sábado, 25 de junho de 2011

LIBERDADE, DEMOCRACIA E MANIPULAÇÃO

Vendas Novas, 26 de Junho de 2011

NESTE momento em que os juros da dívida externa sobem em flecha, batendo todos os recordes, talvez porque os "mercados" ainda não repararam que Sócrates, o pai de todos os males já não está no governo desta malfadada colónia europeia, a imprensa que temos — que não é má, é péssima — não dá por isso, não dá por nada, satisfeita como estará por se sentir como há muito não se sentia: o tal poder de que habitualmente se gaba e que na realidade não é nem tem, pois não vai além de câmara de eco do que é bom que se diga. Os meios de comunicação, que venho há muito chamando de excitação social, de modo algum cumprem o papel facilitador do entendimento geral do mundo e da sociedade; tornaram-se agentes com agenda própria dos poderes fácticos do mundo, agentes da reprodução do "pensamento que deve ser" para que nada mude na essência e tudo se agite em aparências.

A manipulação do sentir comum das massas tem aspectos de autêntica coação. Sobre este tipo de coação, há bastantes anos o professor Agostinho da Silva escreveu o seguinte: «…dados os meios psicológicos e materiais de que hoje se dispõe, a propaganda é de facto uma coação; e a pior das coações, porque é uma coação que se disfarça».

A coação disfarçada dos meios de excitação social saiu-se bem, mesmo muito bem na conspiração geral — eventualmente espontânea e de modo nenhum organizada (?) — contra o anterior executivo da nossa colónia, que foi sem dúvida um governo medíocre e sem chama. Resultado: excitação -1, bom senso - 0.

Neste momento, por má consciência, por incompetência congénita, jeito para carregar andores ou seja lá pelo que for, a apatia e o acriticismo instalaram-se de tal modo nos media que o modo de produção comunicacional parece ter entrado de férias, ao arrepio dos conselhos contra a crise. Talvez seja por isso que tendo nós um governo eleito e em funções formais que até agora não avançou com quaisquer medidas de governação — tem apresentado não-medidas avulsas para ouvir o povo e os media a dizerem: boa bola! — o silêncio atribuível ao tal e costumeiro estado de graça é mais profundo que o de convento em contemplação.

Talvez tudo isto faça parte da nossa decadência dentro da decadência mais geral da Europa e do mundo. Já nem sequer nos podem (nem querem) alimentar a esperança no progresso e na liberdade. Agora matraqueiam-nos o bichinho do ouvido com a crise, impõem-nos austeridade e pedem-nos contenção, isto é, em linguagem popular, que amochemos.

Por mais que a decadência europeia desta Europa que vai de S. Francisco a Vladivostoque se queira mascarar de progresso, a «crise» puxa-lhe a manta, deixando-lhe o traseiro à mostra; se por pudor de conveniência o tapa, os pés ficam-lhe de fora e, quando vier o Inverno, o resfriado será tão fatal quanto a morte. A manta é curta, o frio será muito e no mercado há falta de lenha para nos aquecermos.

Confundiu-se ontem e confunde-se hoje mais do que nunca liberdade, que é uma condição indispensável à dignidade humana com a liberdade de fazer dinheiro, que é a sua degenerescência. Com a primeira, as sociedades e os indivíduos desenvolvem-se e realizam-se; com a segunda, enriquece uma minoria ao preço do empobrecimento generalizado das massas e da corrosão do carácter de ricos e pobres.


Abdul Cadre

abdul.cadre@gmail.com


 

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