sexta-feira, 4 de novembro de 2011

PROGNÓSTICOS SÓ NO FIM DO JOGO

 

Vendas Novas, 11 de Outubro de 2011

NA sequência do suicídio de Essenin, em sua homenagem, dizia Maiacovski num poema: «Nesta vida morrer é fácil/Construir a vida é muito difícil».

Essenin dissera nos seus últimos versos: «Nesta vida não é novidade morrer,/Mas também não é novidade viver».

Lembremos que também Maiacovski acabaria por suicidar-se.

Pelo meu lado e tanto quanto posso, o que eu gosto mesmo é de alimentar este conforto de pensar que tenho a liberdade de ir alinhando o destino ou, dito de outro modo, gosto de contribuir para o bom sucesso deste noivado do meu destino com a minha liberdade.

Não é o futuro que me guia, mas o prazer de sentir que o presente vem de muito longe e nos segreda constantemente ao ouvido que é um desperdício ficarmos sentados à espera dos acontecimentos. Quero acreditar que aquilo a que a maioria chama futuro é apenas o presente que não nos foi ainda dado presenciar; que não ocupámos ainda, razão pela qual nos não pertence. Aliás, se for sabedoria o que o povo diz, o futuro a Deus pertence.

Eu detestaria, mais do que se devo ou não levar chapéu-de-chuva, saber do dia de amanhã, mas tenho a condescendência possível — que não é muita — por quem se gaba de saber do nosso futuro pelo concerto e desconcerto dos astros. É que, quando folheamos os jornais, dizem-nos uns que já morremos, só que ninguém nos avisou, enquanto outros juram e rejuram que viveremos para além dos cem.

Há pior: há quem vá mais longe, tão longe que até profetiza, isto é, desata a vaticinar desgraças, castigos divinos, já se vê, e muita gente se assusta, se benze e se angustia. Bem ia Mark Twain com o pertinente chiste: «A profecia é um género muito difícil, sobretudo quando aplicado ao futuro».

Pois bem, o futuro — melhor seria dizer-se futuros — constrói-se a cada momento e qualquer projecção que se faça é apenas um cenário que pode ruir a todo o momento. Projectar futuros é como jogar no euromilhões, as probabilidades de acertar são equivalentes às de atirar uma moeda ao chão e ela ficar de pé. Todavia, por vezes fica.

Os piores profetas, vaticinadores ou o que se lhes queira chamar são esses senhores a quem chamam economistas e não passam de coveiros do mundo. As probabilidades de acertarem nas coisas em que os especializaram são muito inferiores à da moeda ficar de pé. Aliás, nunca se verificou da parte deles um só acerto que fosse. O que eles fazem com muita verve é discorrer sobre os desacertos. São eles os sacerdotes da crise.

Como eu aprecio aquele senhor que dizia: «prognósticos só no fim do jogo».

ABDUL CADRE

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