domingo, 11 de março de 2018

PALAVRAS NECESSÁRIAS/PALAVRAS DESNECESSÁRIAS

Há muitos anos, campeava na rádio um erudito da língua portuguesa que a entendia estática, imutável, esclerosada. Dava pelo nome de Vasco Botelho do Amaral, precedido de professor. Nada a opor ao seu estatuto de professor nem a sua qualidade de erudito da nossa língua. Sem dúvida que lhe assentava bem. Aliás, foi fundador da Sociedade de Língua Portuguesa e o seu Grande Dicionário de Dificuldades e Subtilezas da Língua Portuguesa é ainda uma preciosidade. O problema não está, portanto, no muito e bem que sabia, mas na forma apertada com que esgrimia um certo preciosismo. Recordo-me, por exemplo, de como propunha que substituíssemos a palavra bibelot por pechisbeque, coisa a que os ingratos falantes da nossa língua não ligaram nenhuma, e fizeram muito bem.

Lembro isto porque, se calhar, fazia falta estar vivo e continuar com as suas charlas. Ora vejam, há dias, o Primeiro Ministro, que por sinal não disfarça que o seu forte não é a oralidade, nem o uso preciso e conveniente do nosso vocabulário cuidado, aconselhava as pessoas das áreas sinistradas dos últimos fogos a REALIZAREM não sei o quê. Ainda pensei que se referisse a festas, quermesses e coisas assim, mas não. Usando indevidamente um modismo tosco de armar aos cágados, porque o que está a dar é importar americanismos, ele queria dizer não sua constatar, ter consciência e coisa assim. Esta importação abusiva e desnecessária do inglês, quando temos mais de uma dezena de palavras para significar o que queremos significar, perdia valor com uma simples consulta a um dicionário de português-inglês, onde na entrada constatar obtínhamos precisamente as respostas «to realize», «to notice» e «to see».

Os portuguese com um pouco de instrução têm um desprezo colossal pela nossa língua. Basta ouvir os nossos locutores, basta ver como se permite o crime de alta-traição que é o Aborto Ortográfico, onde não se distingue óptico (que diz respeito aos olhos) de ótico (que diz respeito aos ouvidos), pôr de por, quem espeta facas de quem assiste a espectáculo, etc., etc.

Quem poderia pôr cobro ao dislate seriam os deputados. Mas como? basta ver o que dizem e escrevem para se perceber da sua iliteracia.

Mas os locutores da rádio e da televisão têm outras modas. Por exemplo, usam e abusam dos plebeísmos. É o «fechou-se em copas» a torto e a direito, é empregarem «culpa» e «graças» em completo desalinho, é o «de encher o olho» e até o célebre «debaixo de olho», quando lá no meu bairro se dizia que debaixo de olho está o penico.

A ligeireza com que se trata a língua portuguesa é responsável por muitas incompreensões. Isto dá-se, inclusive, por pessoas letradas, que escrevem nos jornais e escrevem romances. Por exemplo, uma participante num programa semanal da nossa televisão emprega com grande frequência a expressão massa crítica, mas dá-lhe o sentido oposto ao correcto. A expressão vem da Física, foi adoptada pela sociologia e acabou por invadir o linguarejar comum. Acontece é que não significa o que a senhora pensa – um monte de gente a criticar – significa o oposto, um monte de gente a acreditar e a realizar, não no sentido de constatar, mas de fazer.

Por estes dias, uma amiga que pensa e escreve bem, embirrou com um certo aforismo, onde entendeu a palavra curso no sentido restrito de quem anda na escola, e não como o principal, com os principais significados que se registam no dicionário. Ide ver.

A palavra assassino tem similitudes de aproveitamento com a palavra curso, trajectória da água. Antes de se usar a palavra assassino, a palavra devida e em voga era homicida. Parece que assassino só nos chega com Marco Polo, que identificou os guerreiros do Velho da Montanha (Hassan ibn al-Sabbah), em Alamut como fumadores de haxixe, associados depois aos homicídios políticos e tomando a palavra síria Assa (que está no nome de Assad) como raiz de «haxe», quando parece querer dizer fundamentos da fé e/ou guardião. O nome Ḥashāshīn, conforme atribuído por Marco Polo á Ordem dirigida pelo Velho da Montanha, também poderá significar «os seguidores de Hassan». Curiosidades, apenas.

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