Chamamos democracia a um sistema político que tem por base um sufrágio universal e que teoricamente seria o governo do povo, pelo povo e para o povo. Certamente que, de uma forma geral, nos países isentos de chapelada, o sufrágio funciona. É um facto, mesmo que corroído pelos sindicatos de voto e prejudicado pelas manipulações mediáticas. Mas será que a base do sistema justifica o sistema?
Quando se fala disto, logo os que não gostam que se fale
disto nos vêm com o Churchill a dizer que "a democracia é o pior dos
regimes, à excepção de todos os outros", frase tonta, dita certamente ao
fim da tarde, por entre os vapores que ficaram da garrafa de whisky já despejada.
Note-se que eu me estou
a referir a democracia, pura e simplesmente, não a democracias, nem a
democracia com qualificativo, como popular, directa, etc.
A democracia, como em uso nos chamados países ocidentais,
apelidada muitas vezes de liberal, tem o seu pecado original no apelo ao umbigo
e no desprezo pela solidariedade. É essencialmente uma ideologia das classes médias
bem-pensantes, muito distante agora da velha consigna Liberté –
Egalité – Fraternité, ideal que não perdeu a
validade, antes se impõe, mais do que nunca, apesar do adormecimento que o frenesim
liberal provoca nos desejos de segurança e da rendição perante o darwinismo
social. Há quem chame a atenção para a dificuldade de conciliação entre
liberdade e igualdade, mas a principal dicotomia não é esta, é entre segurança e
liberdade, e temos a experiência histórica de quão mal correu a implantação do chamado
socialismo real, onde em nome da segurança se perdeu a liberdade e a perda
desta teve como consequência a inaplicabilidade da outra.
De qualquer forma, face ao abismo criado entre os muito ricos
e os muito pobres nos países ditos desenvolvidos, está escrito no vento que a
nossa decadência e o colapso social estão em contagem decrescente e assim, ESTA
COISA tão louvada e tão em uso, chamada pelo que verdadeiramente não é, isto
que visa ao relaxamento geral e, irreflectidamente por uns, perversamente por
outros se nomeia de democracia, esta espécie de culto ao Pai Natal, que eu
chamaria de ditadura totalitária do mau gosto e do mau cheiro é a pior das
drogas conhecidas. Se ainda houver lugar para a esperança, devemos cuidar – devíamos
cuidar – de que não cause habitação irreversível e esperar que a nossa actual
dependência não nos seja letal, que venha uma ressaca boa seguida de um nunca mais.
Esta malignidade sub-reptícia e hipócrita de que o deus
mercado depende como o caruncho depende da madeira; esta religião que ao
mercado incensa, esta magia negra que nos corrói a alma, destrói a liberdade
pela libertinagem, a dignidade pelos jogos prostibulares, o pensamento pelo
pronto a dizer, a convivência pela robotização, a alegria pelos seus
simulacros, pelos reality
shows...
... Esta domesticação fanática e auto consentida usa a nossa
rendição para criar um sistema ficcional onde os mortos-vivos se alimentam de
pipocas e os cadáveres adiados nem sequer procriam, limitam-se a beber da taça
das abominações como se cada um – como se todos – fosse a grande prostituta de
Babilónia.
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