segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

RECORDOS, ACORDOS E DESACORDOS

Vendas Novas, 28 de Fevereiro de 2012

HÁ UM DOCUMENTO VIL com força de lei que constitui uma desnecessidade, uma aberração e é em si mesmo uma coisa abjeta, rasteira e anticientífica. Um aleijão, como referem alguns linguistas brasileiros. Os jornais e os empregados da política chamam-lhe acordo ortográfico, apesar de não ser nem acordo nem ortográfico e – pasme-se! – nem sequer está em vigor, como muito bem diz Vasco Graça Moura. E não está por duas ordens de razões: não foi até ao momento publicado o vocabulário previsto e, sendo um «acordo» internacional, não pode vigorar na ordem interna se não vigorar na externa. Ora, Angola e Moçambique, ao que parece, vão denunciar esta trafulhice linguística que foi parida por gente que odeia profundamente a Língua Portuguesa. Gente com hábitos de tabuada, como diria Bagão Félix. Não que saibam a tabuada de cor, basta-lhes usá-la nas suas maquinetas de bolso «made in China». É com a tabuada que tudo gerem, porque tudo é número e cifrão e pessoa pouco ou nada conta.

Digo tudo isto e estou aqui a deixar que o corretor do Bill Gates me altere a ortografia portuguesa para a do Malaca Casteleiro, que foi apoiada por todos os partidos do sistema, com muito escassas e honrosas exceções individuais. E vejam bem: antigamente podíamos distinguir CORRETOR (aquele que faz corretagem) de CORRECTOR (aquele que corrige), agora é tudo igual ao litro.

Bem avisado andou o Jornal de Angola que, em editorial, na sua edição de 8 de Fevereiro último se atirou ao acordo como gato a bofe. Para além de denunciar o absurdo de querer unificar aquilo que deve ser plural, diz claramente que «há coisas na vida que não podem ser submetidas aos negócios, por mais respeitáveis que sejam». À tabuada, dizemos nós e diz o Bagão Félix.

Este aleijão, linguisticamente mal feito, impingido politicamente porque sim, culturalmente inexplicável, compreende-se que seja esgrimido pela rapaziada do pin nacionalista na lapela e dos seus apoiantes.

Compreende-se na terra do tanto faz, na terra onde se consegue dizer que para vivermos melhor temos de empobrecer, que ter fome é ser piegas e querer brincar ao Carnaval é ser preguiçoso. E a erroneamente dita comunicação social não só os desculpa como os louva. Já não há cães de guarda.

Já nem o Marcelo mistura crítica com recado, agora é só recadinho e apoio, preparando-se para a presidência da república. O Marques Mendes – esse – bem agarrado ao acordo já confunde pó com popó. Num dos seus comentários televisivos ficou contentíssimo com o louvor de João Salaviza ao governo, não percebendo a ironia. O realizador de Rafa queria dizer precisamente o contrário daquilo que Marques Mendes gostaria que ele tivesse dito.

E viram o alarido que o ex-emigrante canadiano fez na Assembleia da República? Tendo um deputado do PCP posto em causa os seus saberes académicos, o homem passou-se. Desatou a choramingar: «o Sr. deputado está sempre a denegrir os emigrantes, eu tenho muito orgulho de ser emigrante…»

Era tão bom que o homem se deixasse de pieguices, abandonasse a sua zona de conforto e nos desamparasse a loja!...

ABDUL CADRE

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