segunda-feira, 9 de abril de 2012

APONTAMENTOS SOLTOS PARA UM ROMANCE PIMBA

Vendas Novas, 9 de Abril de 2012

O DEPUTADO do PCP Honório Novo – e sabemo-lo porque ele o disse – tem um gato que se chama Gaspar, nome mais vulgar em gatos do que muitos possam pensar. Tanto assim deverá ser que também na minha família habita um bichano com o mesmo nome, o qual, atendendo aos costumes da generalidade dos gatos, tem uma característica (ou um vício) que muito o diminui: em vez de ir ao caixotinho de areia, faz as necessidades por onde calha, pouco ou nada se ralando com os incómodos que causa a quem lhe paga a paparoca. Eu bem aconselho os donos a darem-lhe o tratamento clássico para esta falta de asseio, mas dizem-me que coitadinho e que era mau para os bigodes, que ficariam sujos.

Este defeito (ou vício) no pobre felino, se fosse em humano dedicado às finanças, equivaleria a nunca acertar no caixote, isto é, nas contas, que é o que acontece com um certo Gaspar que trabalha em ponto morto e discursa ao ralenti, dado que imagina que ninguém o percebe, no que tem toda a razão, não por defeito nosso, mas dele. São tudo coisas da natureza e não há nada a fazer. O que não é da natureza e me deixa um tanto apalermado é o deputado Honório lamentar-se por não poder conversar sobre economia com o seu Gaspar de estimação e, à falta de menos mau que gato, tentar fazê-lo com o seu Gaspar de embirração. Gabo-lhe a pachorra. É que se um não entende nem se espera que entenda, o outro, mesmo que o possa (o que não é líquido), não quer nem lhe convém. Talvez, quem sabe, Honório Novo acabe por concluir que Gaspar por Gaspar antes o outro, porque de nada adianta gastar cera com ruim defunto, nem latim a falar para o boneco, salvo seja.

Faz muito tempo já, diziam certos adversários de hoje e de ontem do pensamento de Honório Novo que, na pátria inspiradora do seu pensar, talvez não se comessem criancinhas vivas, mas que se despachavam os velhos com uma injeção atrás da orelha, lá isso despachavam, olaré.

Bem vistas as coisas, aqui nesta colónia chamada Portugal, não seria despiciendo pensar-se no assunto. Seria até uma solução que em nada destoaria da política geral do governo eleito pelo nosso povo durante um ataque agudo de masoquismo. O único problema, ao que parece, é a falta de verba para seringas e remédio para os ratos. Por isso e por via da crise que só a austeridade cura, os velhinhos que não possam pagar as chamadas taxas moderadoras imoderadas que aguentem pianinho, porque com ou sem injeção a morte sempre vem. Como diz o Gaspar, não o gato mas o outro, não há dinheiro e pronto. Aos velhinhos que não entendam isto, como explicar-lhes o que é a crise?

Crise?

Esta coisa a que chamam crise é um particular modo de produção da riqueza que consiste em transferências à bruta dos pobres para os ricos, o mais que se possa e não possa, que a vida é curta.

Na semana passada, num seu editorial, o diretor do Diário de Notícias condoía-se com o empobrecimento das classes laborais entre 20 a 30 por cento, sem perceber o outro lado do problema e não posso crer que ele não conheça os princípios básicos seja dos negócios, seja da sua contabilização: se há quem perde, há correspondentemente quem ganha; a um débito corresponde sempre um crédito, e vice-versa. Não é bem o princípio dos vasos comunicantes, porque a sê-lo o fluxo seria dos ricos para os pobres, para acertar o nível, e não como está a acontecer.

E o que está a acontecer está completamente certo porque é aquilo que o povo quer e as sondagens bem sublinham.

E como se sabe sem qualquer margem para dúvida e há anos anda em letra de forma num célebre tabloide do povo, o culpado de tudo é esse demónio terrível chamado Sócrates. Ora, nem eu nem Honório Novo temos gato ou conhecemos gato com semelhante nome. Sócrates é uma outra forma de dizer Belzebu.

ABDUL CADRE 

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