segunda-feira, 26 de março de 2012

PROFETAS E VINGADORES

Vendas Novas, 26 de Março de 2012

NA IRLANDA, em 1650, James Hurst «descobriu» que a criação do mundo aconteceu em 4004 a.C., no dia 7 de Setembro, às 9 da manhã. Comparável, mas profeta com menos rasgo do que este é aquele que os maus fados colocaram como Procurador-Geral das ordens financeiras da troica, o imponderável Gaspar. É que Gaspar profetizou o ano e o dia em que a austeridade nos conduz ao paraíso que é voltar aos mercados da usura, mas esqueceu-se de marcar a hora. Por mais que profetize, não se vai livrar de lá para Maio ou Junho lhe começarem a cobrar pelo desastre inevitável da sua política depressiva.

Dir-me-ão: mas ele é muito popular e o povo está disposto a dar-lhe a pele, se ele pedir, mesmo que devagarinho, como é seu jeito. Claro. Eu até acho que cada povo tem o Gaspar que merece. Além disto, ser masoquista não é crime e, como diz a cantiga, «Quando os mais são feitos em torresmos, não matam os tiranos, pedem mais».

Crime – e dos grandes – é dar bocas à polícia à margem das manifestações domesticadas e consentidas pelo sistema. Aos que dão bocas foleiras, há que partir-lhes os dentes e se os jornalistas estiverem a reportar os excessos policiais, levam também, que o Dr. Macedo bate palmas e, caso haja muita celeuma, far-se-á um inqueritozinho para inglês ver.

O que nos vale é a pinta de justiceiros que conhecidos vingadores têm, como é o caso do secretário-geral, presidente (ou lá o que é) do ilegítimo (mas legalizado) partido político ultramontano registado oficialmente como Associação Sindical de Juízes. Em fim de mandato, teve como última ação indecorosa apresentar queixa contra 14 ministros do governo anterior com o pretexto de mau uso dos cartões de crédito, como se não houvesse tribunal de contas, pensando talvez vir a julgar do mesmo modo que acusa. Ah, o governo do Sócrates foi-nos ao bolso, pois não perde pela demora… Seremos queixosos, acusadores e juízes implacáveis. Cá se fazem, cá se pagam.

E o povo bate palmas.

O país está preparado e pronto para a vinda de um salvador, de um justiceiro, venha ele do Vimieiro ou de Freixo de Espada-à-Cinta. Um só chefe que tudo sabe e em tudo manda.

Paradoxalmente, o grande obstáculo é a União Europeia.

 

ABDUL CADRE

segunda-feira, 12 de março de 2012

AMOR COM AMOR SE PAGA

Vendas Novas, 12 de Março de 2012

DIZ UM ANEXIM que amor com amor se paga, mas eu não sei se a mesma lógica se aplica ao ódio, à deslealdade e aos muitos outros sentimentos torpes e mesquinhos com que nos confrontamos quotidianamente.

O que eu sei é que é muito difícil encontrar alguém com a coragem e a lucidez suficientes para confessar a sua mesquinhez, a sua deslealdade ou o que quer que seja que lhe manche a alma ou possa despolir a imagem que de si quer ver enaltecida. E isto é até mais verdadeiro quando as não confessadas fraquezas são traços predominantes do seu carácter. Ou antes: confessam-se sim mas de forma indireta; ou melhor: denunciam-se quando acusam os outros daquilo que afinal escondem. É a Psicologia que o diz.

Ora, bem sabemos que não se pode confiar naquelas pessoas que a propósito e despropósito nos moem o bichinho do ouvido com estafados autoelogios: «eu cá sou uma pessoa muito sincera» ou «eu sou muito sério». Todos somos sérios quando não estamos a rir. Ser sério ou ser sincero não se prova com emblema pregado na lapela, é-se porque se é, sem darmos nós por isso, que é encargo dos outros. Os leitores acham que aqueles senhores do governo que andam com pins da bandeira nacional na lapela são mais portugueses do que aqueles que nada dependuram da lapela? Se acham, eu acho precisamente o contrário.

Não há no mundo um só que seja nascido de mulher – mesmo que lhe chamem santo – que não tenha sido agente ou reagente da sua pequena ou grande tropelia, da sua deslealdade, da sua atitude mesquinha, do seu ódio de estimação.

Então não há quem diga – e até consta das escrituras – que Jesus amaldiçoou uma figueira que não tinha frutos, apesar de não ser a época dos figos? E não andou Ele a chicotear os banqueiros, em vez de respeitar as regras do mercado?

Alguém pensa que o Relvas, quando deu ordens ao Passos Coelho para pôr o Gaspar a controlar o Álvaro pediu previamente desculpa a este?

E suponha o leitor que estava na pele do grande demónio do nosso descontentamento, esse fantasma que inventámos como desculpa para a nossa falta de civismo e cidadania e dá pelo nome de Sócrates; ia reunir-se com o Dr. Cavaco Silva, lembrava-se do triste episódio das escutas, do discurso da tomada de posse do segundo mandato, do povo não aguenta mais austeridade, dos pequenos sinais de quem inconfessadamente estava apostado em derrubar o governo sem o respetivo ónus, de quem nada fez para evitar o governo minoritário do engenheiro, para esturricá-lo em fogo lento…

Certamente que dizia para com os seus botões: para desleal, desleal e meio.

Cá por mim, fosse eu o fantasma que é o abono de família daquele tabloide que a gente sabe, chegava e dizia: «Ó Sr. Presidente, hoje, se não chover, vai estar um lindo dia».

ABDUL CADRE