sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

QUERES SER TIDO POR BOM? MORRE OU EMBARCA.

O medo da morte faz-nos reverentes perante os que se vão, condescendentes até com os seus pecados, mesmo que sejam grandes. Nada como morrer para nos carregarem de virtudes, reais ou imaginárias, que, grosso modo, poucos haviam dito a quem os ouvisse, e a nós ainda menos, por mais gulosos que fôssemos de ouvido. É bem certo o dichote popular: morre ou embarca.

De certo modo, isto poderia aplicar-se ao novo santo descoberto pela direita, encomiado pelo pasquim digital Observador, órgão oficial dos ressabiados e dos órfãos de memórias putrefactas daqueles tempos em que só a noite havia.

Estou a referir-me ao recentemente falecido santo lorde Roger Vernon Scruton, dito conservador por si próprio e por muitos, mas o grosso dos que o louvam, enfiam nesse epíteto toda uma panóplia de demagogos de todos os matizes e de reaccionários ao progresso das ideias e das vivências. Coisas deste tempo que apodrece, deste tempo do pós-verdade.

Não gosto do Scruton filósofo. E não é, que fique claro, por ser um dos apoiantes do Brexit, que até pode muito bem ser uma bela ideia, o futuro o dirá, mas porque o seu pensamento social e político é, a meu ver, simplesmente detestável.

A principal característica de Scruton é ser reivindicadamente anti-humanista, deixando bem claro pela sua pena «que o conservantismo é um fenómeno […], uma reacção às vastas mudanças desencadeadas pela Reforma e pelo Iluminismo». O conservantismo não tem de ser exactamente isto, mas é assim que ele o entende. É bom que se tenha em atenção que Scruton, apesar de inglês, mal-grado também o seu antieuropeísmo, nunca foi um conservador à inglesa, tê-lo-ia sido à europeia.

Qual a diferenças?

À inglesa é-se fleumaticamente céptico, formalista e snob, sobranceiramente tolerante e mansamente tradicionalista; à europeia, direitista militante, intolerante, obscurantista, agressivo e arrogante. É mais nisto do que naquilo que se enquadra Scruton, com o seu sexismo, o seu anti-integracionismo, repúdio do multiculturalismo, o seu antifeminismo, a sua xenofobia. E é bom que se acrescente a sua militância máxima, que por sinal lhe terá sido deveras materialmente lucrativa quando conspirou a favor dos interesses britânicos e americanos para lá da cortina de ferro, entre 1979 e 1989. Movimentando largos fundos, ocupou-se em estabelecer centros clandestinos, com a capa de culturais, visando desestabilizar os países de Leste. Em 1985, chegou a ser detido na Checoslováquia, acabando expulso.

É destas coisas e não de outras que vem o apreço da direita a esta figura, não dos seus escritos, que os mais retrógrados nem sequer leram.

Após a hecatombe dos países de Leste, as novas repúblicas souberam reconhecer-lhe o empenho, A República Checa condecorou-o e o Ministério Polaco da Cultura atribuiu-lhe uma medalha de ouro.

Até ao momento, que se saiba, não foi canonizado.

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