UM ESCONJURO DA 25ª HORA
Nós somos os filhos bem-nascidos e bem perfilhados de uma
cultura belicista. Antes de mais, porque a guerra sempre foi um excelente
negócio e a violência a mais usada apologia da virilidade. São de violentos, em
quase toda a parte, as estátuas mais imponentes que enfeitam as grandes praças
das grandes cidades. Os pombos, na sua bendita filosofia, dão-lhes o tratamento
adequado. As mães, não. As mães, na sua missão de perpetuar os nossos vícios,
dizem aos meninos: aquele é que é o tal herói.
Em muitas ocasiões do nosso conturbado percurso histórico se
deu razão à sentença «se queres a paz, prepara a guerra», mas nos nossos dias
foi-se mais longe: fazem-se guerras ditas preventivas, agravadas pela
iniquidade e pela cobardia de serem assimétricas. O preceito, se levado até às
últimas consequências, implicará a guerra total de quem se entenda mais forte
contra todos aqueles que, sendo fracos, se presuma que possam a qualquer
momento se tornar perigosos, o que, em tese, não contempla excepções, porque é
uma evidência que todos – indivíduos e nações – somos perigosos. Sempre fomos
perigosos. Acresce que a guerra comporta em si o saque, nas suas diferentes
nuanças, o que a torna um grande negócio. Foi assim no passado e é hoje mais do
que nunca.
Para se fazer a guerra, um pouco de loucura agressiva ajuda
muito, mas não é suficiente, porque as guerras fazem-se sempre com vista à
rapina e à conquista, coisas demasiado normais no cadastro humano.
Precedendo-as e preparando-as é sempre bom arranjar um leque de justificações
(necessariamente enviesadas) e apelos moralizadores. Mas sendo hoje o tempo dos
pequenos homens, bastam toscas mentiras para arrastar a corte reverberal que
nos há-de martelar o bichinho do ouvido até à surdez. Depois, seguem-se os
decretos como água benta de limpar todo o pecado e bulas de cocaína para nos
adormecer.
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