sábado, 25 de julho de 2009

ARMAR AOS CÁGADOS



NÃO SEI se a actual ministra da saúde dá ou não boa conta do recado. Haverá, naturalmente, quem diga que sim e haverá também quem diga que não, o que, aliás, tanto se me faz como se me fez. Gosto do seu ar sereno, e pronto.
Faz para aí uns quinze dias, uma daquelas jovenzinhas presumidas que o numerus clausus conduziu despejadamente à situação de repórter estagiária televisiva, excitada com a gripe que está na moda e querendo excitar os telespectadores, massacrava assim a serena senhora: «mas não acha que é muita irresponsabilidade do seu ministério não serem tomadas medidas face a esta epidemia?»
Com paciência inexcedível e delicadeza que a inquisidora não merecia, a ministra lá lhe foi explicando aquilo que ela não tinha disposição para entender, porque outra era a sua vocação e propósito. Vá lá que, querendo a prevaricadora voltar à carga, alguém teve o bom senso de lhe cortar o pio.
Lembrei-me disto porque, uns momentos antes de começar a gatafunhar esta crónica, estava eu a ver as notícias televisivas e lá aparecia a Dr.ª Ana Jorge a ser massacrada de novo, não sei se pela mesma estagiária, com os sustos da gripe que muitos teimam em chamar suína. Já cansada com tanto chover no molhado e dado que a jovem excitadora social não desarmava, a ministra sai-se com esta: «está bem, está bem, mas olhe que isso de quarentena é coisa que já não se usa; sabe o que quer dizer quarentena? Quer dizer quarenta dias.»
Gostei, Sr.ª Ministra. Mas essas coisas são uma perda de tempo porque gente assim, tão esfomeada por promoção e desejo insaciável de excitar a plebe, não aprende nem quer aprender. Se for qualquer coisa em inglês, vá que não vá, que sempre dá para armar aos cágados. Isto agora é assim, mas devemos esperar que se torne bem pior. Então não é que passaram de ano cem meninos coitadinhos tão engraçados com oito negas? Pois, para não se sentirem frustrados, diminuídos, ou coisa que tal das pedagogias da treta.
Não faz muito tempo, dizia eu para uma alinhadora de prosas, que não escreve uma única página sem a carregar de cabides, rodriguinhos e palavras de abuso, como caos, hecatombe, escândalo: sabes qual o significado original de hecatombe? Morte de cem bois. Evita essa palavra, que desvirtua o que se quer dizer. «Lá estás tu com as tuas manias», disse-me ela, como quem espeta navalha.
É por estas e por outras que nos aparecem os locutores a debitar coisas assim: «Já morreram 130 pessoas graças à gripe suína». Eles não sabem – se fosse inglês, talvez soubessem – que, no contexto, graças quer dizer dar graças, agradecer as Deus; agradecer desgraças só pode ser ignorância ao masoquismo.
Como o inglês é que está a dar, toda a ignorância que o ultrapassa se compensa enrolando a língua. Por exemplo, usar provincianamente o termo saxónico BEIJING em vez do mais antigo e fácil de pronunciar PEQUIM. Sublinhe-se que os portugueses chegaram primeiro àquelas paragens.
Pelos piores motivos, pôs-se de moda falar do SINQUIÃO, embora nenhum jornal, televisão ou cassete pirata use este termo; todos acham que é mais fino atirar com algo de impronunciável e arrevesado: XINJIANG, que é a transliteração para o inglês dum termo mandarim que quer dizer «nova fronteira». Também se podia usar, com este mesmo significado e propósitos de dar nas vistas o equivalente manchu, que é ICE JECEN, mas eu, sendo português, prefiro o velhinho SINQUIÃO, nada tendo contra outras expressões para o mesmo território, que é a maior região autónoma da China, tais como Turquestão Chinês, Turquestão Oriental ou Uiguristão. Tudo menos esse aberrante termo impronunciável. E sabiam que, se se pronunciasse correctamente, deveria dizer-se CHINE DJI AM?
Se calhar, também eu estou a armar aos cágados.
ABDUL CADRE

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