segunda-feira, 22 de agosto de 2016

CARTILHA LIBERAL-UTILITÁRIA

V. Novas, 22 de Agosto de 2016

Muitos daqueles que se afirmam liberais, de liberais não têm nada e o mais que papagueiam e repetem é aquela coisa em que nem sequer acreditam de «menos estado e melhor estado». A não ser que menor estado seja acabar com a saúde e a educação para que os amigos se lambuzem com o que isto possa dar e melhor estado seja viver liberalmente à conta do orçamento. Os nossos liberais querem o estado mínimo, porque para passar cheques liberais basta ter a letra bonita.

Pois é, os nossos liberais regem-se pelo que lhes dá jeito e dão a isso o nome de liberalismo, porque havia que dar-lhe um nome, gostam do termo, soa bem. Mas nunca leram qualquer obra a respeito. Neste aspecto, assemelham-se a um grande de número de católicos que, não tendo lido a Bíblia, sabem da poda, ao que julgam, por ter ouvido falar e atiram com a fé que dizem ter à cara de quem calha para se vangloriarem da sua superioridade moral. Usam a religião como quem usa shampoo ou creme facial, coisas de exclusivo uso externo.

Lembro-me de um Primeiro Ministro liberalíssimo que se inspirava para o ser na obra do Pai da Singapura moderna. Fazia-o para dar a impressão que tinha ideias sem se arrepiar com o peso do estado na cidade-estado nem com o «respeitinho» que ali reina.

Pode dizer-se que a melhor cartilha do liberalismo foi produzida pelo filósofo utilitarista Stuart Mill, o célebre Ensaio sobre a Liberdade, ou simplesmente, no título original On Liberty.

Eu sei que ler com atenção e reflectir sobre o que se leu dá muito trabalho; é bem mais fácil repetir lugares comuns, dizer o que se espera que digamos, estar na moda do dizer com a mesma displicência com que se usa o telemóvel para fazer luzinhas nos «concertos», porque os outros também fazem.

Mas, caramba! Um dia não são dias e há sempre uma primeira vez.

Daqueles que têm hábitos de leitura, mas torcem o nariz a coisas que cheirem a liberalismo, se não leram, leiam; se leram, releiam. É estimulante. Sobretudo, faz-nos perceber como cada liberal que nos aparece pela frente é invariavelmente um antiliberal que se desconhece.

Na contracapa da edição de Abril de 1973 (Arcádia) pode ler-se este apelo à leitura: «Quais os limites do poder que pode ser legitimamente exercido pela sociedade sobre o indivíduo? Qual a sua natureza? Posto neste plano – civil e social – o problema da liberdade encontra nesta obra clássica dos estudos que têm sido dedicados à luta entre a liberdade e a autoridade uma interpretação extremamente lúcida e actual. Para Stuart Mill a questão da liberdade pressupõe o valor do indivíduo de que depende o valor do Estado.

ENSAIO SOBRE A LIBERDADE põe assim o dedo numa ferida aberta neste nosso século brutalmente atraído pelas MEDIOCRACIAS TIRÂNICAS que reduzem o indivíduo à menoridade Mental».

Este posfácio, escrito em 1973, está perfeitamente actualizado.

Abdul Cadre

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