domingo, 12 de dezembro de 2010

DEMOCRATAS, DEMOCRATAS, NEGÓCIOS À PARTE

Vendas Novas, 12 de Dezembro de 2010

DESCULPEM se me repito. Já o disse várias vezes: em toda a minha vida, que já vai longa, conheci milhares de pessoas, mas fosse por sorte, por azar ou por razões magnéticas, nunca me foi dado conhecer um só democrata que fosse, embora muitos jurassem a pés juntos e sem fazer figas que o eram. Muito. Desde pequeninos.

Vejam que até o Marcelo Caetano dizia que era democrata e que democrático era o seu regime. Uma «democracia orgânica». Pois.

Mas as coisas podem ser vistas de uma outra maneira: podemos dizer que todos somos democratas enquanto não nos pisam os calos. Isto é válido para os indivíduos e é válido para as nações, porque democratas, democratas, negócios à parte.

O centro democrático de torturas, instituído na ilha de Cuba pelo protótipo da democracia globalista que são os USA, essa coisa a que chamam Guantánamo, só foi possível pelo silêncio cúmplice das mais conceituadas democracias (e até alguma colaboração activa); as mesmas nações que colaboram agora na perseguição indecente, perversa, cínica e iníqua ao jovem mal comportado que incomoda aqueles que nos têm tentado ensinar que é pela liberdade de expressão (ou pela falta dela) que se distinguem os regimes democratas daqueles que o não são. Se há leis violadas, então os tribunais que batam com o martelo logo que possam, mas nada de golpes baixos

Estamos esclarecidos? Então, adiante.

O senador ianque republicano Mitch MacConnel, disse para os seus, para os outros e em entrevistas em que se tem multiplicado, que o fundador da WikiLeaks é um terrorista que deve ser extraditado para os USA, para ser executado. Entretanto, as diversas agências secretas da grande democracia (?) estão a tratar do assunto. Dois ou três dias após o grande acto de terror documental internético, duas virgens ofendidas queixam-se na Suécia de terem sido violadas por Julian Assange (o australiano que já teve nacionalidade sueca). Ala para prisão de Sua Majestade Britânica e vamos lá a ver se se arranja modo de extradição. Do Vale Azevedo é que não.

Uma das denunciantes é a cubana militante anti-castrista Ana Ardin, cuja organização, como se sabe, é democraticamente subsidiada pelos USA. Palavras para quê?

Pode bem ser que o Assange seja o responsável pela morte do Menino Jesus e o culpado da secura dos desertos, mas mesmo que a Sr.ª Clinton jure sobre a Bíblia, ninguém vai acreditar, porque, como dirá o povo, quem mais jura mais mente.


 

ABDUL CADRE


 

terça-feira, 16 de novembro de 2010

O DUMPING PARTIDOCRÁTICO

Vendas Novas, 15 de Novembro de 2010


 

PODEM os senhores juízes e procuradores, alinhados na aberração democrática que são os seus sindicatos, naturalmente que legalíssimos, jurar a pés juntos que não têm uma agenda política que só acredita quem quer e eu estou convencido que a grande maioria dos portugueses não acredita. Eu não acredito nem um bocadinho que seja.

Quando aquele senhor magistrado – que Deus e o Diabo protejam quem por ele haja que ser julgado – vem à praça pública gritar que é preciso meter os políticos na grelha e logo no discurso se lhe monta o «ovo kinder» (Morais Sarmento Dixit), é mais do que evidente que faz política nos mesmíssimos termos que o faz Passos Coelho. O problema aqui é que ele tem um poder que o líder do PSD não tem, que o governo não tem, e faz política sem ter a chatice de montar uma dispendiosa máquina partidária e sujeitar-se ao veredicto popular. Usa canhão enquanto os outros usam fisgas e tem o discurso que antigamente só à igreja era tolerado: fala em nome da verdade de que tem o exclusivo, como os sacerdotes julgavam ter procuração divina, também em exclusivo. Partidocracia e magistratura em mancebia é como casamento de primos, dá olhinho torto e outras anomalias. Isto são coisas do tempo que passa em que tudo é mais ou menos e o que é preciso é o poder nosso de cada dia obtido na dependuração permanente nos media.

Segunda-feira passada li no Correio da Manhã uma das habituais diatribes políticas do Secretário-geral do partido sindical dos senhores procuradores do MP desafiando tudo e todos na reivindicação do seu direito – que infelizmente tem – à greve. A forma como trata o Primeiro-ministro é simplesmente de bradar aos céus. Se eu fosse procurador, coraria de vergonha, não o sendo, só posso sentir-me agoniado. Como se diria lá para a América Latina: «Este país tiene gobierno? Pues yo soy contra…»

Que tristeza! Pobre país!

Bastante recentemente, num frente a frente televisivo, o juiz Rangel, face a desconchavos dos seus pares, defendia a sua corporação dizendo que uma andorinha não faz a Primavera. É evidente que não. Nem mil, nem todas as que haja no mundo. Mas a verdade, o que muito bem lhe foi lembrado pelo seu opositor, é que os dislates dos senhores juízes começam a deixar-nos muito preocupados. Não é só o caso daquele que exarou num processo a sua intenção de se diminuir no horário de trabalho, por ter sido prejudicado no seu salário, com a crise; é também o caso daquele que, qual António Aleixo de toga, dita para a acta quadras, aliás muito mal amanhadas, como se estivesse num qualquer bailarico dos santos populares. Isto para não lembrar aquela juíza que exarou aquela douta sentença em relação a um cavalheiro que se abasteceu de combustível e se pirou sem pagar: não houve crime, as bombas estão ali é para a gente se servir.

Os leitores pensam que há crise?

Não há, o que há é decadência e degenerescência. A gravidade é acrescida se pensarmos que, estando a Europa em decadência, nós somos a decadência dentro da decadência.


 

Abdul Cadre

abdul.cadre@gmail.com


 

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Barreiro, 11 de Outubro de 2010

... Tudo isto é Fado

OS VIVOS E OS MORTOS

O HOMEM medievo, que tinha uma curta esperança de vida – a esperança média de vida não ia além dos 38 anos – compensava-se com a convicção de uma vida eterna após a morte, num além distante e à mesa do Senhor. Mesa farta, já se vê.

Esta ideia de banquete vir-lhe-ia certamente como compensação da muita fome passada aqui por baixo e a de Paraíso do muito sofrimento e infelicidade a que mundo concreto o sujeitava, bastas vezes, porém, com a sua própria participação ou apatia, fosse por medo ou por desleixo.

O medo da morte era nesse tempo talvez maior do que na Idade Média actual, creio que devido ao facto de antigamente não haver luz eléctrica nem raios lazer. De qualquer modo, o medo da morte e o seu oposto complementar, o desejo de eternidade, ficaram-nos gravados profundamente lá nessa coisa que ninguém sabe onde fica que é o subconsciente – ou será no inconsciente? – que por si sós, desejo e medo, poderiam constituir perfeitamente duas religiões que mutuamente se digladiassem em excomunhão para cá, excomunhão para lá.

Nos dias que correm, andando nós tão anestesiados, isto não é tão vivamente sentido como o foi no passado. Constituímos sociedades de fuga e corre-corre que não nos deixam tempo tampouco para acarinhar os vivos, quanto mais para cultuar os mortos e temer a morte. A morte vem e apanha-nos de surpresa. Nem sequer nos sobra o tempo para mesas fartas onde se coma devagar. A cidade impõe-nos o pronto a comer, o pronto a vestir e – porque não? – o pronto a «chorar» os mortos e inumá-los.

Quem sabe se com uma boa campanha publicitária não viria a moda de ter de volta as carpideiras. Com o desemprego que por aí grassa, seria bom para o PIB. É pá, qual é a tua profissão? Eu não tenho profissão, choro nos enterros.

Mas por mais que se embrulhe a memória em véus de disfarce, sempre lá no fundo do nevoeiro de nós uma ave se agita. É a simorgh dos persas, a kerkes dos turcos, a Onech dos hebreus, a Fénix da tradição helenística. Quem der valor à mitologia poderá sempre dizer que da cinza dos nossos dias para novos dias nos podemos levantar, mesmo que não haja banquete. E os dias que se inventam pelo voo são uma forma de recordar em novas formas o apelo que nos vem da noite dos tempos; a saudade de uma idade de oiro, quer ela tenha existido quer não. Saudade, afinal, do futuro. Isso é que é. Que do presente, conformado como está por esta coisa chamada de crise – etimologicamente crise significa ruptura – ninguém irá ter saudades. Nem sequer os seus fautores, que são também os seus beneficiários, porque não consta que os mortos tenham saudades.

ABDUL CADRE

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

JUSTICIALISMOS DE POLIESTIRENO

O POLIESTIRENO, na sua forma expandida, conhece-se em Portugal por esferovite e no Brasil por isopor. O JUSTICIALISMO traz-nos sempre à memória o cavalgador do povo argentino e a sua partenaire, aquela senhora que teve direito a ópera com o seu nome e tudo. O poliestireno é bom para embalagens e isolamentos; o justicialismo é o gato por lebre, um arremedo do justo para fazer passar o injusto. O povo gosta e o demagogo usa o justicialismo que, sendo bem revestido a esferovite, cai-nos em cima e não dói nada.

O povo dos estádios e do sofá estava farto do Queiroz e dos maus resultados do pelotão futebolístico nacional e vai daí pensa um certo senhor das desgovernações: se eu corresse com o tipo, de certeza que me batiam palmas, me levavam em ombros e o meu partido subia nas sondagens. E pumba! Ou pimba, tanto faz.

Mas a esferovite começou a esboroar-se e alguns piegas desataram a lamentar-se: ai que dói, ai que dói.

Um tanto frustrado por não ter podido ser treinador de futebol e se ver forçado pela vida e pelo partidarismo que se sabe a ser «governante», o tal certo senhor exigiu dos seus «súbditos» federativos que dessem forte e feito naquele que parece ser o único na arte de pontapear bolas a não poder dizer palavrões. Pois, pois: é que se castigássemos todos os que no futebol berram, insultam e dizem palavrões, não ficava ninguém sem castigo, nem sequer no público.

De qualquer forma, os federados e confederados (actualmente sem utilidade pública) não cumpriram cabalmente as ordens recebidas de quem acha que manda quando apenas desmanda). Foram repreendidos e finalmente correram com o seleccionador. Muito bem. Já nos livrámos deste.

Agora pedimos encarecidamente ao senhor governante em desapreço: demita-se. E mais: proponha-se pagar do seu bolso as indemnizações que se adivinham devido às anomalias e ilegalidades cometidas.

Nota final: É uma vergonha usarem-se processos inquisitórios e maquiavélicos para poupar uns europins, em vez de se ser claro, leal e justo.

A esferovite esboroa-se e o justicialismo à portuguesa nem isso é. Não passa de qualquer coisa bolorenta e pimba.

                    

Vendas Novas, 13 de Setembro de 2010


 

ABDUL CADRE


 


 

domingo, 11 de julho de 2010

A GOLDEN SHARE E A GOLDEN CHAIR

Barreiro, 11 de Julho de 2010


 

O TROCADILHO DO TÍTULO foi-nos sugerido pelo cartoon de Gonçalo Viana, na revista Visão de 8 do corrente, onde aparece o patrão do Espírito Santo – o tal que afirma que o seu grupo há 140 anos que se dá bem com todos os governos (!) – sentado numa cadeira doirada (golden chair, em inglês) com os pés colocados à americana numa cadeirinha vermelha decorada com ícones da PT e da República. A cadeira doirada é bem um trono e é de rei a postura do grande senhor, de ceptro na mão.

Ele manda como monarca; os governos republicanos, institucionalmente democratas ou de "democracia orgânica", obedecem, porque isto já se sabe que manda quem pode e obedece quem deve.

Explicar o que é uma golden share – acções com direitos e privilégios especiais – parece-me não ser necessário, tão cheios temos os ouvidos com o bicho. O que me parece é que o uso desta arma, no caso concreto da PT, tem algumas contradições e enferma de demagogia barata, com apelo a imagens subliminares de aljubarrotas de fisga.

Um governo que se propõe privatizar os CTT sem se reservar qualquer golden share e nos fala em sectores estratégicos da economia, ou não sabe o que diz nem o que faz ou nos toma a todos por tolos. Depois, por que é que a PT é estratégica e as outras operadoras de telecomunicações não o são?

Aliás, o problema actual da superprotegida e eis monopolista Telecom, empresa privada de capitais maioritariamente estrangeiros, existe porque o patrão da Sonae, empresa de capitais maioritariamente portugueses, foi rasteirado pelo primeiro governo do engenheiro Sócrates.

Nestas coisas, e principalmente na escolha de aliados e colaboradores, este nosso engenheiro nunca acerta. Veja-se como apoiou, à revelia de sectores importantes do seu partido, a recandidatura do inefável Barroso para chefe dos comissários políticos da sociedade franco-germânica a que se costuma chamar União Europeia. Era preciso um português lá naquele assento etéreo, dizia-se. O tal português que nos aparece agora a dizer que está contentíssimo com a condenação de Portugal numa coisa qualquer a que chamam tribunal.

Pois é: apoiou Soares em vez de Alegre, Vital Moreira em vez de Ana Gomes, aquela rapaziada que a gente sabe em vez de gente crescida e bem-apessoada...

É a vida.


 

ABDUL CADRE

sábado, 12 de junho de 2010

A SERAPILHEIRA ESGARÇADA


 

Barreiro, 13 de Junho de 2010

OLÁ, estou de volta e sinto-me desintoxicado. Que bom: nem uma linha sequer sobre o Pinto da Costa e a namorada que lhe atribuem. Os pasquins de lá, não ligam, é o que é. E nada sobre o Sócrates. Que óptimo. Os espanhóis não querem saber se o dito cujo é ou não primo do Pinóquio, deixam essa tosca encomenda aos ociosos e aos conspiradores de cá. Do meu ponto de vista, deveriam estar preocupados com a crise estampada em todos os jornais de cá e de lá, mas a avaliar pelas esplanadas, à noite sempre cheias, com o pessoal a «picotear» as tapas do costume, parece que nem por isso, apesar das manifestações contra o Zapatero.

As Comisiones Obreras bem se esforçaram, mas a coisa saiu fraca. Mais espontâneas, calorosas e sinceras, embora também fracas em participantes, foram as manifestações contra os actos terroristas e os crimes de guerra do inimputável estado de Israel. Foram assassinados espanhóis, mas o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Miguel Ángel Moratinos não se mostrava minimamente indignado. Estas coisas só são graves quando cometidas pelo eixo do mal, porque do eixo do bem, sendo os crimes totalmente democráticos e desinfectados, tudo está bem. É a vida, como diria o outro.

Também se deram manifestações contra a seita terrorista dos Bilderberg, enquanto decorria – na Espanha, claro – mais um dos seus sabates. As manifestações foram fraquitas, mas louvam-se as intenções. Muito produtivas terão sido certamente as reuniões destes fabricantes de crises, com as quais muito lucram. Aliás, é para dar lucro que as crises são provocadas, elas fazem parte do modo de produção em que assenta o Império onde o Sol nunca se põe.

Quando as grandes centrais de uniformização mental – na gíria, agências de informação – receberem ordens para dizer que a crise já passou, poderemos ver em números que os ricos estarão mais ricos e os pobres mais pobres na mesma proporção. Esta coisa dita de crise é a mais expedita forma de transferência da riqueza dos muitos para os poucos, mas isto não se diz nos meios de comunicação social, porque é feio, nem se ensina nas universidades, porque não convém. É por estas e por outras que nos impingem, como se fossem caviar, Medinas e correlativos para nos dizerem que temos é de dar um tiro na cabeça e fugir para Espanha.

O que nem a todos parece evidente é que, enquanto se santificar o mercado, a competitividade (?) e o flibusteirismo iremos de crise em crise até à crise final.

Não falo de Portugal. Portugal já não existe, não conta, é apenas uma desculpa, como o é a Grécia e a Irlanda: rasgões na serapilheira esgarçada, a que chamam União Europeia, e que ameaça desfazer-se como se fosse uma grande Jugoslávia.


 

Abdul Cadre

abdul.cadre@netc.pt

sexta-feira, 28 de maio de 2010

EU PECADOR ME CONFESSO

Barreiro, 29 de Maio de 2010

ESTAMOS EM CRISE, diz-se por todo o lado, enquanto o Mourinho assina mais um contrato milionário. Se há quem pague, então é bom para ele, sem deixar de ser muito bom para nós, única satisfação animadora que nos cabe no meio de tanta tristeza que nos dão e ameaças que nos fazem.

Entretanto, vou até Espanha, ver a crise de lá, e não sei quando volto, ou se volto. Posto isto, desculpem-me os leitores, mas apetece-me neste momento falar apenas para os meus botões, assim a modos que em acto de contrição.

Antes de mais, quero dizer que estou muito agradecido à vida: sábia como ela é, entendeu por bem livrar-me desde o nascimento da cegueira tão comum de ter clube ou religião. É certo que não me livrou da militância política – e isso foi bom, reconheço-o – mas cansei-me de partidos, de papagaios e de formigueiros. O modo de produção dos partidos, que tantos querem ver como alicerces da democracia – desta que temos, não da verdadeira – é uma completa lástima. Ressalvo, todavia, que a política é, na sua essência, uma actividade nobre; a partidarite tribalista e carreirista é que não; é sim o atoleiro da ética, da estética e da verdade.

Perante as paixões clubistas – confesso a minha falta de tolerância – não disfarço o meu azedume, até porque não consigo sequer entender como é que alguém do Porto se diz benfiquista e um patusco de Lisboa se declara tripeiro, uns e outros dispostos a mutuamente se esgatanharem, apedrejarem e injuriarem e comungarem dos impropérios que dirigem à mãe do «gatuno». Gatuno, para quem não saiba, é um dos nomes que as gentes destas tribos dão a quem arbitra jogos de futebol.

De certo modo, algumas sequelas deste tribalismo notar-se-ão nas hostes partidárias, todavia actualmente amansadas, ordeiras e descrentes. Engraçado como os partidos com assento parlamentar, dizendo-se uns de esquerda e outros de direita, usam no assento etéreo que lhes coube uma só linguagem – o economês – que para o comum dos cidadãos é uma espécie de mandarim, cantonês, ou coisa assim.

Há uma outra ressalva que devo fazer: penso que a Religião será ainda mais nobre do que a Política, as religiões de per si é que nem sempre. Mas porque este é um campo que mexe com o mais íntimo de cada um, faço os possíveis por ter uma tolerância bem acima da média, de tal modo que, quando acordo bem-disposto, apetece-me ser budista; se acordo um tanto azedo, sinto-me um daqueles muçulmanos que os senhores das televisões nos fornecem aos gritos; se me levanto sem vontade para coisa nenhuma, chego a dizer-me «católico não praticante», à semelhança do português comum que não gosta de ficar calado. Às vezes até me sinto daquela religião muito intelectual, muito inteligente e prafrentex dos ateus, niilistas e outros negacionistas.

Curioso, nunca consigo sentir-me ou dizer-me da religião mais poderosa, comum e global que existe, a religião do mercado, onde não há crise de vocação sacerdotal e há muita gente que ascende ao céu sem precisar de morrer primeiro. Não estou a falar do Mourinho, que bem merece, que por ele nos realizamos sem fazer força. Vocês sabem em quem estou a pensar.

É claro que a maioria vai para o Inferno. É justo. Quem peca deve ser castigado.

ABDUL CADRE


 

sábado, 22 de maio de 2010

A CONTA DA FLORISTA


Barreiro, 26 de Abril de 2010
ESTE ANO, o 25 de Abril foi mais apagado do que nunca. Para este esfriamento muito contribuiu o desvio das brasas para a fogueira das paixões futebolísticas. O SLB-SLB ouvia-se mais alto e mais vezes do que o habitual 25 de Abril sempre, que os mais jovens nem sequer entendem.
Para além de tudo isto, parece que a razão principal para a falta de alor reside no facto de os muitos que se encheram de esperanças na epopeia dos cravos sempre a florir não contarem com a conta exorbitante que a florista está a cobrar.
Entretanto, a somar ao constante agravamento das desigualdades sociais, instalou-se no país um estado de loucura e chinfrineira nunca visto em 800 anos de História.
Chegámos a tal ponto que – pasme-se! – temos patrões a fazer greve, magistrados a fazer política, deputados a conspirar e até temos um sindicato dos juízes. Para a loucura ficar completa só nos falta o sindicato dos ministros, o sindicato dos presidentes da república e o sindicato dos nossos queridos deputados.
Eu digo queridos deputados, mas é evidente que gostaria de dizer outra coisa qualquer. O país caminha a passos largos para uma situação financeira e económica desastrosa, mas aqueles senhores não encontram outra coisa mais útil para fazer do que perderem horas e horas a fingir que querem saber aquilo que já concluíram muito antes de inquirirem. Querem lá eles saber se o Sócrates mentiu ou não mentiu, se sabia ou não sabia, o que eles querem é achincalhar o dito cujo, não percebendo que o Zé Povinho está bem mais preocupado com a preparação da equipa do Benfica para a próxima época.
Mas este comportamento irresponsável dos senhores instalados na Assembleia da República faz-me lembrar o dos seus colegas de há uns séculos que, enquanto os turcos tomavam Bizâncio, discutiam o sexo dos anjos, não a defesa da cidade.
No meio de tudo isto, sabemos que uma juíza ilibou um tipo que se abasteceu de combustível e fugiu sem pagar, exarando um acórdão em que dizia que não havia crime, pois que o combustível estava ali nas bombas para as pessoas se servirem.
Mais grave veio do Tribunal da Relação: que sim senhor o Dr. Névoa (ou engenheiro, não sei bem) quis comprar um vereador, mas que tal não é crime, não é corrupção. É capaz de ser apenas gentileza, não acham?
Mais grave ainda: condenado em primeira instância – o tal Névoa – foi multado em 5 000 euros, mas aquele que o denunciou foi condenado no dobro por ter chamado ao dito o que o dicionário aponta como qualificativo adequado. Eis que o crime (que não é crime afinal) compensa.
Face a isto, que diz a organização político-sindical dos juízes?
Nada. O senhor desembargador presidente desvia a conversa e propõe a extinção da Ordem dos Advogados.
No antigo Parque Mayer vi coisas bem mais engraçadas, embora menos loucas.


ABDUL CADRE

 


 


 


 

EXCITAÇÕES, ALUCINAÇÕES E FENÓMENOS INSÓLITOS

Barreiro, 15 de Maio de 2010

JÁ NÃO É a primeira vez que neste e noutros espaços, naturalmente com palavras outras, que a tabloidização geral para a qual caminhamos nos jornais, televisões e cassetes piratas se caracteriza pelo progressivo afastamento do dever e do interesse em informar, trocados pela assumpção do deleite em excitar as massas e exercer um poder desviado, espúrio e despido das virtudes que em voz alta se esgrimem e em surdina e à sorrelfa se mandam às urtigas.

O pimbismo jornalístico chega a ser nauseabundo. Sei de um tablóide popularíssimo que anda há mais de um mês a estampar todos os dias na capa, com chamada para o miolo, duas fotografias sobrepostas (para parecerem uma só) do tripeiro Pinto da Costa e da sua putativa nova namorada brasileira – nova nos dois sentidos, note-se – ocupando o espaço a dizer nada, mas escrevendo muito.

No mesmo tablóide, um responsável e colunista manda imprimir há anos e amiúde sempre a mesma crónica, onde trata a Assembleia da República por assembleia nacional e Sócrates, por quem tem um ódio figadal, por presidente do conselho e engenheiro relativo. Sempre assim, invariavelmente assim, sem outro tema.

Como para mim é evidente, mas que parece não o ser para as grandes maiorias, o jornal não tem culpa nenhuma, fabrica o que bem se vende, é o povão que assim quer. Se não fosse assim a coisa não se vendia, não é?

Da falta de liberdade de imprensa dos tempos da outra senhora caímos agora no desbocamento mais tabernoso, mais bacoco e mais irresponsável, com moços de recados por toda a parte e salteadores da honra perdida a cada esquina.

Qualquer estagiário que se preze sabe bem que o que está a dar é malhar no Sócrates e «sus muchachos», nos gestores do inimigo e nos funcionários públicos.

Ainda recentemente, uns jovens destes turcos, frustrados talvez por não terem sido admitidos na Polícia Judiciária, confundiram entrevistar um deputado com interrogar um perigoso cadastrado a monte. A resposta do referido foi péssima e já toda a gente malhou o que tinha a malhar. Pena foi ninguém se lembrar de criticar o comportamento dos entrevistadores. Não será esta espécie de jornalismo à rédea solta sem escrutínio de qualquer natureza um convite à concretização dos desejos expressos em passado recente por Ferreira Leite, aquela profecia da suspensão da democracia?

E que dizer da apatia e da falta de crítica à reunião dos doze cavaleiros do apocalipse em Belém? Tradicionalmente eram só quatro!

Gente que foi ministro e governador do Banco de Portugal pede a bênção ao Presidente da República para salvar o país do descalabro a que chegámos pelas suas mãos excelsas. Põem-se em bicos dos pés, querendo passar por extraterrestres. Eles, os culpados do nosso afundamento. Francamente, até o Pina Moura!

Fazia aqui falta aquela frase de César: «até tu, Brutus»...

ABDUL CADRE

sábado, 13 de março de 2010

O ÓDIO CEGA


Não é segredo para ninguém, muito menos para o visado, que as bases do PSD sempre detestaram o Dr. Pacheco Pereira, apenas o suportando em favor da sua penduração mediática. Ontem mais do que hoje, é certo, e amanhã redobradamente, penso eu, como consequência das vicissitudes das suas goradas estratégias de condução dos destinos do seu partido e do país.
Todavia - e ressalve-se que nunca votei PSD - vem de um tempo longo a minha atenção aos escritos de PP, tendo-me habituado a ter apreço pelas suas opiniões, mesmo quando a minha opinião era diametralmente oposta.
Acontece que, paulatinamente, o descambar da prosa pereirista para a mais estrita estratégia partidária, diminuída ainda por cima pelos maiores desconchavos que só o seu ódio de estimação a Sócrates explicam, mas a razão deplora, tornam quanto vem debitando irrelevante e insalubre.
Assim, talvez fosse aconselhável, como mero exercício catártico, o Dr Pacheco imaginar o que diria de Ferreira Leite se ela fosse a líder do PS e o que mais diria estando ela no lugar em que está o Sócrates. Depois deste exercício, poderia reflectir no paradoxo de ter escolhido Rangel para seu pião de revanche, quando os traços comportamentais deste o fazem alma gémea daquele que mais odeia: Sócrates.
A facada de Rangel em Aguiar Branco não será parecida com a de Sócrates em Alegre, nas últimas presidenciais?
Não são Sócrates e Rangel useiros e vezeiros em verdades de geometria variável?
Que pena, perder-se um bom analista e nem sequer se ganhar um sofrível conspirador.
Não há dúvida de que o ódio cega.
ABDUL CADRE