segunda-feira, 4 de novembro de 2013

MILAGRES

«A prática devocional nada mais é do que servir os outros. Nada tem a ver com desfiar o terço, com a reza ou com o hábito»

Saadi

(Versão portuguesa de Abdul Cadre)

Recuso-me a fazer parte daqueles supersticiosos que, quando estão gravemente doentes, vão ao médico e vão a Fátima: se se curam, foi milagre, se pioram é negligência médica. Mas, em boa verdade e sem falsa modéstia, não sei nem poderia saber se há ou se não há milagres, mas se os houver, então o Cosmos é bem mais iníquo do que o imaginam os azedos e os pessimistas.

Ora, os crédulos e sobretudo aqueles que o sendo ou não sendo lucram com haver crédulos, querem fazer crer aos que não são uma coisa nem outra que um Deus de humores variáveis e instável disposição altera as regras estabelecidas de acordo com a cara do freguês ou com as pedinchices e os empenhos metidos aos deuses menores, que são os santinhos de altar, tidos como mediadores seguros destas coisas. Neste politeísmo vulgar, anacrónico e abstruso, a gente reza um qualquer responso, acende umas velas e é trigo limpo: de imediato as coisas, em vez de caírem para baixo, passam a cair para cima.

Bom, isto é a modos como antigamente – lembram-se? – quando íamos a uma repartição e metíamos uma verdinha na mão do funcionário: «trate lá da coisa que eu não me esqueço de si». Bendita cunha!

Milagres? Que heresia!

A arbitrariedade, o nepotismo, o favorzinho transportados para a credulidade e a superstição constroem a insustentável crença num Deus caprichoso e subornável, confundível com um qualquer pequeno ou grande ditador, mesmo que na figura mínima de um simples manga-de-alpaca.

E há até – vejam bem! – os crentes de milagres do avesso, que são as desgraças e as catástrofes. Nestes casos, a cunha é para que se safem os que pedincham; o mal dos outros, sendo ou não castigo merecido por pecados cometidos, é com toda a certeza a vontade de Deus, que poderá estar a escrever direito por linhas tortas.

Assim – e espero que assim não seja – entre o Deus das cunhas e o Diabo sedutor haja malvado que escolha e esperto que lucre…

A minha escolha é que por mais que à minha volta aconteçam coisas maravilhosas e inexplicáveis, não as tentarei entender pelo recurso à minha ignorância, antes procurarei encontrar as razões, as causas e as leis propiciatórias das maravilhas, tendo em vista salvá-las do capricho, da arbitrariedade e inclusive do acaso.

ABDUL CADRE

NB:

Saadi é o pseudónimo do grande poeta persa do século XIII Musharrif Od-Dîn Sa'adi

quarta-feira, 24 de julho de 2013

PRESIDENTE VS. PRESIDENTA

 

Há o politicamente correcto – que tem a ver com a prática pública da hipocrisia – e há o estupidamente incorrecto, que além de ter a ver com a referida hipocrisia, tem sobretudo a ver com a ignorância militante e o sentido de andar na onda.

Provavelmente, isto aplica-se à generalidade dos povos e culturas, mas como com o mal dos outros podemos nós bem, bom seria preocuparmo-nos com o que a nós, portugueses, diz respeito.

Ora, não precisaríamos de realçar – no entanto faz sempre jeito lembrar – o quanto os palradores televisivos odeiam a língua portuguesa e o quanto, simetricamente, amam o americanês. É por isto que, quando se trata de pronunciar palavras de outras línguas, é vê-los a espremerem-se para americanamente lhes darem uma certa tonalidade de grupo de rock.

Falaremos disto noutra altura. Por agora, como a «presidenta lá dos brasis», quer boas quer por más razões, anda muito destacada nos MEDIA (como se diz em português) – e também nos mídia (como se diz em americanês) – queremos pôr em evidência a descabida controvérsia do presidenta vs. presidente.

As feministas e os feministas pós-modernos adoram dar nas vistas, de modo a que ninguém lhes aponte máculas que ponham em dúvida serem o que dizem ser. É como aqueles que, para não parecerem racistas, ao referirem-se a uma pessoa de raça preta dizem que é africano (ou africana) mesmo que tenha nascido em Coimbra, negando a africanidade aos brancos nascidos no continente que chamam negro, vá lá saber-se porquê.

Sobre a tal coisa da «presidenta», o que me faz dar voltas ao miolo é ter-se posto de moda falar de o poeta e da poeta e a palavra poetisa ter sido arquivada nos esconsos do esquecimento. Coisas. Feitios.

Bom, mas entremos no que importa. Faz tempos, o meu querido amigo e confrade das lides literárias Lauro Portugal remeteu-me um belíssimo texto demonstrativo da incorrecção de «presidenta» e do inverso quanto a presidente. Esse texto perdeu-se por aqui num emaranhado de ficheiros, mas por importante que seria transcrevê-lo aqui, trago uma compensação, um outro texto, todavia menos elaborado, cujo autor desconheço, mas que tem a mesma pertinência.

«A jornalista Pilar del Rio costuma explicar … … que dantes não havia mulheres presidentes e por isso é que não existia a palavra presidenta... Daí que … diga insistentemente que é Presidenta da Fundação José Saramago e se refira a Assunção Esteves como Presidenta da Assembleia da República.

»… Escutei Helena Roseta dizer, retorquindo a comentário de um jornalista da SICNotícias, muito segura da sua afirmação: “Presidenta!”.

… … … …

»A presidenta foi estudanta? Existe a palavra: PRESIDENTA? Que tal colocarmos um "BASTA" no assunto?

»No português existem os particípios activos como derivativos verbais. Por exemplo: o particípio activo do verbo atacar é atacante, de pedir é pedinte, o de cantar é cantante, o de existir é existente, o de mendicar é mendicante...

»Qual é o particípio activo do verbo ser? O particípio activo do verbo ser é ente. Aquele que é: o ente. Aquele que tem entidade. Assim, quando queremos designar alguém com capacidade para exercer a acção que expressa um verbo, há que se adicionar à raiz verbal os sufixos ante, ente ou inte. Portanto, a pessoa que preside é PRESIDENTE, e não "presidenta", independentemente do sexo que tenha. Diz-se capela ardente, e não capela "ardenta"; diz-se estudante, e não "estudanta"; diz-se adolescente, e não "adolescenta"; diz-se paciente, e não "pacienta". Um bom exemplo do erro grosseiro seria: "A candidata a presidenta comporta-se como uma adolescenta pouco pacienta que imagina ter virado eleganta para tentar ser nomeada representanta. Esperamos vê-la algum dia sorridenta numa capela ardenta, pois esta dirigenta política, dentre tantas outras suas atitudes barbarizentas, não tem o direito de violentar o pobre português, só para ficar contenta"».

Ora aí está e bom proveito.

ABDUL CADRE

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

RELÓGIO DE BOLSO

O meu livro Relógio de Bolso, que terá lançamento oficial público no próximo mês, encontra-se todavia já disponível em papel e em e-book no site da editora: 
Livro: http://poesiafaclube.com/store/abdul-cadre-relógio-de-bolso
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