quinta-feira, 11 de maio de 2017

A LIBERDADE EM GLOBALIZAÇÃO

V. Novas, 11 de Maio de 2017

Substituída que foi pela conveniência, a moral havida encontra-se moribunda, nesta nossa sociedade que, para o bem e para o mal, levou o primado do indivíduo ao trono da liberdade. Provavelmente, a conveniência sempre foi a regra de qualquer moral, em qualquer contexto e em qualquer tempo, nós é que temos o mau hábito de fazer projecções idealistas, confundido o que é com o que pensamos ser, ou que deveria ser.

Mas deixemos isso, falemos dos dias de hoje, onde o indivíduo pode tudo sem quaisquer pruridos de moral, nem polícia à perna, desde que não atente contra as conveniências implantadas, todas elas de carácter mercantil, que é a nova sacralidade da religião global chamada de mercado.

O indivíduo pode tudo, e o estado moderno, que substituiu a velha sacralidade por esta mais actual, que o dinheiro benze, pouco se preocupa com o que o cidadão pensa ou a moral que usa, preocupa-se sim é com os grãos de areia que possam afectar a engrenagem cada vez mais fria e cada vez mais distante.

O pensamento único instalado tornou-se o contrário do que dantes se entendia por pensamento, é um rolo compressor invisível que mata qualquer veleidade de pensar fora dos carris do massivamente aceite, pelo que o primado do indivíduo nada tem a ver com ser único e irrepetível, mas com o número fiscal (ou outro) de que cada um seja réu. Finalmente temos o indivíduo-massa, o indivíduo clonado, auto-satisfeito por julgar que faz o que quer, que é livre. Este indivíduo perdeu a capacidade de querer, apenas deseja o que o pensamento único lhe agrafou aos instintos. O homem-massa dá lucro, é útil, vota e paga impostos. Pode, e dantes não podia, injuriar qualquer capataz do sistema, porque isso não prejudica o mercado, antes pelo contrário, e serve de válvula de compressão, para evitar problemas na caldeira.

É evidente que o que eu digo aqui só merece o desprezo dos crentes e a indiferença dos que pensam como é suposto que devam pensar e controlam por procuração todos os modos de pensar. A maioria chamará a este desmundo progresso, louvará as instituições, reafirmará que isto é assim porque não pode ser de nenhuma outra maneira, é a maturidade geral das sociedades modernas, rumo à globalização e à diluição do estado. Acreditar-se-á até num pronúncio de novas e promissoras formas de relacionamento. Engano.

O estado dilui-se no que concerne aos interesses dos mais frágeis e fortifica-se no enaltecimento e rédea larga para os crupiês e premiados do jogo. Paradoxalmente, o estado é hoje mais poderoso e omnipresente do que nunca e leva os seus instrumentos de propaganda e reprodução do sistema ao requinte do reflexo condicionado, infalível e consentido, numa lavagem aos cérebros que torna os indivíduos completamente descaracterizados, previsíveis, apáticos e descartáveis. Ou seja, o primado do indivíduo tornou-se o primado do indivíduo-padrão, usado na clonagem do homem-massa.

Abdul Cadre

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