segunda-feira, 5 de novembro de 2012

DETERGENTES E ALCOVITEIROS

Vendas Novas, 5 de Novembro de 2012

PROVAVELMENTE, foram demasiadas as vezes em que eu disse neste mesmo espaço que não existe passado nem existe futuro, tudo é o presente e que o presente se esgota no preciso momento de o dizer. Com o presente construímos memórias e esquecimentos e alimentamos desejos, esperanças e expectativas.

Isto era assim até à chegada dos estrangeirados que o povo colocou no cavalo do poder. Tenho de rever tudo aquilo em que vinha acreditando. Eu sou de mudança, não só porque alguém disse que só os burros é que não mudam, mas sobretudo levando a sério o célebre gnoma pessoano de que as pessoas inteligentes, tal como mudam de camisa também deviam mudar de opinião. Sendo eu asseadinho, não me ficaria mal ser igualmente inteligente.

Por estas e outras razões, que ninguém espere que os estrangeirados que estão no governo mudem; bom é entender-se que todas as nações foram fundadas por homens que apenas sabiam assinar de cruz e afundadas às mãos de peritos em folhas de Excel e outras extravagâncias.

Seria interessante, não fora o tanto feder, atentar-se nisto: os estrangeirados da nossa memória, isto é, do passado, foram odiados porque estavam à frente dos pensamentos, palavras e obras dos seus compatriotas; os atuais são-nos repulsivos pela sua crueldade, selvajaria e arrogância e por se terem colocado a si próprios a missão de inverter os relógios e os calendários. Eles estão apostados em levar-nos de volta ao 28 de Maio.

E tudo se passa como se nada se passasse, para além da miséria dos mesmos de sempre, que cresce para além do impensável.

Uma imprensa de recados, recadinhos, chuva no molhado e fait divers. Uma televisão preocupada com o sexo dos anjos e a substância das asas angelicais, ocupada permanentemente pelas mesmas caras – sempre as mesmas caras – de replicadores daquilo que convém dizer para que o povo ande de mansinho pelas ruas, que nós não somos gregos, já se vê.

Tão subtil que era o Marcelo, tão maquiavelicamente inteligente que já foi, tornado agora apenas mais um detergente que lava mais branco e deixando-se ultrapassar em alcovitice pelo dispensável sabão de borras de azeite daquele senhor que está como comentador da 24, mas que nada comenta, é apenas porta-voz do moribundo grupo de estrangeirados a que chamam governo. Que contentinho que ele estava a falar dos cortes FMInescos e tecníssimos em primeira mão, isto é, em primeiro desbocamento. Dentre em breve, o homenzinho, para falar desses tais moribundos que então serão cadáveres, será uma voz do além, um médio de incorporação ou coisa assim.

Cuidado, porque as mesas de pé-de-galo são muito imprevisíveis.