segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

VENDER A ALMA AO DIABO

Vendas Novas, 13 de Fevereiro de 2012

O MAIS PROVÁVEL é que os estrangeirados de que vou falar não tenham alma; que de algum modo correspondam aos homúnculos da Alquimia, aos golens da Cabala, seres artificiais concebidos por processos mágicos incapazes de os dotarem de alma. Ora, os estrangeirados de que vou falar, embora filhos de homem e mulher, são socialmente criações artificiosas do Dr. Frankenstein coletivo a que chamam mercado (ou mercados). Se tinham alma quando nasceram, ela cedo partiu desgostosa quando não pôde suportar mais o peso das sinecuras e as inconveniências das palavras de conveniência. Coisas da língua bifurcada, evidentemente.

Então, que fique claro que a epígrafe surge apenas como figura de estilo, já que me parece impossível gente com alma ser incapaz de compaixão, ser insensível à dor alheia.

A crueldade dos procuradores dos mercados não é um exclusivo dos nossos estrangeirados, é comum aos políticos ditos liberais que estão a conduzir o mundo para um desastre nunca antes visto.

Os estrangeirados que administram o protetorado alemão onde habitamos à espera de emigrar diferenciam-se dos de fora pela subserviência e pelo provincianismo. Vejam, por exemplo, o nosso Gaspar a meter a cunha ao ministro da guita da Frau Merkel. Igualzinho aos populares que em campanhas eleitorais mendigam junto dos candidatos: «ó doutor, olhe lá pelos reformados». Provavelmente, é desta pieguice que fala Passos Coelho. Suponho que junto da Merkel faz o que faz o Gaspar. São muito fortes com os fracos e fraquíssimos com os fortes.

O que mais me irrita nos nossos estrangeirados é aquela bandeirinha portuguesa na lapela, coisa que não se coaduna com a sanha contra a Restauração da Independência e a Implantação da República. A coerência talvez resida no facto dos pins serem fabricados na República Popular da China, provavelmente brindes pela nacionalização (dita privatização) da EDP e da REN. Era aqui que cabia falarmos da venda da alma ao diabo.

Ainda havemos de ouvir gritar: portugueses, Cacilhas ainda é nossa. Embora possa não ser verdade.

ABDUL CADRE

RECORDOS, ACORDOS E DESACORDOS

Vendas Novas, 28 de Fevereiro de 2012

HÁ UM DOCUMENTO VIL com força de lei que constitui uma desnecessidade, uma aberração e é em si mesmo uma coisa abjeta, rasteira e anticientífica. Um aleijão, como referem alguns linguistas brasileiros. Os jornais e os empregados da política chamam-lhe acordo ortográfico, apesar de não ser nem acordo nem ortográfico e – pasme-se! – nem sequer está em vigor, como muito bem diz Vasco Graça Moura. E não está por duas ordens de razões: não foi até ao momento publicado o vocabulário previsto e, sendo um «acordo» internacional, não pode vigorar na ordem interna se não vigorar na externa. Ora, Angola e Moçambique, ao que parece, vão denunciar esta trafulhice linguística que foi parida por gente que odeia profundamente a Língua Portuguesa. Gente com hábitos de tabuada, como diria Bagão Félix. Não que saibam a tabuada de cor, basta-lhes usá-la nas suas maquinetas de bolso «made in China». É com a tabuada que tudo gerem, porque tudo é número e cifrão e pessoa pouco ou nada conta.

Digo tudo isto e estou aqui a deixar que o corretor do Bill Gates me altere a ortografia portuguesa para a do Malaca Casteleiro, que foi apoiada por todos os partidos do sistema, com muito escassas e honrosas exceções individuais. E vejam bem: antigamente podíamos distinguir CORRETOR (aquele que faz corretagem) de CORRECTOR (aquele que corrige), agora é tudo igual ao litro.

Bem avisado andou o Jornal de Angola que, em editorial, na sua edição de 8 de Fevereiro último se atirou ao acordo como gato a bofe. Para além de denunciar o absurdo de querer unificar aquilo que deve ser plural, diz claramente que «há coisas na vida que não podem ser submetidas aos negócios, por mais respeitáveis que sejam». À tabuada, dizemos nós e diz o Bagão Félix.

Este aleijão, linguisticamente mal feito, impingido politicamente porque sim, culturalmente inexplicável, compreende-se que seja esgrimido pela rapaziada do pin nacionalista na lapela e dos seus apoiantes.

Compreende-se na terra do tanto faz, na terra onde se consegue dizer que para vivermos melhor temos de empobrecer, que ter fome é ser piegas e querer brincar ao Carnaval é ser preguiçoso. E a erroneamente dita comunicação social não só os desculpa como os louva. Já não há cães de guarda.

Já nem o Marcelo mistura crítica com recado, agora é só recadinho e apoio, preparando-se para a presidência da república. O Marques Mendes – esse – bem agarrado ao acordo já confunde pó com popó. Num dos seus comentários televisivos ficou contentíssimo com o louvor de João Salaviza ao governo, não percebendo a ironia. O realizador de Rafa queria dizer precisamente o contrário daquilo que Marques Mendes gostaria que ele tivesse dito.

E viram o alarido que o ex-emigrante canadiano fez na Assembleia da República? Tendo um deputado do PCP posto em causa os seus saberes académicos, o homem passou-se. Desatou a choramingar: «o Sr. deputado está sempre a denegrir os emigrantes, eu tenho muito orgulho de ser emigrante…»

Era tão bom que o homem se deixasse de pieguices, abandonasse a sua zona de conforto e nos desamparasse a loja!...

ABDUL CADRE

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

A UNIÃO EUROPEIA ACABOU, A MORTE DO EURO SEGUE DENTRO DE MOMENTOS

Vendas Novas, 30 de Janeiro de 2012

A ALEMANHA perdeu a I Guerra, perdeu a II Guerra e está em vantagem nas batalhas que vem travando nesta III Guerra, que pensa ganhar sem recorrer às divisões Panzer, bastando-lhe controlar o marco, que tem a alcunha de Euro, o qual deveria ser de 12 mas é apenas de um. Pode ser que perca outra vez.

A imperatriz do equívoco europeu, que não quero chamar de Mercozy, como muitos vêm fazendo, dado que o Sarkozy, não passando de pau-de-cabeleira, é completamente irrelevante, pois a dita cuja, quando jovem – apenas de idade, pois que de facto já nasceu velha –, tinha por apelido Kasner, não imaginava sequer vir a chamar-se Merkel e o que mais adorava era ir de bandeirinha e farda colegial a preceito dar vivas ao camarada Erich Honecker. O que é certo é que aprendeu a mandar e conseguiu até meter no bolso o camarada Mário, a quem a imprensa chama Barroso, essa figura decorativa do falecido órgão europeu que dava pelo nome de Comissão Europeia. A senhora Merkel manda tanto que basta assobiar e logo os seus onze procuradores – leaders formais dos países do euro – vão saltitantes lamber-lhe as mãos. São bons vassalos. Já nem sequer reúnem para discutir o que quer que seja, vão a despacho em pequenos grupos e voltam contentes para os seus tronos de palha, contentes porque cumprem ordens, comprometidos porque sabem que mentem e iludem os povos que os elegeram. Alguns nem eleitos foram, foi a senhora que os entronizou, a pedido dos mercados.

A senhora diz: o mundo é quadrado. Eles respondem: muito quadrado. E diz mais: os povos do sul são uns calaceiros. Eles respondem: pois são. Um deles até se levanta e promete de olhos postos no chão: nós vamos corrigir isso, vamos acabar com os feriados e pôr os nossos mandriões a trabalhar vinte e quatro horas por dia e, se não chegar, pomo-los a trabalhar também de noite.

Mas há vassalos que não oferecem confiança. Para já, os do protetorado da Grécia. Portugal é lá mais para o ano, não porque o encarregado de negócios não se esforce, mas porque tanta vénia a propósito e a despropósito levanta a suspeitas de pouca competência.

Bom, há que mandar um alemão às direitas, de preferência luterano e ex-comunista, tomar conta das finanças gregas.

É preciso que ninguém suspeite, é preciso que ninguém faça contas, que ninguém perceba que o superavit da Alemanha é precisamente a soma dos deficits dos protetorados.

Como se conseguiu isto? Desmantelaram-se as indústrias, suprimiu-se toda a produção: não se preocupem que a gente é que sabe. E os procuradores diziam: Ámen!

Pois!

A grande divisão Panzer chama-se EURO.

A Europa, como união de estados soberanos, acabou. O Euro acabará quando os povos que estão a ser submetidos á tal de austeridade não puderem empobrecer mais e gritarem: basta!

Como a Europa é um grande elefante, quando cair vai levantar muito pó e derrubar muitas árvores. Se fôssemos prevenidos e inteligentes renunciávamos ao europanzer quanto antes, sem pó, sem buraco na floresta, negociadamente, pacificamente…

Mas olhando para os estrangeirados que se dependuraram nos escaparates políticos – os Relvas, os Gaspar, os Álvaro, os Seguro, os Coelho – pensamos: isto é o mesmo que querer gelo quente.