A mensagem dos procuradores da especulação internacional e dos seus representantes em Portugal – os quatro Cavaleiros do Apocalipse (Relvas, Gaspar, Passos e Álvaro) – foi assimilada pela maioria dos portuguesas devido àquele gosto pelo sofrimento que enriquece o fado e empobrece a dignidade. Temos de sofrer e pronto. Ou prontos, como é mais vulgar dizer-se. O fado segue para património imaterial da humanidade para fazer simetria com a desmaterialização do conteúdo dos nossos bolsos. Há que empobrecer até ao nível do miserabilismo e só no fim saberemos quantos pobres foram necessários para a criação de novos ricos. Assustam-nos com a nossa saída do euro, mas o certo é que essa saída é inevitável, estamos apenas a adiar o momento. Nunca devíamos ter entrado – entrar foi um erro colossal – mas há que preparar uma saída o menos custosa possível, coisa que será bom para nós e para a Europa em que nos pendurámos como macaco à procura de banana.

Errámos, reconheçamos o erro, porque persistir no mesmo só pode ser estupidez ou masoquismo. Se não sairmos a bem e negociadamente sairemos a mal, seremos expulsos e o colapso será fatal como o destino.

Subscrevo na íntegra as teses do professor João Ferreira do Amaral que, para mal dos nossos pecados, é uma voz a clamar no deserto.

ABDUL CADRE

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

O PRINCÍPIO DA ERVA RASTEIRA

 

NO mundo globalizado e por inteiro sopram ventos de arrancar pela raiz tudo quanto parecia seguro, certo e conquistado. Não se querem árvores nem florestas, apenas erva rasteira.

Em Portugal, sob a batuta do antigo grande líder dos laranjinhas, foi montada a grande estratégia de sermos nós os primeiros a chegar ao fundo, de regredirmos até aos anos sessenta, de nos igualarmos aos chineses em horas de trabalho e tigelas de arroz. É a globalização baseada no princípio e nas virtudes da erva rasteira.

Falar em erva faz-nos lembrar os relvados dos campos de futebol. Também nos faz lembrar o Relvas e as suas ânsias, mas fica para outra ocasião; o futebol é menos azedo de tomar.

Os clubes de futebol têm claques e os partidos também. Nos partidos, as principais claques, em termos de chinfrim, inutilidade e grosseria, são as juventudes partidárias. Para mal dos nossos pecados, quer o desgoverno em exercício quer aquele que se encontra na reserva têm como comandantes, timoneiros ou lá o que seja antigos jotinhas dispostos a tentar submeter a realidade aos seus desejos inconsequentes, necessariamente às nossas custas.

Mas há outras claques. As mais perigosas são as que integram os que louvam o poder que está enquanto, saboreando croquetes, esperam e espreitam o poder que se avizinha. Afinal estes opinadores de circunstância não mudam, mesmo que tudo mude. A sua coerência reside em estar sempre do lado de quem manda ou se presume que vá mandar. Agem como domesticadores das massas insatisfeitas, para que estas se conformem e não façam ondas.

Há outras claques, que verdadeiramente não o são, e que se julga serem as mais perigosas: as dos conspiradores. Estes – conluiados ou não – inventam virtudes e defeitos àqueles que querem promover ou despromover. O maior êxito que se lhes conhece no nosso país foi a diabolização do grande culpado de todos os males do mundo, o mafarrico Sócrates que, tal como o outro Sócrates, foi obrigado democraticamente a beber a sua dose de cicuta.

Vendas Novas, 25 de Outubro de 2011

ABDUL CADRE

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

PROGNÓSTICOS SÓ NO FIM DO JOGO

 

Vendas Novas, 11 de Outubro de 2011

NA sequência do suicídio de Essenin, em sua homenagem, dizia Maiacovski num poema: «Nesta vida morrer é fácil/Construir a vida é muito difícil».

Essenin dissera nos seus últimos versos: «Nesta vida não é novidade morrer,/Mas também não é novidade viver».

Lembremos que também Maiacovski acabaria por suicidar-se.

Pelo meu lado e tanto quanto posso, o que eu gosto mesmo é de alimentar este conforto de pensar que tenho a liberdade de ir alinhando o destino ou, dito de outro modo, gosto de contribuir para o bom sucesso deste noivado do meu destino com a minha liberdade.

Não é o futuro que me guia, mas o prazer de sentir que o presente vem de muito longe e nos segreda constantemente ao ouvido que é um desperdício ficarmos sentados à espera dos acontecimentos. Quero acreditar que aquilo a que a maioria chama futuro é apenas o presente que não nos foi ainda dado presenciar; que não ocupámos ainda, razão pela qual nos não pertence. Aliás, se for sabedoria o que o povo diz, o futuro a Deus pertence.

Eu detestaria, mais do que se devo ou não levar chapéu-de-chuva, saber do dia de amanhã, mas tenho a condescendência possível — que não é muita — por quem se gaba de saber do nosso futuro pelo concerto e desconcerto dos astros. É que, quando folheamos os jornais, dizem-nos uns que já morremos, só que ninguém nos avisou, enquanto outros juram e rejuram que viveremos para além dos cem.

Há pior: há quem vá mais longe, tão longe que até profetiza, isto é, desata a vaticinar desgraças, castigos divinos, já se vê, e muita gente se assusta, se benze e se angustia. Bem ia Mark Twain com o pertinente chiste: «A profecia é um género muito difícil, sobretudo quando aplicado ao futuro».

Pois bem, o futuro — melhor seria dizer-se futuros — constrói-se a cada momento e qualquer projecção que se faça é apenas um cenário que pode ruir a todo o momento. Projectar futuros é como jogar no euromilhões, as probabilidades de acertar são equivalentes às de atirar uma moeda ao chão e ela ficar de pé. Todavia, por vezes fica.

Os piores profetas, vaticinadores ou o que se lhes queira chamar são esses senhores a quem chamam economistas e não passam de coveiros do mundo. As probabilidades de acertarem nas coisas em que os especializaram são muito inferiores à da moeda ficar de pé. Aliás, nunca se verificou da parte deles um só acerto que fosse. O que eles fazem com muita verve é discorrer sobre os desacertos. São eles os sacerdotes da crise.

Como eu aprecio aquele senhor que dizia: «prognósticos só no fim do jogo».

ABDUL CADRE

segunda-feira, 11 de julho de 2011

EU, IGNORANTE, ME CONFESSO

Vendas Novas, 11 de Julho de 2011

JÁ O DISSE por aqui,
talvez demasiadas vezes, que a verdade verdadinha é que não existe no mundo qualquer regime que se possa considerar completamente democrático. Veja-se por exemplo a igualdade de todos perante a lei: EU = a BELMIRO DE AZEVEDO; eu defendido por estagiário e ele por um batalhão de espertos e experientes causídicos. Nos regimes ditos democráticos até a designação de Estado de Direito deixa muito a desejar: os poderosos escrevem torto por linhas direitas.

É claro que os povos também não são muito exigentes e nem o espírito crítico merece muito cultivo. Tomam por democracia o direito ao voto e nem sequer se espantam — até aplaudem — que venham uns cavalheiros que ninguém conhece nem ninguém elegeu dar ordens aos eleitos e mandar às urtigas as instituições.

Mas, do mal o menos, a liberdade de expressão lá vai andando, malgrado os condicionalismos que a tornam inócua. De qualquer forma, é bom que nestes abençoados estados se vá podendo criticar os governantes sem ir bater com os costados na prisão. Aliás, os governantes costumam até encaixar com bastante fair
play o mal que deles se diga. É por isso, por exemplo, que ninguém espera, quando critica com toda a razão uma figura pública, ser taxado de ignorante, como foi o caso recente da reacção irritada do Presidente da República a quem lhe recordou que ainda há poucos meses dizia em público, como remoque a Sócrates, que não podíamos hostilizar as agências de notação e agora se atira a elas descobrindo-lhes os defeitos que elas sempre tiveram e ele nunca soube ou não quis ver.

Ora, os malvados da Moody's fizeram apenas o que é suposto fazerem, independentemente de quem «manda» (?) se chamar Sócrates ou Passos Coelho. O negócio deles são os números. E apenas usam as quatro operações aritméticas, especializados que estão em contas de sumir, como se dizia na minha escola de miúdo.

Ora, o Dr. Cavaco Silva, que constantemente nos lembra que quem percebe da poda é ele, não pode desconhecer que a Moody's não tem em boa conta as receitas nem do FMI nem dos necrófilos da desunião europeia. Sabem que Portugal não tem condições para pagar o que deve, não vai pagar o que deve e é um negócio do risco para os clientes desses notadores. Se Passos Coelho se tivesse lembrado de diminuir os salários da função pública, podia ser que a nota não baixasse muito, mas tirar duma assentada 600 milhões ao pequeno comércio é promover o desastre. Note-se que, se desengordasse o Estado, talvez a nota subisse. Mas não desengorda, tem vindo até a engordar. E a propósito, vai ou não construir cais para a acostagem dos submarinos do Dr. Portas por esse país fora? Quanto custa? Porque não vende os submarinos?

Ninguém
gosta que lhe chamem ignorante, mas há sempre gente que se senta em cadeira de espaldar alto e arenga às massas a sua sabedoria. É gente que não sabe que todos nós somos ignorantes em muitas coisas, porque isto de saber é como quem enche um balão, por muito ar que lhe insuflemos, do lado de fora haverá sempre mais. Por isso, dizia bem aquele sábio grego declarando: eu só sei que nada sei. Bom seria haver quem, por mais alto que fosse o espaldar da cadeira onde se sentasse, pudesse dizer sem fazer figas: eu nem isso sei.

Suspeito das linhas com que se cosem, mas não sei em que cadeiras se sentam aqueles cavalheiros vaidosos que, sem apresentarem as credenciais dos partidos que servem, andam por aí disfarçadamente no seu faz de conta, assim como quem atira pedras e esconde a mão; aqueles cavalheiros, quase sempre sem pernas, dependurados nas pantalhas, com legendas por baixo a dizer politólogo, comentador político e outras inexistências. Claro que não comentam coisa nenhuma, trazem recados dos seus partidos e pavoneiam-se com um saber imaginário que os incautos tomam por verdadeiro.

E assim vamos, de baraço ao pescoço, como se fossemos felizes porque o outro se foi e um tanto tristonhos porque Sebastião não veio.

Abdul Cadre

abdul.cadre@gmail.com

sábado, 25 de junho de 2011

LIBERDADE, DEMOCRACIA E MANIPULAÇÃO

Vendas Novas, 26 de Junho de 2011

NESTE momento em que os juros da dívida externa sobem em flecha, batendo todos os recordes, talvez porque os "mercados" ainda não repararam que Sócrates, o pai de todos os males já não está no governo desta malfadada colónia europeia, a imprensa que temos — que não é má, é péssima — não dá por isso, não dá por nada, satisfeita como estará por se sentir como há muito não se sentia: o tal poder de que habitualmente se gaba e que na realidade não é nem tem, pois não vai além de câmara de eco do que é bom que se diga. Os meios de comunicação, que venho há muito chamando de excitação social, de modo algum cumprem o papel facilitador do entendimento geral do mundo e da sociedade; tornaram-se agentes com agenda própria dos poderes fácticos do mundo, agentes da reprodução do "pensamento que deve ser" para que nada mude na essência e tudo se agite em aparências.

A manipulação do sentir comum das massas tem aspectos de autêntica coação. Sobre este tipo de coação, há bastantes anos o professor Agostinho da Silva escreveu o seguinte: «…dados os meios psicológicos e materiais de que hoje se dispõe, a propaganda é de facto uma coação; e a pior das coações, porque é uma coação que se disfarça».

A coação disfarçada dos meios de excitação social saiu-se bem, mesmo muito bem na conspiração geral — eventualmente espontânea e de modo nenhum organizada (?) — contra o anterior executivo da nossa colónia, que foi sem dúvida um governo medíocre e sem chama. Resultado: excitação -1, bom senso - 0.

Neste momento, por má consciência, por incompetência congénita, jeito para carregar andores ou seja lá pelo que for, a apatia e o acriticismo instalaram-se de tal modo nos media que o modo de produção comunicacional parece ter entrado de férias, ao arrepio dos conselhos contra a crise. Talvez seja por isso que tendo nós um governo eleito e em funções formais que até agora não avançou com quaisquer medidas de governação — tem apresentado não-medidas avulsas para ouvir o povo e os media a dizerem: boa bola! — o silêncio atribuível ao tal e costumeiro estado de graça é mais profundo que o de convento em contemplação.

Talvez tudo isto faça parte da nossa decadência dentro da decadência mais geral da Europa e do mundo. Já nem sequer nos podem (nem querem) alimentar a esperança no progresso e na liberdade. Agora matraqueiam-nos o bichinho do ouvido com a crise, impõem-nos austeridade e pedem-nos contenção, isto é, em linguagem popular, que amochemos.

Por mais que a decadência europeia desta Europa que vai de S. Francisco a Vladivostoque se queira mascarar de progresso, a «crise» puxa-lhe a manta, deixando-lhe o traseiro à mostra; se por pudor de conveniência o tapa, os pés ficam-lhe de fora e, quando vier o Inverno, o resfriado será tão fatal quanto a morte. A manta é curta, o frio será muito e no mercado há falta de lenha para nos aquecermos.

Confundiu-se ontem e confunde-se hoje mais do que nunca liberdade, que é uma condição indispensável à dignidade humana com a liberdade de fazer dinheiro, que é a sua degenerescência. Com a primeira, as sociedades e os indivíduos desenvolvem-se e realizam-se; com a segunda, enriquece uma minoria ao preço do empobrecimento generalizado das massas e da corrosão do carácter de ricos e pobres.


Abdul Cadre

abdul.cadre@gmail.com


 

segunda-feira, 13 de junho de 2011

SUFRÁGIOS DE OCASIÃO


 

Vendas Novas, 13 de Junho de 2011

QUANDO o marçano estava de abalada, dizia-lhe o Evaristo, seu patrão: «'pere aí, não vai nada, vai é casar com a minha filha, q'é p'r'os outros não se ficarem a rir».

Eis o velho estilo, eis o grande estilo, que esta é a nossa mais empedernida maneira de ser. Não íamos deixar de fora a Política. Ou íamos?

Em plena noite de eleições, lá estavam alguns comentadores encartados a dizer um tanto a medo que Passos Coelho ganhara só um bocadinho, porque no mais tinha sido o Sócrates a perder. Concordo. Bem dizia a Dr.ª Ferreira Leite: quero lá saber quem é que vai ser o próximo primeiro-ministro, o que eu quero é correr com o Sócrates. Este, como toda a gente sabe, secou os desertos, matou o Menino Jesus e levou à ruína a Islândia, a Irlanda, a Grécia, a Espanha, a Itália, a Bélgica e outros que adiante se verão.

Com o que eu não concordo é com os 38,63% de votos naquele que leva a taça, pois que na verdade teve apenas — dos eleitores inscritos — 22,75%. O resto, é má aritmética. Dito de outro modo, só um em cada cinco portugueses é que estava cheiinho de raiva contra o Sócrates; os outros, ou tinham uma raiva pequenina ou gostavam mesmo do homem.

Mas isto tudo, afinal, não interessa nada. O que interessa é que o ponto central da questão é este: era preciso votar em Passos Coelho para o Sócrates não se ficar a rir. De qualquer forma, toda a gente sabe (e quem não sabe suspeita) que tanto faz este como aquele — que nada mandam e apenas obedecem — para que a troikitada nos doa a valer. A troika não pode falhar, tem de dar-nos forte e feio.

Os portugueses bem sabem — não tenho bem a certeza se posso falar em nome dos portugueses — que qualquer aplicabilidade executiva que venha se diferencia apenas como naquele assalto em que o bandido perguntava à senhora a quem ia roubar os brincos: «quer com dor ou sem dor». Como sabem, com dor, vai um pedaço da orelha atrás.

Entretanto — e eu vou aproveitar a promoção — o Belmiro de Azevedo, apoiante interessado e interesseiro de Passos Coelho, para combater a dívida externa, lança a sua campanha de Verão do «wortem» sempre: «compre tudo a um euro por dia, sem juros. Aí, os chineses desatam a rir às gargalhadas, mas mais ri ainda o Pinto Balsemão, na perspectiva de finalmente se acabar com a RTP para que as receitas da publicidade, essa gordura perversa do estado, reverta para quem merece. Tão contente anda e tão atarefado fica a fazer contas aos ganhos esperados que nem tempo teve para ir à reunião deste ano dos bons rapazes do Bilderberg. A fazer fé no Correio da Manhã de 10 do corrente, mandou como seu representante junto daquela prestimosa instituição o conselheiro económico do Dr. Passos Coelho, o Dr. Nogueira Leite

Ai, ai, a nós só nos resta seguir os conselhos do Sr. Presidente da República e regressar aos campos, à lavoura, ser frugais e exemplares. Não sei se isto vai implicar trabalhar de sol a sol, mas cá por mim espero que chova muito, e como não uso brinco, não espero que me digam: quer com dor ou quer sem dor?

Pelo sim pelo não, vou tratar de vender os anéis.

In Jornal do Barreiro

Abdul Cadre

PS

A reunião deste ano do clube de Bilderberg teve lugar na Suíça, em Saint-Moritz, no Kempinski Grand Hotel des Bains, entre os dias 9 e 12 de Junho.


 



 

quinta-feira, 2 de junho de 2011

PARA ESCONJURAR O MEDO


 


 

Unindo e, simultaneamente, dividindo os povos da Terra, muitas e diversificadas são as culturas, mas apesar de algumas serem tão diferentes que se chega a pensar serem inconciliáveis, há algo de comum a todos os homens e a todas as mulheres, qualquer que seja a cultura em que se insiram: o desejo profundo de amarem e serem amados.

É esta a raiz da nossa humanidade e é por ela que nos tornamos iguais, saciados e compassivos. Teremos muitas outras características e atributos comuns, que certamente definirão a nossa espécie por exemplo, o medo , mas que todavia não nos distinguirão tanto quanto se julgue dos animais que nos são próximos.

Descobrir isto na escola da vida, se mais ganho nos não der, dá-nos pelo menos serenidade, pacifica-nos por dentro, faz-nos desejar um mundo materialmente próspero, socialmente justo, humanamente digno; um mundo onde reconheçamos no outro a nossa própria humanidade. Não o conseguimos ainda, mas afinal é isto precisamente que procuramos há milhares de anos. Não o conseguimos porque nos metemos por caminhos e veredas que nos desviaram do destino. Por isso, desembarcámos neste mundo organizado por poucos e para poucos, permitido pela apatia e rendição generalizada, justificado e prometido como sendo para o bem de todos. E este «melhor dos mundos» em que nos desumanizamos quotidianamente não nos deixa ser quem somos, impele-nos ao desejo, não de amar e ser amados, mas de consumir e de lucrar. Trata-se de uma doença grave, de um cancro espiritual: consumir cada vez mais, lucrar cada vez mais, usar o prazer até à anestesia dos sentidos e exaltar os sentidos até à anulação do sentimento. Que lástima!

Há quem queira explicar tudo isto com a globalização, usando para tal aquele dialecto sombrio e alienante a que alguns chamam de «economês». Tudo é subsumido à economia e os dogmas desta astrologia sem astros substituíram os dogmas religiosos do passado. Agora há só uma religião, que é o mercado, e maldito seja quem dela não for crente. Há até quem ache que tudo estaria luminoso e ungido não fora a crise. Crise? Qual crise? Aquilo a que chamam crise é um processo de obtenção de lucro como qualquer outro. Como qualquer outro, não, porque este radica numa voragem financeira nunca antes vista. Aliás, só haverá crise se a galinha dos ovos de oiro, de tão depenada e espremida, morrer de exaustão. Aí, nem com uma canjinha podemos contar.

Embora verdadeiramente ninguém nos persiga, corremos de um lado para o outro como se fugíssemos. Ou será que é o tempo que nos foge?

No nosso morrer de cada minuto, alienamos doze ou mais horas por dia em tarefas que apenas visam a remuneração que nos permita pagar contas e contas e contas, numa rotina robótica que nos corrói a própria natureza e deixa a alma exangue.

O uso da violência nos meios de «excitação social» que são os media, medido pelo share e justificado pelo lucro sempre o lucro! embota-nos a sensibilidade, aliena-nos a compaixão. Já não somos capazes de sentir como nossas as dores alheias. Entre a crueldade e a apatia agiganta-se a nossa sombra. Não nos indignamos nem pomos objecções a que os nossos líderes promovam guerras para o saque dos recursos alheios. Sabemos que isso é errado, mas pode ser que ajude a pagar as nossas contas. Depois, sossegamos a nossa consciência com o que de conveniência se justifique; os milhares de mortos e estropiados são apenas danos colaterais, gente que estava no lugar errado do tempo certo.

Sentimo-nos em desconforto, mas o medo pode ainda muito. Medo de que tudo piore, medo de qualquer mudança, medo de que doa, medo do amanhã, medo do de aqui a instantes. Medo do medo.

Por mais que saibamos que não há dragões, o medo de dragões é sempre verdadeiro, não nos deixa caminhar, ata-nos ao chão.


 

ABDUL CADRE


 


 

terça-feira, 31 de maio de 2011

TÃO ENGRAÇADOS, TÃO SEM CUIDADOS!

Portimão, 30 de Maio de 2011


 

QUANDO, através das organizações anómalas a que chamam os seus sindicatos, juízes e procuradores falam, eu fico, via de regra, com pele de galinha; já quando quem bota discurso é o bastonário da AO, via de regra também, eu faço que sim com a cabeça…

Mas eis que, após os tristes incidentes juvenis que chocaram muita gente e fizeram regozijar os meios de excitação social, o Dr. Marinho Pinto, talvez contaminado pelo espírito da campanha que anda por aí, se dependura das pantalhas cheiinho de pena dos delinquentes e sem pena nenhuma das vítimas. Que exagero, Sr. Bastonário. Que deslocada, tanta verborreia na defesa dos pobres e desvalidos de que a justiça não cuida, passando ao lado de que tanto os agressores quanto as vítimas eram igualmente pobres e suburbanos.

Compreendo o ponto de vista de que crimes bem mais graves não têm merecido da justiça a severidade agora usada, mas não o apostrofar sobre as decisões, eventualmente exageradas, tomadas pelo juiz Alexandre. É evidente que se quis criar um caso exemplar e usar a justiça como pedagogia. Assim sendo, bato palmas. Terá sido forçada a letra da lei? Talvez, mas bato palmas da mesma maneira.

É preciso pôr cobro à cultura de irresponsabilidade e impunidade que se instalou entre os jovens, promovida por uma psicologia imaginada por tontos, permitida pela lei do menor esforço, pela apatia e até pela demissão dos papás e mamãs ocupados com tudo excepto com a formação moral e cívica dos seus rebentos. É toda uma lógica dos meninos tão engraçados a quem fazem os ninhos sem mais cuidados. É pensar-se que os meninos — tudo o que é pequenino é engraçado — nascem santos e sábios, não precisam de ser formados e educados.

Toda uma psicologia da treta e crenças e apatias de conveniência geram uma multidão de pequenos tiranos que medem o bem e o mal pela qualidade do telemóvel que os progenitores têm a obrigação de lhes comprar, para poderem tratar dos imensos e urgentes assuntos que têm de tratar, como insultarem-se uns aos outros por SMS. Veja-se que uma das operadoras de telemóveis usou uma campanha publicitária em que pedia aos jovens tão engraçados que usam os ninhos tão descuidados que aproveitassem a promoção de insultos prontas a usar.

Papás, psicólogos, pedagogos e autoridades: por favor, tratem das pessoas que existem, não das que imaginam ou aprenderam em sebentas escritas por ignorantes diplomados. Não se iludam com fantasias tipo crianças índigo, ou em anjinhos acabadinhos de cair do céu. Todos nascemos com um conjunto de características. A umas chamamos qualidades e a outras chamamos defeitos. Cabe sobretudo aos pais enaltecer o que considerem bom e corrigir o que considerem mau, lembrando-se que os seus filhos não são coisas suas, são seres que precisam de amor (não de auto-satisfação) — amor inteligente e não lamechas — e de socialização.

Lembrando Kalil Gibran — cito de cor — os vossos filhos não são verdadeiramente vossos filhos, são filhos da ânsia da vida por si mesma.

In Jornal do Barreiro

Rubrica «Tudo Isto é Fado»


 

ABDUL CADRE


 

domingo, 15 de maio de 2011

UMA CAMPANHA TRISTE

                    

Vendas Novas, 16 de Maio de 2011


 

VAMOS LÁ IMAGINAR: O Dr. Cavaco, que bem sabemos ser um homem não só previdente, mas sobretudo providencial, alguém que, segundo as suas próprias palavras, nunca tem dúvidas e raramente se engana, não confiando no jovem bon vivant que por má conjunção dos astros se colocou à frente do Paz Pão Povo e Liberdade, chamou um seu ex-ministro daquele tempo em que se cobria o país de cimento e de alcatrão, se inventava uma nova classe para a lavoura — os desagricultores — e se acabava com as pescas, a marinha mercante e a metalomecânica e disse-lhe: companheiro Eduardo, encarrego-te de uma missão patriótica e muito melindrosa, segura o meu pupilo, vigia-o bem. Eu quero-o em primeiro-ministro, não porque confie nele, mas porque não gosto do outro, que até me dá arrepios. O Pacheco Pereira, que a seguir a mim é o homem mais inteligente do País, até diz que ele é da Transilvânia e eu começo a acreditar que sim.

Previdente e providencial, o que ele não esperava, apesar de não estar como o comum dos mortais sujeito à dúvida e ao desengano, é que o professor Catroga andasse tão acelerado que só umas merecidas férias no Brasil afastassem o perigo de afundamento iminente do porta-aviões que está já todo esburacado, não pelo fogo do inimigo, mas pelo fogo amigo.

Pior, muito pior do que a aceleração, foi a erupção dum insuspeitado lado negro que faz do palavrão arma de arremesso e do insulto estilo.

E todos esperavam, na boa-fé com que ouviram as mais solenes juras de falar verdade, porque mentir só os outros é que mentem, que o ilustre vigilante do jovem inexperiente que quer chegar ao pote fosse o representante no nosso país, autêntico e verdadeiro, dessa mesma verdade; uma verdade em flor no seio dos políticos a quem o povo chama de mentirosos, que desilusão! Quem o viu no programa da D. Fátima a chamar mentiroso a quem lhe disse que ele tinha escrito o que realmente escreveu e que ele, em nome da sua tese de falar verdade, negou, negando-se, abriu a boca de espanto e murmurou: o homem passou-se.

Sócrates deve ter nascido de cara para a Lua e, se calhar, o Pacheco Pereira tem razão. O que é certo é que não precisa de fazer nada para ganhar o próximo concurso eleitoral, todos os concorrentes trabalham a seu favor. Até o Louçã. Viram aquele triste episódio da carta jurada e afirmada, apesar de inexistente, ratificada e rectificada depois com a desculpa esfarrapada do Fazenda? Dizia o homem: sim, é o memorando, mas isto é conhecido internacionalmente como carta de garantia!

Pois é, vale tudo, provavelmente tirar olhos até.

O que é normal nos países sufragistas como o nosso é que os governos se desgastem e dêem lugar aos que se irão desgastar a seguir. Portugal é diferente. Aqui, quem se desgasta são aqueles que têm mais olhos do que barriga, os que — usando o barbarismo de Passos Coelho — correm ávidos para o «pote» e em vez de darem tiros para o ar em sinal de alegria, como se usa no Próximo Oriente, disparam para o chão e acertam nos próprios pés.

Amigo Paulo Borges, conte com o meu voto, eu vou votar no seu Partido dos Amigos dos Animais.


 

ABDUL CADRE

segunda-feira, 2 de maio de 2011

OS DEMÓNIOS QUE INVARIAVELMENTE DESCONHECEMOS

Vendas Novas, 2 de Maio de 2011

PACHECO PEREIRA publicou, no último Sábado, no jornal do Eng.º Belmiro, uma crónica hiperbólica, tipo conto gótico, intitulada O DEMÓNIO QUE NÓS CONHECEMOS, referindo (e confiando na nossa inteligência) aquilo que ele entende ser o demónio da Transilvânia a quem o povo chama «o Socras» e o criador do «flop» Passos Coelho nomeia por Eng.º. Pinto de Sousa.

Tenho para mim que o intelectual deste país que os laranjas mais odeiam se passou de vez, seja por sequelas do seu ódio de estimação ao Primeiro-ministro demissionário, seja por ver fugir mais um sufrágio que o recompensaria do desaire de há dois anos. Já não bastava andar a todo o momento a chamar à sua assombração «o homem mais perigoso do País», acrescenta agora o grande medo de ser um Drácula e, mais do que isso, um demónio, se não mesmo o próprio Satanás em corpo de gente.

Bem avisado deve andar o General Eanes que, na sua última entrevista televisiva, criticava o fenómeno de moda de diabolizar o Primeiro-ministro, coisa que dá muito jeito a estagiário que sonha ser aplaudido na redacção.
A linhas tantas da sua crónica desabitual, Pacheco Pereira afiança que metade dos portugueses odeia José Sócrates e que a outra metade lhe tem um medo que se péla. Coisas do cinema a preto e branco e dos filmes de cowboys, já se vê, e que não deixa muito espaço para mais tarde explicar a previsível vitória eleitoral do engenheiro que é José, como Pacheco o é também.  Mas quem tenha noções de Programação Neurolinguística pode traduzir-lhe assim o entendimento: eu sou odiado por metade dos laranjas e a outra metade, para não se assustar com a minha inteligência, usa-me para amedrontar o inimigo.

Há truques da psicologia prática que são muito úteis. Por exemplo: não se deve confiar na sinceridade de que afirma a tordo e a direito que é muito sincero; quem o é não dá por isso. Depois, diz a sabedoria popular que elogio em boca própria é vitupério, o que pode ser visto do avesso ou por diversos prismas, mormente para perceber que o que mais nos atormente é o que mais nos vem à boca, tal fora um refluxo gástrico.

O ódio não é bom conselheiro, cega toda a inteligência. Aliás, pela própria etimologia, ódio ou aversão é não querer ver. E bem se sabe que o pior cego é aquele que não quer ver.
Os demónios que nos atormentem nós os desconhecemos, porque se os conhecêssemos desvanecer-se-iam. No entanto, ter demónios pode até ser uma coisa boa, se lutarem entre si; mal é haver um que se agiganta e toma conta de nós. Ficamos possessos.
                                                                               ABDUL CADRE



 

DE MASSAMÁ, COM S. BENTO CADA VEZ MAIS LONGE

Vendas Novas, 18 de Abril de 2011
            NO SEU JEITO hiper-realista menor de olhar para as coisas e ver o seu contrário, sem nunca perceber que em política o que parece é, Felícia Cabrita fez-nos saber, pelo seu romance cor-de-rosa a que chama biografia, que Passos Coelho é um “homem invulgar” a merecer bem a alcunha de Obama de Massamá. Ora, seria realmente invulgar se o verdadeiro Obama gostasse que lhe chamassem o Passos Coelho de Chicago.
Os homens invulgares sabem rodear-se de gente alta e espadaúda em termos intelectuais, está bem de ver e não de equipas «porreirinhas» para jogar à bisca lambida. Eu sei que o baronato do partido não se quer comprometer com desastres financeiros e deselegâncias políticas, mas quando a gente olha para os cabeças de listas laranjas, se tirarmos o Amorim e o Viegas, aquilo é de uma tristeza confrangedora; os ditos cujos são cerejas de enfeitar bolo ruim, todavia sem que se exclua a inexorabilidade do Princípio de Peter. No caso do homem do «directo ao assunto sem cê», suspeito que o principal critério da escolha «a abertura à sociedade civil» é conversa da treta terá sido, palpita-me, o seu ódio irredutível ao Sócrates. Curioso: ele que sempre perorou contra o Engenheiro, chamando-lhe mentiroso programa sim, programa sim, não se sabe como se estará a dar com a ultrapassagem efectuada por Passos Coelho que, em menos de um ano, já deu o dito por não dito mais vezes do que o Sócrates em seis anos.
Mas o mais interessante de se constatar e de saber é que a invulgaridade do biografado (?) da Felícia torna o nosso país, não invulgar, mas único. Partindo para eleições de favas contadas, à beira da maioria absoluta, à medida que foi abrindo a boca sem entrar mosca, foi descendo nas sondagens; tanto que está hoje em empate técnico com o grande inimigo. Em nenhum outro país do mundo isto seria possível: um governo de flagrante inépcia a enfrentar a crise internacional, que tem ido aos bolsos de quem não pode fugir de forma nunca vista, com um primeiro-ministro constantemente vilipendiado nos meios de comunicação social e com o sindicalismo partidário de juízes e procuradores a ajudar à festa, consegue subir nas sondagens e, por incrível que pudesse parecer, encaminha-se para uma previsível vitória eleitoral.
Ó Felícia, trata mas é de refazer o romance, biografia ou lá que é essa coisa que escreveste!
Pois. E temos aquele grande feito (que é mais um desfeito), isto é, desfez-se o mito da independência etérea dos que navegam acima dos vulgares mortais. Refiro-me a Fernando Nobre, que suspeito esteja possuído pelo demónio do bem. Lamento que tenha lançado às urtigas o prestígio granjeado com a sua AMI. Percebe-se agora claramente como a vaidade destrói as pessoas. Ai! E até me arrepiei quando o ouvi dizer à Fátima Campos Ferreira que tem uma missão a cumprir. Que perigo, termos uma missão a cumprir e não sermos o Cristo, por mais que nos queiramos santos. É que missão até o Pol Pot tinha, para mal dos pecados dos cambojanos.
De qualquer forma, é preciso muito cuidado, porque os Cristos acabam crucificados. Os outros, não. Os outros crucificam os desprevenidos e enganam os que têm a necessidade imperiosa de ser enganados. 

                                                                                       ABDUL CADRE     

segunda-feira, 4 de abril de 2011

A DÍVIDA INTERNA DO NOSSO ABASTARDAMENTO

Vendas Novas, 4 de Abril de 2011

SEMPRE tive – e de certo que o defeito é meu – dificuldade em entender como podem dizer-se coisas tão absurdas como «pode mudar-se de carro, de mulher e até de nacionalidade, mas não se muda de clube»

Ora, Mário Soares costuma dizer que só os burros é que não mudam. Será por isso que não se muda de clube?

Os craques futebolísticos, que de burro têm pouco, quando chegam da América do Sul, dizem sempre ser do clube que os contrata desde pequeninos e partem invariavelmente para as europas mais bem pagantes logo que surgem as ridentes oportunidades de acréscimos de euros. «Yo non soy tonto», dizem eles então. E dizem bem. Mal, ficam os fiéis na esclerose que os toma (parece que sem cura, pelo que afirmam).

Numa campanha eleitoral de um certo clube – chamemos-lhe de Miau – dizia o candidato que se tornaria presidente: «sabem como vivemos lá em casa o nosso Miau?» Depois de uns segundos de suspense concluiu: «como uma seita». Ora aí está!

Uma figura pública foi ainda mais longe, declarando: «nunca tive por nenhum dos meus maridos o amor que tenho pelo Miau».

O fenómeno clubístico em Portugal (e também nos outros países que sofreram ditaduras prolongadas) é, no mínimo, esquizóide; não se gosta do clube da terra, gosta-se do clube que tenha características imperiais, num desejo doentio de que todos os outros sejam exterminados. Sequelas, sequelas...

Quando, no princípio dos anos oitenta, Desmond Morris, o celebrado autor de «O Macaco Nu», publicou «A Tribo do Futebol», a inocência que ainda nos restava não nos permitiu sequer um sorriso benevolente, pois há muito, especialmente nos meios «do contra», se criticava a coisa. No tempo da outra senhora versejava-se: «Fátima, Fados e Bola são a única distracção dum povo que pede esmola».

Entretanto, o Fado aperaltou-se, despiu-se de desgraças, saiu das tabernas e atirou-se ao mundo com vontade de crescer e amealhar; Fátima esmoreceu e toda a religiosidade e sofrimento se transferiram para o fundamentalismo das tribos aguerridas que se esgatanham e sangram nos ofícios religiosos das suas catedrais ruidosas e assustadoras, instigadas pelos inquisidores e sacerdotes de serviço.

Quando vejo os guerreiros ululantes destas tribos de primitivos actuais com as suas achas de guerra e os seus slogans injuriosos, todo eu me arrepio.

Em termos de ódio irredutível à diferença e de desejo incontido de anular o outro, é mais compreensível – embora igualmente inaceitável – o da Al-Qaeda do que aquele que é exprimido pelas tribos cavernícolas dessa coisa a que chamam desporto-rei, mas que de desporto pouco tem e, de realeza, só as coroas que embolsam craques, penduras e aves de agoiro.

E tivemos de pagar helicópteros e batalhões armados até aos dentes, para evitar que a Líbia se instalasse em Lisboa!

A dívida externa sobe, o deficit das contas públicas apodrece, mas as tribos são indiferentes a tais somenos: espumam de raiva e arrogância entre berros, ameaças e agressões, permitindo-se algumas das suas tropas de choque – oficialmente diz-se claques! – ostentar símbolos e cores nazistas,

Entre os berros – e quem não berra não é dos nossos – o palavrão democratizou-se de tal forma que quem com olhos de etólogo olhasse de fora diria que finalmente se atingira a igualitarização de doutores, engenheiros e trolhas como se toda a vida se desenrolasse numa imensa taberna.


 

Abdul Cadre

abdul.cadre@gmail.com

A publicar a 8 do corrente no Jornal do Barreiro

sexta-feira, 25 de março de 2011

A GRANDE CORRIDA AO POTE

Vendas Novas, 21 de Março de 2011

PASSOS COELHO, que não é seguro que venha a ser o substituto de Sócrates, é um fulaninho inovador, vendo que tacho era palavra demasiado gasta e plebeia para designar a ocupação do poder, introduziu o provincianíssimo pote, mas, por precaução franciscana, disse à Judite de Sousa que não tinha pressa de se lambuzar. O lambuzar, acrescento eu, no pressuposto de que o pote é de mel por dentro e de barro por fora. De modo nenhum me ocorreria que o pote entrasse neste contexto na acepção mais popular, até porque já se não usa. Nem que fosse de azeitonas, por causa do cheiro desagradável que exala. Ainda pensei no pote das migas, mas isso não é um pote, é um prato, ficando portanto aquém do tacho. Mas deixemo-nos de semânticas.
Sócrates — o homem sabe-a toda! — convencido que a grande aliança entre a Lapa e Belém será inevitável e que a desaprovação do próximo OE ditaria o seu afastamento do pote em condições favoráveis ao PSD, usando a política como quem joga xadrez — deve ter aprendido com o Vítor Constâncio — aplicou um gambito tão bem engendrado que o introdutor do pote teve de tomar (ou comer) a peça do lúdico ardil. É que a coisa era (e é) assim nos cantares do Ney Matogrosso: se ficar, o bicho come; se fugir, o bicho pega. Dito de outra maneira: Se Passos Coelho cai no laço do PEC4, os barões do seu partido apeiam-no do assento etéreo onde se pendurou; se não cai, se não viabiliza, fica com o odioso do mel do pote se entornar, o que só é bom para as moscas e as formigas, mas de qualquer modo favorável aos intentos socráticos, pois ninguém se admiraria com a eventualidade do PS suceder ao PS na mesmíssima condição minoritária. E, se outro fosse o cenário, nada mais se imagina do que ser o PSD a ficar com a colher do mel na mão, mas sem se poder lambuzar à vontade, ou seja, a ingovernabilidade continuaria…
Fica a dúvida: será que o pote aguenta tantos safanões e piparotes na tampa?
Será que ainda há mel no pote?

Publicado em 25 de Março de 2011 no Jornal do Barreiro

                                                    ABDUL CADRE

domingo, 27 de fevereiro de 2011

VIOLINOS E PALRAÇÃO

Vendas Novas, 27 de Fevereiro de 2011

SE FOSSE coisa de esfolar o Sócrates, vinha pespegado num dado tablóide, sendo de armar à inefabilidade dos valores «éticos» de ostentar na lapela, já se sabe que outro é o jornal que se usa para dedurar, conspirar e ver os cavalinhos de borla.

Sócrates que me desculpe o meu excesso de intimidade de dizer «o Sócrates, mas é que eu não quero ficar atrás em má-criação daquele senhor das mercearias internacionais que, do alto dos seus milhões, diz o mesmo e ainda de pior maneira.

Mas adiante. Tenho e não escondo uma certa alergia a fardas, polícias e afins, todavia, não sei, não faço a mínima ideia de como é que se pode gerir um caso tão anormal quanto o daquele ser «angélico» que o editorialista de o «Público» entende, sem pestanejar e sem a mais pequena sombra de dúvida, ter sido humilhado e ofendido. Aliás, o título do editorial é «Um castigo cruel e inadmissível», e toda a prosa está cheia daquelas coisinhas que ficam sempre bem quando a nossa alma voga diáfana acima das contingências do mundo.

Alguém que, tendo quase dois metros e cento e cinquenta quilos de peso, considerado psiquicamente são pelos psiquiatras, defeca no chão da sua cela, se unta com as próprias fezes e escreve com as mesmas, nas paredes, frases obscenas que assina com o pseudónimo literário de Animal; alguém que ameaça fisicamente os carcereiros e agride enfermeiros, guardas prisionais, e até quem lhe leva as refeições, com as referidas fezes; alguém que não limpa a porcaria que faz e empesta o corredor das celas com um cheiro absolutamente insuportável, tão insuportável que os outros presos entram em greve de fome, como protesto; alguém que, condenado por vários e graves crimes, tem sido transferido de presídio em presídio por este tipo de comportamento, terá realmente sido humilhado ou anda a humilhar quem o atura?

As almas diáfanas e virginais chamam-lhe vítima, os moradores do Linhó, para onde foi transferido agora, chamam-lhe herói, os guardas prisionais chamam-lhe problema, os burocratas, uma carga de trabalho.

Os confidentes que receberam o vídeo apostam numa espécie de Abu Ghraib saloio. Era tão bom, não era?

Escamoteiam que as filmagens não foram feitas à sorrelfa, foram-no de acordo com os regulamentos, quando é preciso usar procedimentos excepcionais, mormente violentos. A violência, nos estados de direito, tem as formas, a exclusividade e os agentes devidamente definidos. As pessoas de bem aceitam isto. A lei não deve permitir que se vá além disto ou que a violência não sirva o bem comum e se torne consequência de maus fígados.

De qualquer forma, o que sobra é que ninguém disse e ninguém nos quer dizer como se pode resolver o problema do herói conspurcador sem pôr em lágrimas as almas virginais.


Abdul Cadre

abdul.cadre@gmail.com

É UMA COISA GENÉTICA

Vendas Novas, 14 de Fevereiro de 2011

PAÍS curioso e único, este nosso. Eu sei, eu sei que todos os países são únicos, mas o nosso é muito mais único, só é pena não ser o melhor do mundo, como o Mourinho, por exemplo. E sermos capazes de falar como ele. Já viram aquele anúncio a um banco, em que ele diz: «eu não sou o melhor, só que não há ninguém melhor do que eu»?

Estou a citar de memória, pelo que a frase pode ser ligeiramente diferente, que não o sentido.

A nossa peculiaridade é tão grande que até temos uma coisa absolutamente única no mundo, estradas ditas SCUT – sem custo para o utilizador – em que as portagens são pagas, inclusive, por antecipação.

Um empresário tenta comprar um vereador e é absolvido; o vereador é condenado e o seu advogado, que é também seu irmão, está em risco de ir à barra, não como causídico, mas como réu.

Esta gente não aprende que as denúncias têm de ser anónimas, como no tempo da Inquisição, como no tempo da PIDE. Pois. É que a Procuradoria não deita para o lixo as cartas anónimas, manda investigar, desde que seja coisa que, levada aos tablóides, possa deliciar os gulosos que dessas iguarias se alimentam.

Sabem que há uma linha aberta para denunciarmos o nosso vizinho que comprou um carro novo melhor do que o nosso?

E também há, num diário de grande tiragem, uma petição em curso para criminalizar o enriquecimento ilícito, já assinada inclusive por juristas e outras pessoas de que se esperaria maior bom senso.

Ó, meus amigos, então se algo é ilícito, não está já criminalizado?

Eu sei que esta tontice pode ser justificada por alguns como uma forma de contornar aquela coisa da inversão do ónus da prova, mas para mim não passa do exercício corrente da demagogia mais primária. É para agradar ao poviléu, para armar aos cágados, para inglês ver.

Por falar em demagogia, e da barata, surge-nos aquela ideia bizarra do BE que, para se antecipar ao PCP, se lembra de lançar uma moção de censura a prazo, que se justificará pelo combate aos «banqueiros chupistas» e ao governo do Sócrates, mas que, bem vistas as coisas, vai beneficiar esses mesmos chupistas, que aproveitarão a presumida instabilidade consequente para acrescentar uns pós aos juros cobrados, tal como será um presente inesperado ao governo em exercício, como havemos de ver.

Mas, suponhamos que o PSD votava a moção, o governo caia e tínhamos eleições – que é do que o país mais precisa neste momento! – resultando tudo na vitória do Coelho, não o da Madeira, mas o Passos.

Teríamos então que o combate às «políticas de direita» entronizavam um partido (ou dois) ainda mais à direita para fazer maldades ao povo e beneficiar os tais banqueiros chupistas. A seguir, talvez pegasse a ideia duma revisão constitucional que diminuísse o tal mínimo de 180 deputados para 150 ou 120 e deixaríamos de ter na Assembleia representantes dos partidos que combatem os «banqueiros chupistas».

Somos ou não peculiares, únicos, incríveis?


 


Abdul Cadre

abdul.cadre@gmail.com

domingo, 6 de fevereiro de 2011

PROVINCIANISMOS DEMOCRÁTICOS

Vendas Novas, 05 de Fevereiro de 2011

PODEM achar que é exagero da minha parte, mas estou em crer que só poderíamos esperar bondade da democracia sufragista se, mantendo o direito de votar ou não votar, fosse obrigatória a inscrição nos partidos políticos. Isto é, todos os cidadãos, no momento de votar, teriam de apresentar comprovativo de filiação partidária; de cartão de eleitor é que não precisariam. Além disto, os partidos reservar-se-iam o poder de não passar cartão aos militantes indolentes e inactivos; sem esse comprovativo, nem sequer a carta de condução poderia ser tirada e os impostos seriam calculados em dobro. Os apartidários tampouco teriam direito a vacinas gratuitas, descontos, promoções e outras complicações.

Então não andam sempre a dizer lá do alto, os que estão no alto e têm direito a dizer, que é nos partidos que está o cerne da democracia? Então que seja!

E sabem que mais? Tenho cá para mim que em boa verdade não há apartidários, ou dito de outro modo: um apartidário é um partidário que tem vergonha de ser partidário.

Com a minha proposta, acabava aquela boca foleira dos ociosos palradores que bolçam a torto e a direito «o que eles querem é poleiro». Desta forma, ou faziam parte do galinheiro e estavam caladinhos ou não faziam e por isso, não tendo nada a ver com o assunto, estavam caladinhos da mesma maneira.

Já viram o procedimento comum do português típico? Senta-se negligentemente na esplanada a beber a sua bejeca, comentando com ar superior: «a malta não quer é trabalhar». E espreguiça-se. Quando entra na política é mais acintoso ainda: «Quem? Os políticos? São todos uma cambada de ladrões. Com o meu voto não vão eles para lá

Sendo os típicos muitos e estando a multiplicar-se perigosamente, não há que nos admirarmos de as sondagens dizerem que no tempo da outra senhora se vivia melhor. Aliás, palpita-me que a maioria dos respondentes não viveu nesse tempo que desconhece mas louva. É cá um feeling...

Entretanto, apareceram aí uns maduros a convocar o botabaixismo de base a pronunciar-se sobre a diminuição do número de deputados na AR. Fantástico. E atiram-nos com sondagens à cara que dizem que 97% dos portugueses estão de acordo. Dos portugueses ou dos portugueses que responderam? É que não é a mesma coisa. A mim não me perguntaram nada e se me tivessem perguntado mandava o perguntador dar banho ao cágado. Se calhar, gente que vota no PCP e no BE também disse que sim, sem perceber que os seus partidos seriam varridos da Assembleia, a qual ficaria entregue ao Centralão PS/PSD.

Eis uma expedita forma democrática de corromper a democracia.

ABDUL CADRE

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

ENVIESAMENTOS DE BASE

Vendas Novas, 24 de Janeiro de 2011

SÓCRATES está de parabéns! O candidato que mais lhe convinha e sempre lhe conveio, aquele que é, digamos assim, o seu abono de família, ganhou folgadamente e sem espinhas o concurso dos presidenciáveis.

As hostes cavaquistas estão em festa como se tivessem acabado de assistir aos Globos de Oiro. Cavaco, nem por isso, não pelos motivos aduzidos pelo Defensor, mas porque vai ter contrariedades de que pode suspeitar, mas cuja amplitude não imagina nem quer imaginar. Tem experiência de em tempos ter sido estrugido em lume brando, enquanto primeiro-ministro, mas não sabe ainda como se frita um presidente, se com azeite de oliva, se com margarina com sabor a manteiga. Sabem que há margarina com sabor a manteiga, não sabem? Pois. E também há estradas sem custos para os utilizadores onde os utilizadores pagam e não bufam.

Cavaco levou então o globo de oiro e não lhe faltou sequer o seu Ricky Gervais, que no seu caso particular dava pelo nome de José Manuel Coelho, um dos poucos madeirenses que não tem o apelido Jardim ou Ramos. A imprensa espanhola, por causa da carreta em que se deslocava, chamou-lhe o «enterrador», mas na verdade não almejou levar a velório o proprietário da «Gaivota Azul», que é como quem diz a uma segunda volta.

Por falta de segunda volta, não está Alegre de parabéns, e eu também não, que votei nele, embora convicto de que nem um milagre levaria a tal. Alegre não quis perceber que a soma algébrica de PS com BE não dá mais, dá menos; que um número significativo de bloquistas votava no Fernando Nobre e que uma razoável percentagem de apoiantes da mãozinha fechada estava com Cavaco. Pelos meus cálculos, estes serão, na receita cavaquista, cerca de 9 ou 10%.

No entanto, devo esclarecer que fui votar mais para não fazer parte da maioria que é esse partido pegajoso e azedo que dá pelo nome de abstenção do que por outra qualquer razão. Nunca faço parte de maiorias, seja das que ganham, seja das que perdem. As maiorias só por mero acaso coincidem com a verdade, com a razão e com a justiça. As maiorias cospem para o chão; só uma minoria o não faz. A maioria dos proprietários dos cães que estrumam os passeios da cidade riem-se daquela extremamente pequena minoria que apanha os dejectos, porque a nossa cidadania é assim e já se sabe que as coisas são assim quando não podem ser assado. Cavaco ganhou porque não podia deixar de ganhar e o povo português continuará assim, porque não pode ficar de outro jeito. É a vida.

ABDUL CADRE

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

ESPELHO MEU, ESPELHO MEU...

Vendas Novas, 7 de Janeiro de 2011

COMPARAR o incomparável é coisa fácil para qualquer funambolista e só os distraídos não se apercebem que os chamados meios de comunicação social, a que eu costumo chamar de excitação social, foram ocupados por artistas destes. Artistas de circo. É por isso que se dedicam exclusivamente às artes malabares, mesmo que muita gente se engane, pensando que se trata de jornalismo ou coisa assim.

Eu sei que os presidenciáveis não ajudam muito, mas a forma como esta gente montou um circo de ruído e cuspo que transforma a campanha eleitoral em curso numa feira de Carcavelos que cobre todo o país e justifica da pior maneira os inteligentes que comparam a venda de um texto literário, por três centenas de contos, com negócios pouco iluminados de milhares de contos, entre amigos íntimos e companheiros de partido, é uma lástima.

Falo de contos porque resolvi preparar-me para o advento da antiga moeda a que o previsível colapso do euro nos irá obrigar. Não se fala disto nas presidenciais, pois não?

Eu não sei se o homem que os meios de excitação social colocaram no assento etéreo que mais ninguém alcança é sério ou não é sério. Não o conheço nem de ginjeira e, pelo que se escreve nos jornais e pelo que se debita nas pantalhas televisivas, nem eu nem os mais alguma vez saberemos. Então, só nos resta a crença e os fiéis irão sombriamente colocar os papelinhos da ilusão democrática na boca das urnas, maioritariamente e como se prevê no homem que lá no alto se assenta e sentir-se-ão sacerdotes duma eucaristia profana. A extrema-unção ainda se não prevê, mesmo que haja gafanhotos e bolo-rei no preâmbulo do plebiscito.

Não está nos meus planos ir à missa, nem nos meus hábitos pôr o sapatinho na chaminé. Por vezes encontro-me a pensar que burro velho não aprende línguas, mas há dias vi-me a pensar o contrário. Dizia a minha neta de cinco anos: sabes? O Pai Natal não existe, é apenas um homem com umas barbas postiças, dentro de um fato de pai natal.

sábado, 1 de janeiro de 2011

DESSACRALIZAÇÕES

Vendas Novas, 02 de Janeiro de 2011

quem pense – julgue que erradamente – que o homem deste tempo que passa e a sua contra-civilização são materialistas, o que pressupõe que materialismo seja o contrário de espiritualismo, mas pode bem ser que estes dois conceitos não sejam assim tão antinómicos como se acredita. Quem sabe se não se trata apenas de ângulos visão a merecerem que se pergunte: que tem de mal a matéria? Que há de bom no espírito que a ela não convenha? Não será o espírito a essência da matéria e esta a cristalização daquele?

Bom, mas ao que queríamos chegar é que ao homem actual talvez fosse mais acertado chamar de desmaterialista, ou vê-lo como um rei Midas do avesso que transforma em lixo tudo aquilo em que toca...

Este homem é um anjo terrível, um anjo de destruição, mas nada nos assegura que haja um outro melhor do que ele. Entendido assim, podemos dizer que, muito à sua maneira, é sagrado, por mais que o vejamos enjeitar qualquer noção de sagrado e rir-se de tudo o que lhe cheire a mistério, educado que tem vindo a ser para o cientismo das explicações úteis. É por isto que para ele só é digno de atenção o que seja útil, o que renda e o que dê prazer. Se alguma coisa o consome anímica e intelectualmente é a febre do Ter. O desdém com que olha qualquer apelo do Ser é a prova provada da sua missão angelical para a hora que passa.

Para esta contra-civilização que a tantos incomoda e muito poucos ousam rejeitar, podíamos encontrar uma consigna: consome, cala e mantém-te saciado que nem bichinho doméstico. E apontar-lhe até uma divindade regente: a deusa Kali, do panteão hindu.Kali

De qualquer forma, é mais do que legítimo o receio de que esta nossa civilização (?) se afogue no próprio lixo que produz.

Lixo material, por um lado, mas sobretudo lixo mental e moral, porque o mau cheiro do primeiro não deixa disposição para outra coisa...

ABDUL CADRE