segunda-feira, 18 de junho de 2012

OURO, INCENSO E MIRRA

Vendas Novas, 4 de Junho de 2012

VÊ-SE BEM que este nosso desgoverno é dirigido por duas almas gémeas moldadas nas claques partidárias do laranjal chamadas de «jotas».

Ai que contente fica a trupe quando a troica vem passar revista à caserna!

— Tivemos boa nota, tivemos boa nota! — gritam todos, seja em coro seja cada um na sua vez, na dependuração habitual das pantalhas que tanto amam. Tão contentinhos, só porque não levaram orelhas de burro!

E vem o senhor Passos — não confundir com o Senhor dos Passos — e diz: «a troica só nos pediu para acelerarmos as medidas estruturais» …

Mas quais medidas estruturais? Até ao momento não foi implementada uma única, apenas está ameaçada a das rendas de casa. Aquele que ocupa formalmente o lugar de primeiro-ministro não faz a mais pequena ideia do que sejam reformas estruturais. Nem sequer sabe o que é isso de liberalismo. Diz, porque tem de dizer, porque é «prafrentex» dizer-se e só não se espalha ao comprido porque quem o entrevista o traz ao colo e o acarinha. Aliás, este governo andou doze meses (ou mais) em gestação no ventre duma imprensa que se demitiu do papel de cão-de-guarda da democracia. Se apertassem com ele, metia os pés pelas mãos. Tivéssemos nós imprensa para além de, de um lado, a que se dedica ao Sócrates e ao Pinto da Costa e, do outro, a que neste momento dispara sobre o porta-aviões Relvas, que, não tenhamos dúvidas, o navio-almirante estaria a afundar-se. Era trigo limpo.

Meninos das letras impressas, não vale a pena desculparem-se com a crise e com o terrível que seria entrarmos em quedas governativas, porque, para cumprir as ordens da troica, até o meu primo Baltasar, que é contínuo no Ministério das Finanças, faria melhor do que este apoio do motor Relvas. E os irmãos dele — Gaspar e Belchior — que são amanuenses no mesmo ministério, substituiriam com vantagem o Álvaro do faz de conta e o Vítor da morte lenta, que nunca acerta nas contas.

Só vejo um inconveniente em termos o meu primo Baltasar como primeiro-ministro, é que ele já me confidenciou que chamaria o Relvas para adjunto, só para o Balsemão não se ficar a rir. E disse-me mais: que punha o Relvas a organizar as secretas.

Eu discordo, como é evidente. Aliás, associar o Relvas aos serviços secretos é seguir a lógica de Passos Coelho. Então não é que o homem vai à Assembleia para discutir esses serviços da República e acaba em juramentos fraternais de virgindade e pureza daquele que deveria ser o seu adjunto, mas que é afinal quem mais ordena.

E as sondagens mal se mexem. Pudera! Com um Seguro sempre dependurado dum rosto sem expressão e carente da alma que não tem, só nos resta emigrar, se não queremos afogar-nos no naufrágio que se avizinha.

Ou ver degolar as criancinhas e amouxar.

Não aprendam a nadar, não!...

ABDUL CADRE

DESENVOLVIMENTO DESTRUTIVO

Vendas Novas, 19 de Junho de 2012

AS ELEIÇÕES na Grécia deram a vitória ao principal responsável dos buracos, cavernas e alçapões das contas helénicas. É a chamada sabedoria popular.

Outra sabedoria, igualmente popular, foi a dos franceses, mas dê lá por onde der, fale-se da Grécia ou fale-se da França, nada altera o percurso do comboio destinado a descarrilar.

Os resultados helénicos podem ser os menos maus para os gregos, mas talvez não sejam os melhores para a Europa e serão certamente os piores para Portugal, contrariamente ao que dizem os opinadores encartados; adiam o problema das expulsões – nossa e deles – mas tais expulsões serão inevitáveis.

Todas as conversas a respeito do vota ou não vota, cumpre ou não cumpre são ótimas para faladuras dos referidos opinadores encartados que nunca falam do essencial, apenas se entretêm com o acessório e com a retransmissão dos recados de que os encarregam. Se não cumprissem o dever de que estão incumbidos, depressam saíam dos cabides permanentes que têm nas pantalhas desinformativas da televisão que temos.

O essencial é isto: os povos estão divididos em estados, pátrias e correlativos e o capital – apátrida por conveniência e amoral por natureza – não tem bandeira nem poiso certo; pertence a meia-dúzia de imperadores sem rosto e sem alma que têm pelos políticos o desprezo que quem manda sempre tem por aqueles que obedecem. E estes que obedecem fazem-no com bom proveito, por bastante mais que umas boas migalhas, porque o baronato é bem remunerado..

O capital é global, as gerências políticas e as organizações sindicais são locais, vivem no século XIX.

As finanças mandaram às urtigas a economia, não porque os tais imperadores sejam maus – eles não são mãos nem bons – mas porque a economia dá pouca pica. Montar uma fábrica obriga a esperar muitos anos pelo lucro (que não é certo) enquanto fazer criação de notas através dos canteiros cibernéticos é sempre euromilhões em cada bit.

E este mundo, que se encaminha para um desastre de proporções nunca antes vistas, tem o aplauso das massas populares que se entregam sacrificialmente para que as massas cambiais beneficiem quem merece. E quem merece é quem manda e quem especula.

Os marxistas dos anos sessenta estavam convencidos e queriam convencer os outros de que o proletariado venceria em favor do advento da justiça e da igualdade, mas nunca foi líquido, e menos o é hoje, que uma classe possa vencer outra em definitivo, mesmo que seja auxiliada por qualquer suicídio.

O que sabemos de saber constatado é que o proletariado foi substituído pelo precariado. O fosso entre os que enricam e os que são deserdados é cada vez maior…

Que a carteira substituiu o coração e que quem não tem carteira não tem nada.

ABDUL CADRE