sábado, 11 de julho de 2009

PORTUGAL DE VERDADE

LBR/COL JORNAL DO BARREIRO
3017 JDB
11 JULHO 2009

Barreiro, 11 de Julho de 2009

QUANDO TRANSPUSEMOS os portais deste terceiro milénio, eram muitos os que de olhos em bico e mãos de prece gritavam «eis aqui a Nova Era», em que tudo seria novinho em folha, a atmosfera estaria impregnada de patchouli e toda a gente usaria malmequeres nos cabelos.
Ora, o que se constata (e não precisava de ser constatado) é que todo o novo é sempre velho ou, como diria Salomão: nada de novo debaixo do sol. Dizendo as coisas mais claramente: cada um de nós, todas as sociedades, todas as nações estão inapelavelmente ajoujados com o peso das gerações mortas.
Quando entrámos, a maioria de nós trazia pela mão os sonhos de quem dorme e as esperanças de quem espera e não se mexe, porque afinal, se acordados os primeiros, outro seria o sonho; se em acção os segundos, outra qualidade teria a esperança e bem diferente seria o mundo.
Entrámos e ainda se ouvia o Geraldo Vandré a cantar, embora já rouco e para orelhas de cera:
«Vem, vamos embora,
que esperar não é saber,
quem sabe faz a hora,
não espera acontecer
».
Ninguém lhe ligou a sério, porque todos tinham o rabo do olho na televisão mais ratinha da nossa praça, a inefável TVI e os ouvidos entupidos de excessos metálicos e piadas grosseiras.
Por esse mundo fora, nas outras TVI, era o mesmo ou ainda pior.
Nada do que se esperava veio e a verdade que, por sinal, nem sequer era esperada, aliás, ninguém queria que viesse, é evidente que não veio. Foi muito falada, mas não veio, esgrimiu-se apenas para deixar apreensivos os medrosos. O que veio mais tarde foi a chamada crise, que é o nome que se dá a uma situação em que o valor da roubalheira é superior a tudo o que foi roubado.
Há quem diga que, de tanto ser violada, a verdade acabou por engravidar e que dessa cópula pecaminosa veio ao mundo uma degenerescência viscosa e verde que se espalhou por aí, tornando-se uma crença plural e avulsa para uso de conveniência e bom proveito na rádio, nos jornais e em tudo o mais que serve à excitação social e à doutrinação dos povos, para que creiam que o mundo é assim e não pode ser diferente nem no campo da imaginação.
Os políticos que embora com muita parcimónia ainda vinham usando umas pitadas de verdade verdadeira, sabendo de fonte secura que a degenerescência viscosa não prejudicava o colesterol, perguntavam-se: somos parvos, ou quê?
Eles sabem perfeitamente que o verde é verdete, mas sabem melhor ainda que quem não o usa não tem do povo as palmas e muito menos os votos, porque o povo ama o verdete como a osga adora o muro. É por isso que, apesar da crise, se ouve gritar nas esplanadas: sai uma coisa mais ou menos e outra assim-assim.
É que a verdade em cada dia da semana é mais deprimente que velório num domingo.
Que se fale verdade num velório, vá que não vá, mas em campanha eleitoral será tempo perdido e, pelas últimas tiradas da Dr.ª Ferreira Leite, já percebemos que ela percebeu, só lhe falta pôr o povo a bater palmas e esperar pelos votos na urna dum qualquer velório de domingo.
ABDUL CADRE

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