sexta-feira, 4 de outubro de 2019

O VOLTAIRE DOS DIREITINHAS (OU SERÁ DOS DIREITOLAS?)

Ainda não havia Facebook e já corria nos esterquilínios da NET um texto nauseabundo que o bolçador de aleivosias atribuía a Voltaire – e logo a Voltaire, que tinha um profundo desprezo pelo povo – onde se falava de dois tipos de ladrões, o comum e o político, sendo que o político era escolhido por nós. Ora, no tempo de Voltaire, vivia-se em absolutismo e o povo – a plebe – não era ouvido nem achado em cisas de governação. Aliás, simplesmente não era ouvido, e se tivesse fome que comesse brioches.

Confrontar os espalhadores deste lixo desinformativo, e bastas vezes peçonhento, é receber como resposta que se não disse poda ter dito, porque é muito verdadeiro. Esta gente até fala do verdadeiro, estando a distribuir mentiras.

O truque de dizer não escreveu, mas podia ter escrito é muito facebookista, que o mesmo é dizer pouco aceitável, dado que se eu disser que uma pessoa disse uma coisa que afinal não disse, ela põe-me um processo e de nada me vale dizer que podia ter dito, porque isso levará o juiz a agravar-me a pena.

Eu sei que estamos num tempo que vale tudo até tirar olhos, mas eu nem aos bezugos tenho a coragem de tirar os olhos.

Dizer que aquela coisa mal escrita assentava que nem uma luva no pensamento de Voltaire é desconhecer completamente o que ele pensava e o que não pensava. Por exemplo, não lhe passava pelo bestunto que o povo pudesse votar, Voltaire condenava o Absolutismo, regime que vigorava na França do seu tempo, porém defendia a necessidade de uma Monarquia centralizada em que os reis, assessorados pelos filósofos fossem capazes de fazer reformas de acordo com o interesse da sociedade, que o mesmo é dizer da alta burguesia a que ele pertencia. Voltaire tinha verdadeiro desprezo pelo povo e a sua melhor qualidade era uma língua afiada que lhe valeu ir parar várias vezes à Bastilha e conhecer o exílio. A sua coragem anticlerical era uma imagem de marca inexcedível, até porque ser anticlerical era muito perigoso.

É ler. É ler. E nada de truques, dar o seu a seu dono.

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