segunda-feira, 27 de janeiro de 2020
DO DESCRÉDITO
sábado, 25 de janeiro de 2020
DA FRADULÊNCIA COMO ARTE, DA DECADÊNCIA COMO ESTADO DE ESPÍRITO
sexta-feira, 24 de janeiro de 2020
NÃO QUERO ANTOLHOS
Dizia eu que em muitos campos, seja na arte, na política, na caça aos gambozinos, a crença a poluir o conhecimento é o pão nosso de cada dia.
Vejamos na Arte. Marcel Duchamp, artista plástico Dadá, em 1912 submeteu ao Salão dos Independentes de Paris, que era dominado pelos cubistas, uma sua pintura intitulada «Nu Descendo uma Escada – 2». Os organizadores, entendendo que a obra não se enquadrava no cubismo, pediram-lhe para retirar o quadro, o que naturalmente muito o incomodou. Como a vingança se serve fria, em 1917, em Nova Iorque, vingou-se. Depois de um almoço bem regado, na companhia dos seus amigos Joseph Stella (pintor americano) e do coleccionador Walter Arensberg, deslocou-se a uma empresa de produtos para canalizações e lavabos, de nome JL Mott Iron Works e comprou um urinol. Levou-o para o estúdio e apôs-lhe uma assinatura: «R. Mutt 1917».
Bom, aquela assinatura não era muito imaginativa, derivava do próprio nome da empresa fornecedora: Mutt veio de Mott Works, e isso mesmo disse mais tarde o “artista”, quando desfez o mistério do pseudónimo…
Resumindo: o urinol. baptizado de Fonte, foi apresentado como arte na exposição desse ano da Associação dos Artistas Independentes de Nova Iorque, e ninguém duvidou que aquilo fosse arte. É como por cá, com a Joana Vasoncelos, que também faz disto, mas em maior, usando ferros de engomar, tachos e preservativos.
Saibamos então que a Fonte, que segundo o seu autor visava desmistificar a arte moderna, depressa mereceu os maiores encómios dos críticos, alguns, mais atrevidos e relaxados, chamaram-lhe a maior obra de arte do século 20.
Dirão agora muitos dos meus amigos: que horror! Como é possível?
E eu pergunto: como é possível tomar a Bíblia como um livro de História, chamar mãe de Deus à presumida mãe de Jesus (que nem sequer sabemos se teve existência real), propagandear curas quânticas, vender gato por lebre?
A crença é para a mente um veneno terrível
O agente Mulder tinha na janela do seu apartamento um cartaz que dizia: «quero acreditar».
A CRENÇA E OS ANTOLHOS
Distinga-se a crença que leva à cegueira e à submissão aos redis das igrejas da crença que leva à confiança, seja por motivos de boa consciência e urbana convivência, seja por necessidades e utilidades várias infundidas pelo viver em sociedade. Por exemplo: uma nota de vinte euros vale o que vale apenas porque se confia que valha, porque perdida a confiança entra em processo venezuelano de desconfiança.
Mas o que importa dizer-se é que a crença, nos crentes, funciona como os antolhos nos animais que puxam à nora.
Não vale a pena, perante os crentes, apelar ao uso da razão, porque esta se encontra numa licença sem vencimento indiferente a quaisquer invocações, o que o crente tem sempre ligado em alta voltagem é a emoção.
Por vezes, usando-se da mais inteligente e subtil criatividade, visando desarmar irracionalidades doentias, o tiro sai pela culatra, os crentes logo se agarram ao que se lhes nega, dando a volta ao texto. É o caso, por exemplo, do famoso paradoxo do gato de Schrödinger. Schrödinger, um pertinente crítico dos limites da Mecânica Quântica, criou esse paradoxo para demonstrar a não universalidade da teoria, para a remeter ao seu estrito lugar na Física Teórica, que é a do mundo subatómico, pois já no seu tempo tudo se queria subsumir àquela novidade teórica, inaplicável fora do seu campo exclusivo, e que nasceu devido a uma enorme insuficiência investigativa, que era não existirem, e não existirem ainda, instrumentos capazes de entrar no infinitamente pequeno. Ora, como quem não tem cão caça de gato, a forma consagrada de penetrar esse mundo por processos criativos mentais foi a solução; criaram-se, desenvolveram-se e testaram-se modelos teóricos. Teóricos. É por isso que a Mecânica Quântica só pode ser encarada como teoria, é um ramo da chamada Física Teórica.
Todavia, os crentes no nome, que não no conceito, esgrimem o termo quanta a propósito de tudo e a propósito de nada. É assim que há crentes que se permitem apelar aos crédulos que se inscrevam nos seus milagrosos cursos de cura quântica e idiotices similares. Vigarices, diria eu. Cura quântica seria, obviamente, algo baseado no princípio da incerteza, isto é, o paciente tanto se podia curar como não se curar, tal como o gato de Schrödinger tanto podia estar vivo como morto.
Mas em outros campos, seja na arte, na política, na caça aos gambozinos, a crença a poluir o conhecimento é o pão nosso de cada dia.
quarta-feira, 22 de janeiro de 2020
O SUICÍDIO RECOMENDA-SE, QUANDO É BOM
Será que os religiosos que incensa a Greta das Meias Altas não têm momentos de dúvida? Não se interrogam, por exemplo, por que carga de água a santa da sua devoção foi convidada pelos poderosos para discursar em Davos? Será que os poderosos são tão masoquistas que gostam de apanhar tautau em público? Talvez penitência, não?
Ontem descobri um grande segredo, que se fosse crente não poderia ter descoberto: A Greta das Meias Altas foi levada a Davos para que o Trump, por contraste, parecesse ali um arauto do bom senso e da inteligência.
Ela, ontem, ultrapassou todas as marcas do suportável.
Dizia a profetiza dos cretinos dos últimos dias: «temos de acabar com os combustíveis fósseis, não em 2050, mas já, imediatamente, a Terra está a arder.» Que susto!
Imediatamente? Já? Mas como?
Ela não tem culpa, quem a usa, sim. Têm culpa os seus fabricantes e os seus promotores, exímios em manipular os meios de comunicação, para que os crentes se multipliquem. Têm culpa os fundamentalistas verdes e têm culpa os que no mundo têm poder e jogam forte no desvio de atenções do racional para o emotivo, sabendo bem que as modas são efémeras, e que é uma questão de tempo para a descredibilização da estrela mediática do susto de conveniência. Vigora aqui aquele princípio industrial da obsolescência..
Ontem, Greta cometeu um suicídio parecido com o da Joacine. É assim, quando as ideias não são ideias, mas apenas vapores do umbigo para uso mediático, morrem no mediático.
Paz à alma das defuntas, mas não subvalorizemos as mórbidas tendências para o culto dos defuntos, porque o Livro dos Mortos vende-se muito.
sexta-feira, 17 de janeiro de 2020
A IMPOSSIBILIDADE DE SER CONSERVADOR
Seja da lata, seja da sardinha, a grande verdade é que nada se conserva, porque a lei do mundo é mudança.
Dirá o conservador que sabe perfeitamente que tudo muda, mas o que ele quer é que seja como diz o alentejano: devagar, devagarinho e parado. Tudo sossegadamente e sem dor, que é o que se pede ao dentista.
No Ocidente, querem os conservadores que a tradição – nome que dão ao que querem conservar – tem como matriz o cristianismo, o que significa que não perceberam, ou não querem perceber, ou percebendo escondem, para que não se fale nisso, que o cristianismo foi uma revolução, e revolução é algo de maldito no discurso conservador. Escamoteia-se também que todas as instituições que juram querer conservar se implantaram por revolução – A Revolução Francesa – onde tanta gente perdeu a cabeça (em sentido próprio), até um Monsieur Guillotin, que era médico em Lyon, e muitos confundem com Monsieur Joseph-Ignace Guillotin, também médico, mas em Paris, proponente da famosa máquina de cortar cabeças, que ficou com o seu nome, mas não cortou a sua preciosa cabecinha pensadora.
Pessoa, que foi o exemplo concreto do conservadorismo inglês, dizia que uma revolução é «um modo violento de deixar tudo na mesma».
Acho que se enganou: quem perde a cabeça já não a recupera.
QUERES SER TIDO POR BOM? MORRE OU EMBARCA.
O medo da morte faz-nos reverentes perante os que se vão, condescendentes até com os seus pecados, mesmo que sejam grandes. Nada como morrer para nos carregarem de virtudes, reais ou imaginárias, que, grosso modo, poucos haviam dito a quem os ouvisse, e a nós ainda menos, por mais gulosos que fôssemos de ouvido. É bem certo o dichote popular: morre ou embarca.
De certo modo, isto poderia aplicar-se ao novo santo descoberto pela direita, encomiado pelo pasquim digital Observador, órgão oficial dos ressabiados e dos órfãos de memórias putrefactas daqueles tempos em que só a noite havia.
Estou a referir-me ao recentemente falecido santo lorde Roger Vernon Scruton, dito conservador por si próprio e por muitos, mas o grosso dos que o louvam, enfiam nesse epíteto toda uma panóplia de demagogos de todos os matizes e de reaccionários ao progresso das ideias e das vivências. Coisas deste tempo que apodrece, deste tempo do pós-verdade.
Não gosto do Scruton filósofo. E não é, que fique claro, por ser um dos apoiantes do Brexit, que até pode muito bem ser uma bela ideia, o futuro o dirá, mas porque o seu pensamento social e político é, a meu ver, simplesmente detestável.
A principal característica de Scruton é ser reivindicadamente anti-humanista, deixando bem claro pela sua pena «que o conservantismo é um fenómeno […], uma reacção às vastas mudanças desencadeadas pela Reforma e pelo Iluminismo». O conservantismo não tem de ser exactamente isto, mas é assim que ele o entende. É bom que se tenha em atenção que Scruton, apesar de inglês, mal-grado também o seu antieuropeísmo, nunca foi um conservador à inglesa, tê-lo-ia sido à europeia.
Qual a diferenças?
À inglesa é-se fleumaticamente céptico, formalista e snob, sobranceiramente tolerante e mansamente tradicionalista; à europeia, direitista militante, intolerante, obscurantista, agressivo e arrogante. É mais nisto do que naquilo que se enquadra Scruton, com o seu sexismo, o seu anti-integracionismo, repúdio do multiculturalismo, o seu antifeminismo, a sua xenofobia. E é bom que se acrescente a sua militância máxima, que por sinal lhe terá sido deveras materialmente lucrativa quando conspirou a favor dos interesses britânicos e americanos para lá da cortina de ferro, entre 1979 e 1989. Movimentando largos fundos, ocupou-se em estabelecer centros clandestinos, com a capa de culturais, visando desestabilizar os países de Leste. Em 1985, chegou a ser detido na Checoslováquia, acabando expulso.
É destas coisas e não de outras que vem o apreço da direita a esta figura, não dos seus escritos, que os mais retrógrados nem sequer leram.
Após a hecatombe dos países de Leste, as novas repúblicas souberam reconhecer-lhe o empenho, A República Checa condecorou-o e o Ministério Polaco da Cultura atribuiu-lhe uma medalha de ouro.
Até ao momento, que se saiba, não foi canonizado.
quarta-feira, 15 de janeiro de 2020
A LATA E A SARDINHA
Hoje em dia, quando alguém esgrime aquela trilogia estafada do Deus, Pátria e Família, ou a versão tropical resumida de Brasil acima de tudo e Deus acima de todos, dizem os condescendentes que se trata de conservadorismo, ou conservantismo, na linguagem própria de ser original, e ser original é ser infiel ao próprio conservantismo. Bom, mas o que interessa é sabermos o somenos do conceito. O termo usa-se – ou antes, usava-se – para descrever posições político-filosóficas alinhadas com o tradicionalismo e a transformação gradual dos costumes e da sociedade, em contraposição a mudanças radicais ou abruptas, v.g. todo o radicalismo, toda a ideia revolucionária e sobretudo qualquer revolução. Para um conservador, o indivíduo só existe integrado numa sociedade e numa tradição.
A darmos como bom este conceito, o regime dos aiatolas é conservador, e o regime do esquartejador implacável da Arábia Saudita também. Então, os conservadores propalados pelos papagaios comentaristas e os que como tal se reivindicam, que fiquem na companhia que lhes é própria.
Quando me falam de conservadores, lembro-me sempre de Agostinho da Silva, que usava dizer que há dois tipos de conservadores, os que conservam a lata e os que preservam a sardinha.
De repente, morre um filósofo conservador de latas – Roger Vernon Scruton – e a direita mais retrógrada desata num louvor desatinado: ai que morreu um dos nossos, que era tão bom rapaz. Dos plumitivos da nossa praça, o Observador, como era de esperar, encabeçou as exéquias.
Dos muitos que o louvaram, quantos leram o que quer que fosse que o homem tenha escrito?
Talvez a louvor de alguns seja apenas de ocasião e tarefa encomendada. Uma das coisas que mais notei foi o alinhamento com uma imprecisão que, por menor que se diga, mostra que apenas houve dever de ofício. Dizem os vários textos que li que Scruton escreveu cerca de trinta livros. Errado: serão talvez mais do dobro. Trinta são os de filosofia, há que juntar-lhes o romance, a poesia, os libretos de ópera e as peças de teatro.
As ideias sociais e políticas de Scruton dão-me náuseas. Não lhe conheço a música, nem a poesia, nem a ficção. Devo confessar que do dito cujo só li dois livros: “Como ser um Conservador”, e daqui a náusea, e “Beleza”, um belíssimo ensaio sobre a Arte.
A direita mais radical gosta do Scruton porquê?
Porque é assumidamente xenófobo, anti-integracionista, anti pluriculturalista, antifeminista, anti-UE, apoiante do Brexit. Considera que civilizados, verdadeiramente civilizados são apenas os herdeiros da common-law, isto é, ingleses e americanos. Os mais serão índios, certamente.
É contra todo e qualquer imigrante e radicalmente contra quem não seja cristão. Saiba-se que ele é um membro proeminente da Igreja Anglicana. Considera todos aqueles que não pensem como ele como ignorantes. Por isso diz bacoradas destas: «a posição (dos conservadores) é enfadonha, a dos seus oponentes é excitante, mas falsa» … […] «…todo o mundo é de direita nos assuntos que conhece».