segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

ESPELHO MEU, ESPELHO MEU...

Vendas Novas, 7 de Janeiro de 2011

COMPARAR o incomparável é coisa fácil para qualquer funambolista e só os distraídos não se apercebem que os chamados meios de comunicação social, a que eu costumo chamar de excitação social, foram ocupados por artistas destes. Artistas de circo. É por isso que se dedicam exclusivamente às artes malabares, mesmo que muita gente se engane, pensando que se trata de jornalismo ou coisa assim.

Eu sei que os presidenciáveis não ajudam muito, mas a forma como esta gente montou um circo de ruído e cuspo que transforma a campanha eleitoral em curso numa feira de Carcavelos que cobre todo o país e justifica da pior maneira os inteligentes que comparam a venda de um texto literário, por três centenas de contos, com negócios pouco iluminados de milhares de contos, entre amigos íntimos e companheiros de partido, é uma lástima.

Falo de contos porque resolvi preparar-me para o advento da antiga moeda a que o previsível colapso do euro nos irá obrigar. Não se fala disto nas presidenciais, pois não?

Eu não sei se o homem que os meios de excitação social colocaram no assento etéreo que mais ninguém alcança é sério ou não é sério. Não o conheço nem de ginjeira e, pelo que se escreve nos jornais e pelo que se debita nas pantalhas televisivas, nem eu nem os mais alguma vez saberemos. Então, só nos resta a crença e os fiéis irão sombriamente colocar os papelinhos da ilusão democrática na boca das urnas, maioritariamente e como se prevê no homem que lá no alto se assenta e sentir-se-ão sacerdotes duma eucaristia profana. A extrema-unção ainda se não prevê, mesmo que haja gafanhotos e bolo-rei no preâmbulo do plebiscito.

Não está nos meus planos ir à missa, nem nos meus hábitos pôr o sapatinho na chaminé. Por vezes encontro-me a pensar que burro velho não aprende línguas, mas há dias vi-me a pensar o contrário. Dizia a minha neta de cinco anos: sabes? O Pai Natal não existe, é apenas um homem com umas barbas postiças, dentro de um fato de pai natal.

sábado, 1 de janeiro de 2011

DESSACRALIZAÇÕES

Vendas Novas, 02 de Janeiro de 2011

quem pense – julgue que erradamente – que o homem deste tempo que passa e a sua contra-civilização são materialistas, o que pressupõe que materialismo seja o contrário de espiritualismo, mas pode bem ser que estes dois conceitos não sejam assim tão antinómicos como se acredita. Quem sabe se não se trata apenas de ângulos visão a merecerem que se pergunte: que tem de mal a matéria? Que há de bom no espírito que a ela não convenha? Não será o espírito a essência da matéria e esta a cristalização daquele?

Bom, mas ao que queríamos chegar é que ao homem actual talvez fosse mais acertado chamar de desmaterialista, ou vê-lo como um rei Midas do avesso que transforma em lixo tudo aquilo em que toca...

Este homem é um anjo terrível, um anjo de destruição, mas nada nos assegura que haja um outro melhor do que ele. Entendido assim, podemos dizer que, muito à sua maneira, é sagrado, por mais que o vejamos enjeitar qualquer noção de sagrado e rir-se de tudo o que lhe cheire a mistério, educado que tem vindo a ser para o cientismo das explicações úteis. É por isto que para ele só é digno de atenção o que seja útil, o que renda e o que dê prazer. Se alguma coisa o consome anímica e intelectualmente é a febre do Ter. O desdém com que olha qualquer apelo do Ser é a prova provada da sua missão angelical para a hora que passa.

Para esta contra-civilização que a tantos incomoda e muito poucos ousam rejeitar, podíamos encontrar uma consigna: consome, cala e mantém-te saciado que nem bichinho doméstico. E apontar-lhe até uma divindade regente: a deusa Kali, do panteão hindu.Kali

De qualquer forma, é mais do que legítimo o receio de que esta nossa civilização (?) se afogue no próprio lixo que produz.

Lixo material, por um lado, mas sobretudo lixo mental e moral, porque o mau cheiro do primeiro não deixa disposição para outra coisa...

ABDUL CADRE