domingo, 22 de maio de 2022

UM ESCONJURO DA 25ª HORA

 UM ESCONJURO DA 25ª HORA

Nós somos os filhos bem-nascidos e bem perfilhados de uma cultura belicista. Antes de mais, porque a guerra sempre foi um excelente negócio e a violência a mais usada apologia da virilidade. São de violentos, em quase toda a parte, as estátuas mais imponentes que enfeitam as grandes praças das grandes cidades. Os pombos, na sua bendita filosofia, dão-lhes o tratamento adequado. As mães, não. As mães, na sua missão de perpetuar os nossos vícios, dizem aos meninos: aquele é que é o tal herói.

Em muitas ocasiões do nosso conturbado percurso histórico se deu razão à sentença «se queres a paz, prepara a guerra», mas nos nossos dias foi-se mais longe: fazem-se guerras ditas preventivas, agravadas pela iniquidade e pela cobardia de serem assimétricas. O preceito, se levado até às últimas consequências, implicará a guerra total de quem se entenda mais forte contra todos aqueles que, sendo fracos, se presuma que possam a qualquer momento se tornar perigosos, o que, em tese, não contempla excepções, porque é uma evidência que todos – indivíduos e nações – somos perigosos. Sempre fomos perigosos. Acresce que a guerra comporta em si o saque, nas suas diferentes nuanças, o que a torna um grande negócio. Foi assim no passado e é hoje mais do que nunca.

Para se fazer a guerra, um pouco de loucura agressiva ajuda muito, mas não é suficiente, porque as guerras fazem-se sempre com vista à rapina e à conquista, coisas demasiado normais no cadastro humano. Precedendo-as e preparando-as é sempre bom arranjar um leque de justificações (necessariamente enviesadas) e apelos moralizadores. Mas sendo hoje o tempo dos pequenos homens, bastam toscas mentiras para arrastar a corte reverberal que nos há-de martelar o bichinho do ouvido até à surdez. Depois, seguem-se os decretos como água benta de limpar todo o pecado e bulas de cocaína para nos adormecer.

Mas, no estágio actual do mundo, e considerando os meios destrutivos que desenvolvemos, se a guerra for levada até às últimas consequências nenhuma nação beneficiará em definitivo dos seus réditos, nenhum indivíduo terminará vitorioso, todos sairemos derrotados: extinguir-nos-emos. Então, conviria tratarmos de ser inteligentes e convencermo-nos que estamos condenados, mesmo que a condenação não seja pelos melhores motivos, a implementar uma cultura de paz e integração do outro e da diferença. Aqui, talvez o nosso medo e a nossa muita cobardia possam tornar-se inesperadas virtudes. Mas se prevalecer a irracionalidade das “virtudes” guerreiras: agressividade, violência, cupidez, desumanidade, talvez estejamos em vésperas de acontecimentos de que nenhum cronista falará, 

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