segunda-feira, 11 de julho de 2011

EU, IGNORANTE, ME CONFESSO

Vendas Novas, 11 de Julho de 2011

JÁ O DISSE por aqui,
talvez demasiadas vezes, que a verdade verdadinha é que não existe no mundo qualquer regime que se possa considerar completamente democrático. Veja-se por exemplo a igualdade de todos perante a lei: EU = a BELMIRO DE AZEVEDO; eu defendido por estagiário e ele por um batalhão de espertos e experientes causídicos. Nos regimes ditos democráticos até a designação de Estado de Direito deixa muito a desejar: os poderosos escrevem torto por linhas direitas.

É claro que os povos também não são muito exigentes e nem o espírito crítico merece muito cultivo. Tomam por democracia o direito ao voto e nem sequer se espantam — até aplaudem — que venham uns cavalheiros que ninguém conhece nem ninguém elegeu dar ordens aos eleitos e mandar às urtigas as instituições.

Mas, do mal o menos, a liberdade de expressão lá vai andando, malgrado os condicionalismos que a tornam inócua. De qualquer forma, é bom que nestes abençoados estados se vá podendo criticar os governantes sem ir bater com os costados na prisão. Aliás, os governantes costumam até encaixar com bastante fair
play o mal que deles se diga. É por isso, por exemplo, que ninguém espera, quando critica com toda a razão uma figura pública, ser taxado de ignorante, como foi o caso recente da reacção irritada do Presidente da República a quem lhe recordou que ainda há poucos meses dizia em público, como remoque a Sócrates, que não podíamos hostilizar as agências de notação e agora se atira a elas descobrindo-lhes os defeitos que elas sempre tiveram e ele nunca soube ou não quis ver.

Ora, os malvados da Moody's fizeram apenas o que é suposto fazerem, independentemente de quem «manda» (?) se chamar Sócrates ou Passos Coelho. O negócio deles são os números. E apenas usam as quatro operações aritméticas, especializados que estão em contas de sumir, como se dizia na minha escola de miúdo.

Ora, o Dr. Cavaco Silva, que constantemente nos lembra que quem percebe da poda é ele, não pode desconhecer que a Moody's não tem em boa conta as receitas nem do FMI nem dos necrófilos da desunião europeia. Sabem que Portugal não tem condições para pagar o que deve, não vai pagar o que deve e é um negócio do risco para os clientes desses notadores. Se Passos Coelho se tivesse lembrado de diminuir os salários da função pública, podia ser que a nota não baixasse muito, mas tirar duma assentada 600 milhões ao pequeno comércio é promover o desastre. Note-se que, se desengordasse o Estado, talvez a nota subisse. Mas não desengorda, tem vindo até a engordar. E a propósito, vai ou não construir cais para a acostagem dos submarinos do Dr. Portas por esse país fora? Quanto custa? Porque não vende os submarinos?

Ninguém
gosta que lhe chamem ignorante, mas há sempre gente que se senta em cadeira de espaldar alto e arenga às massas a sua sabedoria. É gente que não sabe que todos nós somos ignorantes em muitas coisas, porque isto de saber é como quem enche um balão, por muito ar que lhe insuflemos, do lado de fora haverá sempre mais. Por isso, dizia bem aquele sábio grego declarando: eu só sei que nada sei. Bom seria haver quem, por mais alto que fosse o espaldar da cadeira onde se sentasse, pudesse dizer sem fazer figas: eu nem isso sei.

Suspeito das linhas com que se cosem, mas não sei em que cadeiras se sentam aqueles cavalheiros vaidosos que, sem apresentarem as credenciais dos partidos que servem, andam por aí disfarçadamente no seu faz de conta, assim como quem atira pedras e esconde a mão; aqueles cavalheiros, quase sempre sem pernas, dependurados nas pantalhas, com legendas por baixo a dizer politólogo, comentador político e outras inexistências. Claro que não comentam coisa nenhuma, trazem recados dos seus partidos e pavoneiam-se com um saber imaginário que os incautos tomam por verdadeiro.

E assim vamos, de baraço ao pescoço, como se fossemos felizes porque o outro se foi e um tanto tristonhos porque Sebastião não veio.

Abdul Cadre

abdul.cadre@gmail.com