sexta-feira, 4 de outubro de 2019

SEJAMOS, PELO MENOS, DESAGRADÁVEIS

Perguntam-me: que dar ao povo em lugar da mentira, e eu respondo: nada, ou antes, uma mentira maior, mais aconchegante, sabendo-se que as mentiras não se medem aos palmos.

O povo ama a mentira e odeia a verdade. É por isso que os políticos mentem, se tentarem falar verdade têm de mudar de profissão. A mais apropriada seria a de cangalheiro, dado que os mortos, tanto quanto se sabe, são surdos, mentir ou falar verdade é-lhes indiferente.

Deixemo-nos da comiseraçãozinha barata: o povo não é tadinho, não é puro nem depositário da virtude, é sobretudo depositário do nosso vício e desumanidade, é por isso que o progresso das ideias e dos sentimentos se faz, só pode fazer-se, pela humanização e pela expansão da consciência.

Não existe o homem natural, existe uma construção cultural a que chamamos Homem, construção sempre provisória, sempre inacabada.

Ter "peninha" do povo "tadinho" não é amá-lo, é ser permissivo com o mau gosto, o mau cheiro e o mau comportamento. Inquietá-lo é que seria amá-lo, que é afinal amar a nossa própria auto-realização, mas isso é muito perigoso, o que não significa que nos rendamos, há que ser, pelo menos, desagradáveis.

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