segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

DO DESCRÉDITO

Faz parte da lógica deste tempo que vivemos e que apodrece que coisas criadas com razões para se prestigiarem depressam sigam esse apodrecimento geral, seja na arte, na cultura, na política, na economia, e mesmo em institutos tão basilares da sociedade quanto a família.
É por isso que a comunicação social é o que é e a contracultura comunicacional é ainda pior. Neste campo, as chamadas redes sociais, que melhor seria chamar-lhes anti-sociais, pese embora o seu aspecto caótico, são instrumento eficaz para a normalização dos povos pelo mais baixo possível. Este envilecimento dos costumes, do conhecimento e da dignidade comportamental faz-se, sobretudo, pelo apelo aos instintos primários e pela ridicularização da inteligência. Por exemplo, ser etiquetado de intelectual é desprestigiante, ser honrado é ser idiota, dizer que algo visto na NET é falso, está errado ou é estúpido, é termos a mania. Queres saber mais do que a NET? Perguntam os ignorantes cibernéticos.
Da corrosão de certas instituições, seja da ONU, seja das academias, seja dos comités Nobel, e outras antes prestigiadas organizações muitos terão dificuldade em admitir, darão o benefício da dúvida. É difícil olharmos para o Nobel da Paz, por exemplo, e dizermos que as suas escolhas são isentas, mas os mais críticos não têm dúvidas em afirmá-lo. Talvez a maioria das pessoas para quem o nome Gandi tem o significado de paz, de pacifismo, de não violência não saiba que o nome de Gandi foi proposto cinco vezes para o Nobel da Paz e todas as cinco vezes foi recusado. Quem é que já reparou que dos cerca de 200 premiados – 89 homens e 16 mulheres – 22 são dos USA e 10 do Reino Unido?
O primeiro premiado com o Nobel da Paz foi o fundador da Cruz Vermelha e longe de mim pôr em causa tal reconhecimento. Já premiar Menachem Begin (1978), que pertenceu à organização terrorista Irgun, que chefiava quando o grupo realizou o célebre ataque ao Hotel King David, em Jerusalém, em que morreram 91 pessoas, dá vómitos. Ou não dá?
Mas este não é o único patife louvado, tem lá mais na lista. Por exemplo: Kissinger, uma das figuras mais tenebrosas do século XX, o protótipo do conspirador amoral, responsável pela subida ao poder de Pol Pot e protector do seu regime enquanto isso serviu os interesses americanos; protector, também, do regime de Suharto, que levou a cabo um dos grandes genocídios do século passado, a quase extinção da população chinesa da Indonésia, foram assassinadas 500 mil pessoas; a luz verde à ocupação de Timor, a organização do golpe de Pinochet , etc., etc.
Recentemente, um desses tratantes premiados, a inqualificável Aung San Suuky, dirigente de Myanmar, fazia sair da sua conspurcada boca o que lhe ia na alma apodrecida: que os refugiados rohingya exageravam a dimensão dos abusos que sofriam. Hitler, se fosse vivo, diria o mesmo dos judeus.
O que tem acontecido aos rohingya? Bem, um terço deles nada diz, porque foi exterminado, outro terço fugiu para o Bangladesh, onde o destino é aterrador, o outro terço sobrevive à beira do extermínio. O que fazem os “pacíficos” budistas de Myanmar aos rohingya? Despojam-nos de tudo, violam homens, mulheres e crianças, queimam aldeias inteiras com os habitantes lá dentro. Um terror digno das piores atrocidades medievais
Também há prémios simplesmente ridículos, como a União Europeia e, em 1947, os Quaker americanos e os Quaker britânicos. Não riam, porque em 1979, cedendo a pressões do Vaticano, premiaram o demónio do bem, a fanática e sadomasoquista conhecida como Madre Teresa de Calcutá. Segundo uma médica que trabalhou para a sua seita intitulada Missionários da Caridade, a santinha de pau carunchoso anulava as prescrições de analgésicos porque os doentes precisavam de sofrer e de rezar para ganhar o céu, não de medicamentos para tirar as dores. Este foi o principal motivo da médica deixar de prestar serviço à seita.
A “santinha” fazia relatórios para o Vaticano de autopromoção, com o número estratosférico das conversões conseguidas. Hindus, muçulmanos e budistas, estando moribundos, levavam uns pingos de água benta e ficavam católicos.
Em Nova Iorque, tendo a sua seita sido gratificada com um hospital, as autoridades não permitiram o seu funcionamento. O hospital ficava num sétimo andar e chefe da seita não permitia o uso de elevadores, porque os doentes deviam ir a pé, como peregrinos. Além disso, não permitia enfermeiras, porque ninguém melhor do que as irmãs sabia dar carinho a doentinhos.
Não fiquem desiludidos, para que tal não aconteça, nunca se iludam. E fiquem certos, é mais fácil controlar o coronavírus do que os vapores da decadência moral das nossas sociedades.   

sábado, 25 de janeiro de 2020

DA FRADULÊNCIA COMO ARTE, DA DECADÊNCIA COMO ESTADO DE ESPÍRITO

Michael Craig-Martin é um irlandês espertalhão que é na arte das pseudo-esculturas normais o que a Joana Vasconceles é nas descomunais; se tivesse optado pela literatura-lixo, poderia facilmente fazer de Dan Brown, ultrapassando-o, um escritor que passaria por decente e sério. Os textos com que faz acompanhar as suas pseudo-esculturas são de ir às lágrimas.
A mais famosa – se assim se pode dizer – das suas obradas é uma aberração que tem por título O CARVALHO, que foi exposta pela primeira vez em Londres, em 1974.
Nós, simples mortais sem sensibilidade para “aldrabices admiráveis”, olhamos a coisa e não conseguimos ver mais do que lá está, um copo de vidro com água até dois terços sobre uma prateleira de vidro, vulgar em muitas casas de banho de gente comum. O autor justifica o título com um diálogo imaginário que acompanha a idiotice que, para não nos alongarmos, deixamos um resumo: A peça chama-se assim porque «porque eu fiz foi transformar um copo de água em um carvalho sem alterar os acidentes do copo de água… … cor, sensação, peso, tamanho … … não é um símbolo, eu mudei a substância física do copo de água para a do carvalho .. .. eu não alterei a aparência. Mas não é um copo de água, é um carvalho… Não é mais um copo de água. Eu alterei a sua substância… Podem chamar-lhe de qualquer coisa, mas isso não altera o facto de que seja um carvalho»
Não, o homem não foi internado, foi louvado, é até Sir.
São os artistas, mesmo que o não sejam, mesmo que sejam uma fraude, ou precisamente por isto, as primeiras testemunhas do tempo, seja quando apodrece, seja quando floresce. Os sinais mais fortes da decadência da arte quando o tempo apodrece, em simetria com a decadência geral da sociedade, não vêm todavia dos artistas, vêm da sua aceitação pelo público e do louvor dos especialistas entronizados que promovem lixo a coisa de comer e chorar por mais.
Podemos rir por haver quem chame arte a uma banana colada na parede. Podemos. Os macacos também riem, quando lhes dão bananas, mas não as colam na parede.
Mas o nosso destino não é a macacada. Ou é?





PS
As imagens foram obtidas na Wikipédia











sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

NÃO QUERO ANTOLHOS

Dizia eu que em muitos campos, seja na arte, na política, na caça aos gambozinos, a crença a poluir o conhecimento é o pão nosso de cada dia.

Vejamos na Arte. Marcel Duchamp, artista plástico Dadá, em 1912 submeteu ao Salão dos Independentes de Paris, que era dominado pelos cubistas, uma sua pintura intitulada «Nu Descendo uma Escada – 2». Os organizadores, entendendo que a obra não se enquadrava no cubismo, pediram-lhe para retirar o quadro, o que naturalmente muito o incomodou. Como a vingança se serve fria, em 1917, em Nova Iorque, vingou-se. Depois de um almoço bem regado, na companhia dos seus amigos Joseph Stella (pintor americano) e do coleccionador Walter Arensberg, deslocou-se a uma empresa de produtos para canalizações e lavabos, de nome JL Mott Iron Works e comprou um urinol. Levou-o para o estúdio e apôs-lhe uma assinatura: «R. Mutt 1917».

Bom, aquela assinatura não era muito imaginativa, derivava do próprio nome da empresa fornecedora: Mutt veio de Mott Works, e isso mesmo disse mais tarde o “artista”, quando desfez o mistério do pseudónimo…

Resumindo: o urinol. baptizado de Fonte, foi apresentado como arte na exposição desse ano da Associação dos Artistas Independentes de Nova Iorque, e ninguém duvidou que aquilo fosse arte. É como por cá, com a Joana Vasoncelos, que também faz disto, mas em maior, usando ferros de engomar, tachos e preservativos.

Saibamos então que a Fonte, que segundo o seu autor visava desmistificar a arte moderna, depressa mereceu os maiores encómios dos críticos, alguns, mais atrevidos e relaxados, chamaram-lhe a maior obra de arte do século 20.

Dirão agora muitos dos meus amigos: que horror! Como é possível?

E eu pergunto: como é possível tomar a Bíblia como um livro de História, chamar mãe de Deus à presumida mãe de Jesus (que nem sequer sabemos se teve existência real), propagandear curas quânticas, vender gato por lebre?

A crença é para a mente um veneno terrível

O agente Mulder tinha na janela do seu apartamento um cartaz que dizia: «quero acreditar».

A CRENÇA E OS ANTOLHOS

Distinga-se a crença que leva à cegueira e à submissão aos redis das igrejas da crença que leva à confiança, seja por motivos de boa consciência e urbana convivência, seja por necessidades e utilidades várias infundidas pelo viver em sociedade. Por exemplo: uma nota de vinte euros vale o que vale apenas porque se confia que valha, porque perdida a confiança entra em processo venezuelano de desconfiança.

Mas o que importa dizer-se é que a crença, nos crentes, funciona como os antolhos nos animais que puxam à nora.

Não vale a pena, perante os crentes, apelar ao uso da razão, porque esta se encontra numa licença sem vencimento indiferente a quaisquer invocações, o que o crente tem sempre ligado em alta voltagem é a emoção.

Por vezes, usando-se da mais inteligente e subtil criatividade, visando desarmar irracionalidades doentias, o tiro sai pela culatra, os crentes logo se agarram ao que se lhes nega, dando a volta ao texto. É o caso, por exemplo, do famoso paradoxo do gato de Schrödinger. Schrödinger, um pertinente crítico dos limites da Mecânica Quântica, criou esse paradoxo para demonstrar a não universalidade da teoria, para a remeter ao seu estrito lugar na Física Teórica, que é a do mundo subatómico, pois já no seu tempo tudo se queria subsumir àquela novidade teórica, inaplicável fora do seu campo exclusivo, e que nasceu devido a uma enorme insuficiência investigativa, que era não existirem, e não existirem ainda, instrumentos capazes de entrar no infinitamente pequeno. Ora, como quem não tem cão caça de gato, a forma consagrada de penetrar esse mundo por processos criativos mentais foi a solução; criaram-se, desenvolveram-se e testaram-se modelos teóricos. Teóricos. É por isso que a Mecânica Quântica só pode ser encarada como teoria, é um ramo da chamada Física Teórica.

Todavia, os crentes no nome, que não no conceito, esgrimem o termo quanta a propósito de tudo e a propósito de nada. É assim que há crentes que se permitem apelar aos crédulos que se inscrevam nos seus milagrosos cursos de cura quântica e idiotices similares. Vigarices, diria eu. Cura quântica seria, obviamente, algo baseado no princípio da incerteza, isto é, o paciente tanto se podia curar como não se curar, tal como o gato de Schrödinger tanto podia estar vivo como morto.

Mas em outros campos, seja na arte, na política, na caça aos gambozinos, a crença a poluir o conhecimento é o pão nosso de cada dia.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

O SUICÍDIO RECOMENDA-SE, QUANDO É BOM

Será que os religiosos que incensa a Greta das Meias Altas não têm momentos de dúvida? Não se interrogam, por exemplo, por que carga de água a santa da sua devoção foi convidada pelos poderosos para discursar em Davos? Será que os poderosos são tão masoquistas que gostam de apanhar tautau em público? Talvez penitência, não?

Ontem descobri um grande segredo, que se fosse crente não poderia ter descoberto: A Greta das Meias Altas foi levada a Davos para que o Trump, por contraste, parecesse ali um arauto do bom senso e da inteligência.

Ela, ontem, ultrapassou todas as marcas do suportável.

Dizia a profetiza dos cretinos dos últimos dias: «temos de acabar com os combustíveis fósseis, não em 2050, mas já, imediatamente, a Terra está a arder.» Que susto!

Imediatamente? Já? Mas como?

Ela não tem culpa, quem a usa, sim. Têm culpa os seus fabricantes e os seus promotores, exímios em manipular os meios de comunicação, para que os crentes se multipliquem. Têm culpa os fundamentalistas verdes e têm culpa os que no mundo têm poder e jogam forte no desvio de atenções do racional para o emotivo, sabendo bem que as modas são efémeras, e que é uma questão de tempo para a descredibilização da estrela mediática do susto de conveniência. Vigora aqui aquele princípio industrial da obsolescência..

Ontem, Greta cometeu um suicídio parecido com o da Joacine. É assim, quando as ideias não são ideias, mas apenas vapores do umbigo para uso mediático, morrem no mediático.

Paz à alma das defuntas, mas não subvalorizemos as mórbidas tendências para o culto dos defuntos, porque o Livro dos Mortos vende-se muito.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

A IMPOSSIBILIDADE DE SER CONSERVADOR

Seja da lata, seja da sardinha, a grande verdade é que nada se conserva, porque a lei do mundo é mudança.

Dirá o conservador que sabe perfeitamente que tudo muda, mas o que ele quer é que seja como diz o alentejano: devagar, devagarinho e parado. Tudo sossegadamente e sem dor, que é o que se pede ao dentista.

No Ocidente, querem os conservadores que a tradição – nome que dão ao que querem conservar – tem como matriz o cristianismo, o que significa que não perceberam, ou não querem perceber, ou percebendo escondem, para que não se fale nisso, que o cristianismo foi uma revolução, e revolução é algo de maldito no discurso conservador. Escamoteia-se também que todas as instituições que juram querer conservar se implantaram por revolução – A Revolução Francesa – onde tanta gente perdeu a cabeça (em sentido próprio), até um Monsieur Guillotin, que era médico em Lyon, e muitos confundem com Monsieur Joseph-Ignace Guillotin, também médico, mas em Paris, proponente da famosa máquina de cortar cabeças, que ficou com o seu nome, mas não cortou a sua preciosa cabecinha pensadora.

Pessoa, que foi o exemplo concreto do conservadorismo inglês, dizia que uma revolução é «um modo violento de deixar tudo na mesma».

Acho que se enganou: quem perde a cabeça já não a recupera.

QUERES SER TIDO POR BOM? MORRE OU EMBARCA.

O medo da morte faz-nos reverentes perante os que se vão, condescendentes até com os seus pecados, mesmo que sejam grandes. Nada como morrer para nos carregarem de virtudes, reais ou imaginárias, que, grosso modo, poucos haviam dito a quem os ouvisse, e a nós ainda menos, por mais gulosos que fôssemos de ouvido. É bem certo o dichote popular: morre ou embarca.

De certo modo, isto poderia aplicar-se ao novo santo descoberto pela direita, encomiado pelo pasquim digital Observador, órgão oficial dos ressabiados e dos órfãos de memórias putrefactas daqueles tempos em que só a noite havia.

Estou a referir-me ao recentemente falecido santo lorde Roger Vernon Scruton, dito conservador por si próprio e por muitos, mas o grosso dos que o louvam, enfiam nesse epíteto toda uma panóplia de demagogos de todos os matizes e de reaccionários ao progresso das ideias e das vivências. Coisas deste tempo que apodrece, deste tempo do pós-verdade.

Não gosto do Scruton filósofo. E não é, que fique claro, por ser um dos apoiantes do Brexit, que até pode muito bem ser uma bela ideia, o futuro o dirá, mas porque o seu pensamento social e político é, a meu ver, simplesmente detestável.

A principal característica de Scruton é ser reivindicadamente anti-humanista, deixando bem claro pela sua pena «que o conservantismo é um fenómeno […], uma reacção às vastas mudanças desencadeadas pela Reforma e pelo Iluminismo». O conservantismo não tem de ser exactamente isto, mas é assim que ele o entende. É bom que se tenha em atenção que Scruton, apesar de inglês, mal-grado também o seu antieuropeísmo, nunca foi um conservador à inglesa, tê-lo-ia sido à europeia.

Qual a diferenças?

À inglesa é-se fleumaticamente céptico, formalista e snob, sobranceiramente tolerante e mansamente tradicionalista; à europeia, direitista militante, intolerante, obscurantista, agressivo e arrogante. É mais nisto do que naquilo que se enquadra Scruton, com o seu sexismo, o seu anti-integracionismo, repúdio do multiculturalismo, o seu antifeminismo, a sua xenofobia. E é bom que se acrescente a sua militância máxima, que por sinal lhe terá sido deveras materialmente lucrativa quando conspirou a favor dos interesses britânicos e americanos para lá da cortina de ferro, entre 1979 e 1989. Movimentando largos fundos, ocupou-se em estabelecer centros clandestinos, com a capa de culturais, visando desestabilizar os países de Leste. Em 1985, chegou a ser detido na Checoslováquia, acabando expulso.

É destas coisas e não de outras que vem o apreço da direita a esta figura, não dos seus escritos, que os mais retrógrados nem sequer leram.

Após a hecatombe dos países de Leste, as novas repúblicas souberam reconhecer-lhe o empenho, A República Checa condecorou-o e o Ministério Polaco da Cultura atribuiu-lhe uma medalha de ouro.

Até ao momento, que se saiba, não foi canonizado.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

A LATA E A SARDINHA

Hoje em dia, quando alguém esgrime aquela trilogia estafada do Deus, Pátria e Família, ou a versão tropical resumida de Brasil acima de tudo e Deus acima de todos, dizem os condescendentes que se trata de conservadorismo, ou conservantismo, na linguagem própria de ser original, e ser original é ser infiel ao próprio conservantismo. Bom, mas o que interessa é sabermos o somenos do conceito. O termo usa-se – ou antes, usava-se – para descrever posições político-filosóficas alinhadas com o tradicionalismo e a transformação gradual dos costumes e da sociedade, em contraposição a mudanças radicais ou abruptas, v.g. todo o radicalismo, toda a ideia revolucionária e sobretudo qualquer revolução. Para um conservador, o indivíduo só existe integrado numa sociedade e numa tradição.

A darmos como bom este conceito, o regime dos aiatolas é conservador, e o regime do esquartejador implacável da Arábia Saudita também. Então, os conservadores propalados pelos papagaios comentaristas e os que como tal se reivindicam, que fiquem na companhia que lhes é própria.

Quando me falam de conservadores, lembro-me sempre de Agostinho da Silva, que usava dizer que há dois tipos de conservadores, os que conservam a lata e os que preservam a sardinha.

De repente, morre um filósofo conservador de latas – Roger Vernon Scruton – e a direita mais retrógrada desata num louvor desatinado: ai que morreu um dos nossos, que era tão bom rapaz. Dos plumitivos da nossa praça, o Observador, como era de esperar, encabeçou as exéquias.

Dos muitos que o louvaram, quantos leram o que quer que fosse que o homem tenha escrito?

Talvez a louvor de alguns seja apenas de ocasião e tarefa encomendada. Uma das coisas que mais notei foi o alinhamento com uma imprecisão que, por menor que se diga, mostra que apenas houve dever de ofício. Dizem os vários textos que li que Scruton escreveu cerca de trinta livros. Errado: serão talvez mais do dobro. Trinta são os de filosofia, há que juntar-lhes o romance, a poesia, os libretos de ópera e as peças de teatro.

As ideias sociais e políticas de Scruton dão-me náuseas. Não lhe conheço a música, nem a poesia, nem a ficção. Devo confessar que do dito cujo só li dois livros: “Como ser um Conservador”, e daqui a náusea, e “Beleza”, um belíssimo ensaio sobre a Arte.

A direita mais radical gosta do Scruton porquê?

Porque é assumidamente xenófobo, anti-integracionista, anti pluriculturalista, antifeminista, anti-UE, apoiante do Brexit. Considera que civilizados, verdadeiramente civilizados são apenas os herdeiros da common-law, isto é, ingleses e americanos. Os mais serão índios, certamente.

É contra todo e qualquer imigrante e radicalmente contra quem não seja cristão. Saiba-se que ele é um membro proeminente da Igreja Anglicana. Considera todos aqueles que não pensem como ele como ignorantes. Por isso diz bacoradas destas: «a posição (dos conservadores) é enfadonha, a dos seus oponentes é excitante, mas falsa» … […] «…todo o mundo é de direita nos assuntos que conhece».