segunda-feira, 29 de outubro de 2018

NO RESCALDO DO EXORCISMO BRASILEIRO

Vamos lá tentar raciocinar. Assentemos nisto: no Brasil a corrupção é muita e está instalada em todas as esferas, seja do poder político, seja dos muitos poderes fáticos, inclusive na comunicação e na Justiça.

A corrupção tem dois polos: o corruptor e o corrompido. Quando alguém paga a propina que lhe exigem, considera-se vítima, mas quando olha para um político que fez favores em troca de um favor maior, chama-lhe corrupto.

Quando os brasileiros – com alguma razão, que não toda – acusam o PT de corrupção, esquecem-se de perguntar: quem os corrompeu? Aceitam um palpite? Os mesmos que agora pagaram as mensagens massivas do WhatsApp contendo calúnias e que irão corromper o governo que toma posse em Janeiro. Como o Congresso torna impossível constituir maiorias de governação, terão de se comprar votos. Foi sempre assim, vai continuar a ser assim.

Dir-me-ão, o «Salvador» vai fechar o Congresso, ele prometeu que era a primeira coisa que fazia após a tomada de posse. É bem possível. Quem vai deliberar então? As Assembleias de Deus (que eu chamaria do Diabo)? A IURDE? A rua, com os seus 30% de evangélicos?

Como se vai debelar o crime? À bala? Quem dispara, vizinho contra vizinho ou a polícia em roda livre?

Sem de uma pessoa que visitou o Brasil várias vezes e a única vez que foi assaltada foi-o pela polícia.

Quando uma sociedade está doente a razão fica sem espaço. Quando alguém tem uma dor de dentes faz tudo para se livrar dela. Se lhe disserem para beber lixívia, bebe lixívia.

O problema do Brasil não é político, é cultural e comportamental. Podem mudar de políticos que os problemas permanecerão. Quando deram ao Lula mais votos ainda do que deram agora ao Bolsonaro era porque queriam mudança, acabar com a corrupção. A desculpa agora é a mesma. O resultado só não será o mesmo porque terá acrescentos de sangue e medo. Quando não se trata uma ferida, tratável facilmente com Betadine, pode resultar uma chaga cancerosa.

Combater a violência com violência é acrescentar violência à violência.

Liberalizar as armas?

Não precisamos ser bruxos. Ou precisamos?

De consequências há muito quem saiba, de causas nem por isso. Violência dá olho por olho, e como dizia Gandhi, olho por olho acabamos todos cegos.

quinta-feira, 25 de outubro de 2018

O DESENGOLIR DO MORTO-VIVO

Um certo morto-vivo, que demasiados portugueses ainda conhecem, a conselho do seu médico legista, perdão, de família, com a intenção de combater o seu Alzheimer, publicou mais um inútil desmemorial da tumba.

No volume anterior, como sabem, com os seus dentes de verdete mordia no seu sucessor como quem, meio engasgado, trinca bolo-rei; neste, expele veneno como se já não tivesse dentes.

De língua bifurcada, e como se estivesse possuído pelo espírito linguarudo da inefável Vera Lagoa, chama memórias à desmemória feita de fofocas, provando à saciedade que mais não pode, mesmo que quisesse. É o seu modo selectivo e perverso de descarregar, sobre inimigos de estimação, as suas frustrações acumuladas, que são muitas, exprimir o seu despeito, que é enorme e o seu espírito mesquinho, que é gigantesco.

Sem perda de tempo, a televisão balsâmica, sempre prestável para com os seus, mesmo que fora de prazo, mesmo que mumificados, levou à pantalha duas branqueadoras. Que aquilo era muito saxónico, o morto-vivo até tinha estudado na Britânia, que nós é que não estávamos habituados, que aquilo faz muita falta e é perfeitamente legítimo. Tadinhas, tão ingénuas, até faz aflição. Claro que é legítimo, se o não fosse a Procuradoria já estava a mandar o assunto para o Correio da Manha. Também é legítimo cuspir na sopa, mas causa asco, não causa? Que faz falta!? É possível. O estrume também faz falta no canteiro das flores, mas não na prateleira dos livros.

Juízos de carácter e revelação de conversas privadas (susceptíveis até de ser desmentidas) não são coisas saxónicas, são coisas apenas deselegantes e venenosas, que denunciam à saciedade a total ausência de sentido de estado, o que já não causa espanto a ninguém.

O homem ainda não percebeu que o povo português o despreza profundamente. E porquê? Porque muito portuguesmente (e não saxonicamente) lhe detesta o carácter. Esteve casado com ele e nem acredita que o esteve.

A propósito, Sr. Ressabiado, ainda se lembra (ou o Alzheimer não permite) do que fez ao Saramago, do que fez ao Salgueiro Maia?

E outra coisa: ainda tem aquele grupinho de amigos que a gente sabe?

quinta-feira, 11 de outubro de 2018

A PROPÓSITO DO PARAISO

Sempre perspicazes e muito pertinentes, os textos do nosso confrade José Flórido são – é a mais evidente das qualidades – um apelo à inteligência, o que contraria a lógica facebookista, que anda mais pela superficialidade (no seu aspecto menos doentio) e pelo confronto e pelas fake (na sua tendência).

Falava o nosso amigo no entendimento do dever ser do Paraíso, em Agostinho da Silva e quanto é difícil de entender isto nos dias que correm. Mais difícil ainda se olharmos o que se passa no Brasil, de que o nosso Mahatma foi também nacional. O ódio que ali grassa, sobretudo em grupos populacionais que se reivindicam do cristianismo, faz-nos perder toda a perspectiva de que ali sejam possíveis o bom-senso e a coesão social. O Brasil, que tem as condições naturais para ser o paraíso possível a que a exacerbação dos ódios se opõe!

Entendamos o Paraíso como a Jerusalém Terrestre e suponhamos que fica em Freixo de Espada à Cinta. É ali que podemos fundar a liberdade e o destino como uma coisa só. Pois bem, queremos lá chegar partindo da Cova da Moura. Podemos ir ao pé coxinho, em marcha, devagarinho, em maratona e até de marcha atrás, de preferência pelo trajecto mais curto. Dispensemos, por agora, os artifícios de meios mecânicos de locomoção…

Os bem-avisados munem-se de farnel, roupas adequadas, sapatos confortáveis e metem-se ao caminho. Alguns, os mais entusiastas, entoam cânticos e tocam bandolins. Vão caminhando debaixo de impropérios, alguns desistem e são a maioria.

Os que se julgam mais avisados que os mais, têm para si que o segredo é a alma do negócio e murmuram para com os seus botões: se queres chegar depressa vai sozinho, que acompanhado nunca mais lá chegas.

Mas vêm logo os que adoram o mando e a chibata e dizem aos que caminham: vá, todos de rastos, que é preciso sofrer para alcançar o Paraíso. Se algum levanta a cabeça de imediato o chicote lhe fere o lombo.

Há ainda os disparatados, os alucinados e os vendedores de incensos espiritualíssimos, cristais mágicos e milagres fáceis. Dizem que o caminho mais curto entre dois pontos é a linha curva e convencem os que vivem de se convencerem a irem pelo Sul, darem a volta ao Globo e conquistarem o Paraiso.

Estive a semana passada em Freixo de Espada à Cinta e, enquanto ali permaneci, não vi ninguém chegar. Perguntei aos locais se alguém de fora ali chegara e disseram-me que só as andorinhas, no início da Primavera.

AINDA A PROPÓSITO DO PARAISO

No viver social, tudo se confina ao destino e à liberdade, que são duas coisas que mutuamente se condicionam; a predominância de uma é a atrofia da outra. A desgraça social vem invariavelmente da submissão do destino de muitos à liberdade de poucos, mas nunca o abuso da liberdade dos poucos sobre os muitos é o mal, este é filho do medo e da rendição das maiorias.

Tudo o que existe de mal no mundo não é culpa dos maus, como muita gente diz, é culpa dos bons, que não fazem o suficiente para o debelar.

Por exemplo, quando a guerra entre o Brasil e a Venezuela se iniciar, os brasileiros não terão nenhuma razão para culpar o Bolsonaro; ele não veio de marte, é o reflexo, é a invocação, é o sentir de uma maioria socialmente doente, é o resultado de uma esquizofrenia colectiva.

É evidente que eu estou a partir do princípio que o Messias do Mal vai ser Presidente do Brasil, embora não seja absolutamente certo que assim seja. Sê-lo-á se o destino prevalecer sobre a liberdade. Então, como presidirá a um país completamente ingovernável, dominado por ódios irredutíveis e cegueira religiosa medieval – e a política é também religiosa – vai ter de continuar a apelar aos eleitores para que lhe dêem carta banca e terá de fazer o que se faz sempre nestas condições: arranjar um forte inimigo externo para catalisar o nacionalismo popular. Quem está mais à mão: a Venezuela. Por outro lado, Maduro também procura afanosamente um inimigo externo para unir as massas e levar pela arreata o exército, antes que este o apeie.

As condições estão reunidas e os dados estão lançados. Os dois Maduros – o do Brasil e o da Venezuela, o de esquerda e o de direita – têm a solução. Salvas as devidas proporções, também foi assim com Hitler e Estaline.

Sejamos optimistas: o número de mortos não será tão grande, grande será o número de arrependidos. Mas, por favor, não peçam desculpa, que as desculpas não se pedem, evitam-se.