terça-feira, 22 de novembro de 2011

MITOLOGIA PASSISTA EM CONSTRUÇÃO

Vendas Novas, 8 de Novembro de 2011

É bem possível que, espontânea ou combinadamente, esteja em construção uma mitologia passista. Perante o coro angelical de comentadores alinhados, observadores desocupados e politólogos encartados qualquer desprevenido suspeitará que ou há tramoia ou tendência para o pensamento único. Eu, que não me considero desprevenido, estou convencido que é uma coisa assim tipo toucinho entremeado, imprescindível no cozido à portuguesa.

Dado que essas luminárias – por serem-no – não podem ser tão pouco inteligentes que acreditem no que dizem, tem de perceber-se que o fazem (mentem) por alinhamento ou por um dever que consideram patriótico de construir uma mitologia que leve o povo a acreditar em gambozinos, se preciso for e agradar aos nossos colonizadores. Este é o respaldo para a delegação de poderes da França e da Alemanha que tem a aparência de governo da nação, quando não passa de uma comissão liquidatária.

Esta comissão – Relvas, Álvaro e Gaspar – é um triunvirato que nos desgoverna em nome da Europa troikista e que usa o nome do pupilo de Ângelo Correia como metonímia do pensamento que não tem nem precisa. A única ação própria e positiva que se lhe conhece prende-se com a imagem do putativo líder: escureceram-lhe o cabelo e apresentam-no agora bem penteado, pois o povo gosta de ver bem arranjadinhos aqueles que lhe vão ao bolso. Já era assim com o Sócrates, foi assim com o Cavaco e não poderia ser de outro jeito com o Passos,

Este nosso governo, amado masoquisticamente pelo povo, não tem qualquer empatia por esse mesmo povo. Para os novos estrangeirados que o compõem, é uma pena não se poder mudar de povo. Veja-se como sintomático o episódio da luminária escolhida pelo Relvas para as coisas da juventude e do desporto; o conselho aos jovens «confortavelmente» desempregados para que emigrem, uma espécie de versão moderna de se não têm pão comam brioches. Bem esteve Marcelo Rebelo de Sousa, ao pedir-lhe para dar o exemplo: sair do conforto do governo onde se aninha e emigrar.

Se quiséssemos fazer de conta que aquele que formalmente é o primeiro-ministro manda alguma coisa, podíamos arranjar uma sigla para o então quadrunvirato: PA de Passos + G de Gaspar + A de Álvaro + R de Relvas e teríamos PAGAR. Pagar o quê? A dívida externa contraída pelos Bancos (a maior fatia), pelas empresas e pelos governos, dívida que tem duplicado a cada dez anos, desde o 25 de Abril, a qual é impossível pagar, sobretudo porque durante o consolado cavaquista todo o tecido produtivo – pescas, metalomecânica, agricultura e marinha mercante – foi destruído por troca com os célebres fundos europeus. Isto é: a Europa – que o mesmo é dizer a França e a Alemanha – pagou para que nos tornássemos indigentes. Neste momento, sem precisar de pagar um cêntimo que seja – basta ajudar-nos com a corda do nosso enforcamento – ordena aos «bons alunos» que nos desgovernam que tosquiem o rebanho até à pele. Contentes por poderem obedecer, eles põem a PAGAR, não os Belmiros, Amorins e quejandos, mas aqueles que existem para que os tais quejandos existam, lucrem e gozem

UM COLAPSO INEVITÁVEL

Vendas Novas, 22 de Novembro de 2011

QUANDO aprendi Contabilidade, já lá vai mais de meio século, insistia-se na ideia de que a um débito corresponde igual valor de crédito, mas nos dias que correm parece que nos querem convencer de que os países não entram nesta lógica, que todos devem e que não há, se excetuarmos a China, nenhum que tenha a haver, o que é uma impossibilidade contabilística e aritmética. Assim, a coisa só passa como caricatura para a crise, caricatura que se reforça pelo constante esgrimir da grande ameaça que é essa espécie de espírito santo financeiro que dá pelo nome fantasmagórico de «os mercados». E já aprendemos com língua de palmo que não podemos nem devemos enervar os divinizados mercados. E o que são estes mercados, sucedâneos da crença em Deus? São o regresso daqueles que Jesus, segundo o que dizem os que creem nos Evangelhos, expulsou do Templo de Salomão, avisando que se os deixássemos regressar estaríamos perdidos. São meia dúzia de banqueiros chupistas que se abastecem nos bancos centrais a juro simbólico do dinheiro que vendem aos estados de forma onzenária. Aliás, emprestam mais de seis vezes o que vão buscar, pois criam eles próprios uma moeda virtual através dos truques do crédito, mediante aquilo que se usa chamar de moeda escritural. Um negócio das arábias!

No caso da EU a coisa tem as características do conto do vigário, mas em dimensões germano-mastodônticas. Na última década, a generalidade dos estados endividaram-se internamente em montantes colossais e os países periféricos – como é o nosso – encontram-se agora à beira do incumprimento perante o exterior.

A mensagem dos procuradores da especulação internacional e dos seus representantes em Portugal – os quatro Cavaleiros do Apocalipse (Relvas, Gaspar, Passos e Álvaro) – foi assimilada pela maioria dos portuguesas devido àquele gosto pelo sofrimento que enriquece o fado e empobrece a dignidade. Temos de sofrer e pronto. Ou prontos, como é mais vulgar dizer-se. O fado segue para património imaterial da humanidade para fazer simetria com a desmaterialização do conteúdo dos nossos bolsos. Há que empobrecer até ao nível do miserabilismo e só no fim saberemos quantos pobres foram necessários para a criação de novos ricos. Assustam-nos com a nossa saída do euro, mas o certo é que essa saída é inevitável, estamos apenas a adiar o momento. Nunca devíamos ter entrado – entrar foi um erro colossal – mas há que preparar uma saída o menos custosa possível, coisa que será bom para nós e para a Europa em que nos pendurámos como macaco à procura de banana.

Errámos, reconheçamos o erro, porque persistir no mesmo só pode ser estupidez ou masoquismo. Se não sairmos a bem e negociadamente sairemos a mal, seremos expulsos e o colapso será fatal como o destino.

Subscrevo na íntegra as teses do professor João Ferreira do Amaral que, para mal dos nossos pecados, é uma voz a clamar no deserto.

ABDUL CADRE

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

O PRINCÍPIO DA ERVA RASTEIRA

 

NO mundo globalizado e por inteiro sopram ventos de arrancar pela raiz tudo quanto parecia seguro, certo e conquistado. Não se querem árvores nem florestas, apenas erva rasteira.

Em Portugal, sob a batuta do antigo grande líder dos laranjinhas, foi montada a grande estratégia de sermos nós os primeiros a chegar ao fundo, de regredirmos até aos anos sessenta, de nos igualarmos aos chineses em horas de trabalho e tigelas de arroz. É a globalização baseada no princípio e nas virtudes da erva rasteira.

Falar em erva faz-nos lembrar os relvados dos campos de futebol. Também nos faz lembrar o Relvas e as suas ânsias, mas fica para outra ocasião; o futebol é menos azedo de tomar.

Os clubes de futebol têm claques e os partidos também. Nos partidos, as principais claques, em termos de chinfrim, inutilidade e grosseria, são as juventudes partidárias. Para mal dos nossos pecados, quer o desgoverno em exercício quer aquele que se encontra na reserva têm como comandantes, timoneiros ou lá o que seja antigos jotinhas dispostos a tentar submeter a realidade aos seus desejos inconsequentes, necessariamente às nossas custas.

Mas há outras claques. As mais perigosas são as que integram os que louvam o poder que está enquanto, saboreando croquetes, esperam e espreitam o poder que se avizinha. Afinal estes opinadores de circunstância não mudam, mesmo que tudo mude. A sua coerência reside em estar sempre do lado de quem manda ou se presume que vá mandar. Agem como domesticadores das massas insatisfeitas, para que estas se conformem e não façam ondas.

Há outras claques, que verdadeiramente não o são, e que se julga serem as mais perigosas: as dos conspiradores. Estes – conluiados ou não – inventam virtudes e defeitos àqueles que querem promover ou despromover. O maior êxito que se lhes conhece no nosso país foi a diabolização do grande culpado de todos os males do mundo, o mafarrico Sócrates que, tal como o outro Sócrates, foi obrigado democraticamente a beber a sua dose de cicuta.

Vendas Novas, 25 de Outubro de 2011

ABDUL CADRE

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

PROGNÓSTICOS SÓ NO FIM DO JOGO

 

Vendas Novas, 11 de Outubro de 2011

NA sequência do suicídio de Essenin, em sua homenagem, dizia Maiacovski num poema: «Nesta vida morrer é fácil/Construir a vida é muito difícil».

Essenin dissera nos seus últimos versos: «Nesta vida não é novidade morrer,/Mas também não é novidade viver».

Lembremos que também Maiacovski acabaria por suicidar-se.

Pelo meu lado e tanto quanto posso, o que eu gosto mesmo é de alimentar este conforto de pensar que tenho a liberdade de ir alinhando o destino ou, dito de outro modo, gosto de contribuir para o bom sucesso deste noivado do meu destino com a minha liberdade.

Não é o futuro que me guia, mas o prazer de sentir que o presente vem de muito longe e nos segreda constantemente ao ouvido que é um desperdício ficarmos sentados à espera dos acontecimentos. Quero acreditar que aquilo a que a maioria chama futuro é apenas o presente que não nos foi ainda dado presenciar; que não ocupámos ainda, razão pela qual nos não pertence. Aliás, se for sabedoria o que o povo diz, o futuro a Deus pertence.

Eu detestaria, mais do que se devo ou não levar chapéu-de-chuva, saber do dia de amanhã, mas tenho a condescendência possível — que não é muita — por quem se gaba de saber do nosso futuro pelo concerto e desconcerto dos astros. É que, quando folheamos os jornais, dizem-nos uns que já morremos, só que ninguém nos avisou, enquanto outros juram e rejuram que viveremos para além dos cem.

Há pior: há quem vá mais longe, tão longe que até profetiza, isto é, desata a vaticinar desgraças, castigos divinos, já se vê, e muita gente se assusta, se benze e se angustia. Bem ia Mark Twain com o pertinente chiste: «A profecia é um género muito difícil, sobretudo quando aplicado ao futuro».

Pois bem, o futuro — melhor seria dizer-se futuros — constrói-se a cada momento e qualquer projecção que se faça é apenas um cenário que pode ruir a todo o momento. Projectar futuros é como jogar no euromilhões, as probabilidades de acertar são equivalentes às de atirar uma moeda ao chão e ela ficar de pé. Todavia, por vezes fica.

Os piores profetas, vaticinadores ou o que se lhes queira chamar são esses senhores a quem chamam economistas e não passam de coveiros do mundo. As probabilidades de acertarem nas coisas em que os especializaram são muito inferiores à da moeda ficar de pé. Aliás, nunca se verificou da parte deles um só acerto que fosse. O que eles fazem com muita verve é discorrer sobre os desacertos. São eles os sacerdotes da crise.

Como eu aprecio aquele senhor que dizia: «prognósticos só no fim do jogo».

ABDUL CADRE