quarta-feira, 22 de agosto de 2018

DA HIGIENE MUNDANAL MÍNIMA

Não havendo, apesar dos esforços da castração globalizante, que de tudo quer fazer tábua rasa, dois homens (ou mulheres) iguais, , não consigo imaginar o que seja o cidadão ideal do século XXI. Além do mais, tenho imensa dificuldade em aceitar estereótipos. Por exemplo, quando me dizem que os Beirões são muito teimosos, respondo habitualmente que há os que são e os que não são.

Digo estas coisas porquê? Porque quero comunicar com o mundo? Não! Quero apenas comunicar comigo, única pessoa com quem vivo, desde que me conheço, 24 horas por dia. Penso que é uma perda de tempo tentar comunicar com o mundo; o mundo é que deve comunicar connosco, se o não faz é porque lhe não fazemos falta, é sinal de que o mundo está rico – ainda bem para o mundo – e nós somos excedentários. Ainda mal para nós.

Se sentimos muita falta, se nos sentirmos incomodados por não sabermos, não podermos ou não nos deixarem comunicar com o mundo, então alguma coisa está mal connosco e em nós, não necessariamente com o mundo (ou no mundo).

O facto de estarmos no mundo não torna obrigatório que lhe pertençamos, apenas nos deve predispor a imaginar o que queremos para o mundo. Ora, como o significado etimológico de mundo é LIMPO, antónimo de imundo, a nossa obrigação é, antes de mais, limpar o que sujamos, depois, limpar também à nossa porta o que os outros sujem e não queiram limpar.

De harmonia com esta óptica, o remédio para repor a ordem anterior à queda do tabuleiro de xadrez e ao esparramar de peões, cavalos e bispos é precisamente apanhar o tabuleiro e colocar as peças nos seus lugares.

Quem o deve fazer?

Deve fazê-lo aquele que mais deseje que o mundo seja um lugar limpo.

Aqui há uns bons anos, costumava eu usar quotidianamente a travessia do Tejo entre Barreiro e Lisboa. Em uma dessas viagens, vinha de conversa com um velho amigo que estivera na guerra comigo, quando ambos nos apercebemos que um outro passageiro rasgava um papel em pequenos pedaços, deitando-os para o chão. O meu amigo levantou-se e foi apanhar os pedaços um a um e, enquanto os metia no bolso, perguntava ao prevaricador: não lhe fazem falta, pois não?

Nessa ocasião, o barco ficou mais limpo e o mundo mereceu o nome que lhe coube. Apenas envergonhado, o rasgador de papéis afastou-se de mansinho.

ABDUL CADRE

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