sexta-feira, 19 de agosto de 2016

O QUE SABEMOS, O QUE CALAMOS E O QUE OPINAMOS

V. Novas 18 AGO 2016

Quando homens de grande e reconhecido saber dizem que apenas sabem que nada sabem, podemos duvidar que o façam por autêntica modéstia e presumir que o façam por não quererem ser tomados por vaidosos. De qualquer forma, sabem eles e sabemos nós que o saber é como o ar, tende a expandir-se, mas por mais que enchamos de ar um balão, do lado de fora haverá sempre muito mais e a expansão de dentro depende do ar que existe fora; se não houvesse essa pressão, o balão rebentava e o seu ar fugia.

Com a cabeça, se for nela que tudo se armazena, que nos sirva a metáfora, como dita a propósito do balão.

Segundo se diz, mais importante do que o saber é a sabedoria, algo muito difícil de definir, mas que supomos ser impossível armazenar; não é do domínio da quantidade: é uma qualidade, um modo de ser. Mas não cabe aqui falar disto, porque o que quero nesta oportunidade é falar de opinião.

Não me canso de dizer que ter opinião e ter umbigo calha a todos, não vale a pena andar por aí a apregoar, ufanos que se tem, porque, em boa verdade, o que importa é ter o umbigo bem limpinho, como sinal de que tomamos banho, e a opinião bem fundamentada, para que não nos tomem por relógios de repetição. Bom será, porém, que aquilo que nos saia da boca não venha por simples reflexo condicionado do mal de viver; bom será que sejamos capazes de ter para com a vida um sorriso de justa cumplicidade.

Por regras da natureza, o umbigo é fixo e não se lhe reconhece qualquer utilidade. Já a opinião, se a pessoa é inteligente, não se fixa, é plástica, móvel, reciclável e pode ser muito útil à comunidade. Mas não é assim nos empedernidos. Nestes, a opinião que dizem ter é fixa, imutável e disso se vangloriam.

A opinião dos empedernidos não se diferencia do umbigo, a não ser pela localização. A serventia é a mesma: nenhuma.

A opinião dos empedernidos é um tóxico social não reciclável, não ecológico. Mas, em bom rigor, a opinião deles não nasceu por eles, apenas neles ecoa, apenas por eles foi adoptada porque lhes dava jeito. É silenciada ocasionalmente nos momentos em que se suspeita poder trazer prejuízo. Os empedernidos, se pudessem dizer, sem que fossem olhados de esguelha diziam eu sei que tudo sei.

Isto talvez seja mais característico entre os portugueses do que no seio da maioria das culturas. Vem no nosso registo genético. É por isso que temos quase todos o mau hábito de falar primeiro e só pensar depois, se houver vagar.

Se quiserem fazer uma experiência muito simples e reveladora, ponham uma braçadeira de repórter de uma qualquer rádio e cheguem, de microfone em riste, junto de um qualquer transeunte e perguntem-lhe o que pensa da química do carbono e verão que recebem uma resposta pronta, que começa quase sempre por um acho bem (ou um acho mal, se o indivíduo estiver em dia azedo).

Porque se opina assim? Suspeito que seja para que não nos tomem por ignorantes. Era o que mais faltava!

Não sei se este fenómeno cultural tem a ver com certas práticas tolas das nossas escolas, como perguntar a um aluno que nunca leu Descartes o que é que ele pensa da sua filosofia.

Com certeza que é bom fazer perguntas aos alunos, mas melhoria seria ainda ensinar-lhes a perguntar e evidenciar-lhes que para bem pensar se deve falar metade do que se ouve, em respeito pela natureza, que nos deu dois ouvidos e apenas uma boca.

Mas será que, para ter opinião, é necessário ser muito instruído? Não! O que é preciso, para que não seja um tóxico, ou um simples ruído é que se tenha bom senso e que não se emita como opinião o que não passa de um desopilar dos maus fígados. O bom senso implica não me pronunciar sobre o que ignoro e, do que saiba, ter a noção de que outros saberão melhor, ou saberão diferente.

Eu sei que apelar ao bom senso é coisa de pouco senso, pois que bom senso é coisa de que ninguém se queixa de ter falta. Há até quem ache que tem mais bom senso que os demais.

Numa entrevista ao El Mundo, falando sobre o jornalismo dos nossos dias, que não faz qualquer uso do bom senso, dizia Umberto Eco que “todos os habitantes do planeta, incluindo loucos, têm hoje direito à palavra pública”. Veja-se o lixo das redes sociais e veja-se o nojo que são as “antenas abertas”. Veja-se também como certas publicações, pela pluma dos seus intriguistas encartados propagam o ódio, a maledicência e a calúnia.

Há, por exemplo, uma coisa com aspecto físico de jornal, propriedade de “empreendedores” angolanos, que tem uma tiragem enorme; será lido por mais de um milhão de angustiados ou correlativos. Estou convicto que à maioria será suficiente ler as parangonas; isso bastará ao seu azedume.

Trata-se de um instrumento alienante e tóxico, que mereceu de Pedro Marques Lopes, no Eixo do Mal, o epíteto de «esgoto a céu aberto». Não é um órgão informativo, mas sim desinformativo, deformador. Quem tome aquilo por sério e verdadeiro só tem um remédio: cortar os pulsos, ou dar um tiro na cabeça e fugir para a Espanha.

Como pode tal aberração ter o êxito que tem? Não sei responder. E não venham de microfone em riste para que eu responda…

Mas suspeito que a principal razão é precisamente ser aberrante. Outra razão: ser boa música de fundo para acompanhar o azedume dos portugueses, que vociferam contra tudo e contra todos, mas pouco cuidam dos seus direitos.

Direitos? Para quê, se os políticos – que ao que parece são extraterrestres – são todos uns malandros da pior espécie – que a minha mãezinha é que não – e o mundo vai acabar. E não há nada que seja culpa nossa, a culpa é dos outros, porque o inferno são os outros.

Sejam bons portugueses, façam os possíveis e os impossíveis por serem infelizes.

Abdul Cadre

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