segunda-feira, 23 de abril de 2012

«QUANDO A PÁTRIA QUE TEMOS NÃO A TEMOS»

Vendas Novas, 23 de Abril de 2012

ESTIVESSE ainda Sophia entre nós, e talvez repetisse o seu amargurado verso de 1958: «Este é o tempo em que os homens renunciam».

Referia-se a poetisa ao tempo que cada vez menos gente recorda, porque o esquecimento é simultaneamente um bem e um mal consequente ao renovar das gerações. Dado que ela não pode repetir esse verso, eu peço-lho emprestado, porque este toque de finados a tudo o que o 25 de Abril significa e tem ainda por incumprido anseio traz de penitência os portugueses a quem vão confiscando os salários e de olhos fechados e coração gelado os cínicos que usam bandeiras nacionais na lapela.

É o tempo em que os vencedores do contragolpe do 25 de Novembro completam a sua obra, indo mesmo além do seu desejo inicial, tal como estão indo além das ordens da troica no jeito que lhes é próprio: atentos, veneradores e muito obrigados.

Para quem era já era adulto há quarenta anos e viveu os últimos de silêncio sepulcral daquele «estado novo» que morreu de velho – É certo que empurrado pelos capitães de Abril – a chamada «Revolução dos Cravos» foi bem um abrir de janelas viradas ao sol, uma explosão de consciência; para aqueles que nasceram depois, a data não passa de algo de significado quase esotérico que só os «cotas» parecem entender ou desentender, de acordo com as suas particulares idiossincrasias, condimentadas pelos caprichos do tempo. Foi por isto que nem todos os «cotas» se sentiram (parafraseando Mello Breyner) «livres habitantes da substância do tempo», nem o acontecimento foi para todos «a madrugada esperada, o dia inicial inteiro e limpo».

Esta rendição popular seria igual às muitas rendições que os tempos trazem no ventre, não fora a vitória inicial ser uma promessa carregada de sentido e alcançável com um mínimo de intenção a que não bastasse o slogan e o era tão bom não era.

O processo revolucionário que se seguiu ao golpe militar – o chamado PREC – poderia ter tido um desenvolvimento progressivo, plural e fraterno, mas, por virem da noite escura para o dia claro, os muitos assim ofuscados deitaram tudo a perder. Além disso, estas coisas não se fazem por encomenda, são movimentos sociais vivos, não são chás dançantes.

Atualmente há um outro PREC, de natureza inversa ao anterior. A este, que cavalga a crise, esperamos nós que igual destino lhe reserve o tempo e a história.

Prometiam os militares de Abril levar a cabo três coisas, que até não seriam assim tão ambiciosas, os célebres três DDD: descolonizar, democratizar e desenvolver. Ora, verdadeiramente só o primeiro foi concretizado; os outros ficaram-se pelos sucedâneos. A democracia foi reduzida ao sufrágio e o desenvolvimento, que fez muito pelas vias de comunicação e pelo saneamento básico, pouco fez pelas mentalidades e pela cidadania. Feitas as contas, lucraram muito os que sempre lucram, apanharam umas sobras os mais.

Dos ganhos sociais havidos – ensino, saúde e segurança social – encarregam-se agora os vencedores de servir bem fria a vingança que os satisfaça.

Eis que «a pátria que temos não a temos». Todavia, isto é provisório. Na vida e na história tudo é provisório

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