quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

A LATA E A SARDINHA

Hoje em dia, quando alguém esgrime aquela trilogia estafada do Deus, Pátria e Família, ou a versão tropical resumida de Brasil acima de tudo e Deus acima de todos, dizem os condescendentes que se trata de conservadorismo, ou conservantismo, na linguagem própria de ser original, e ser original é ser infiel ao próprio conservantismo. Bom, mas o que interessa é sabermos o somenos do conceito. O termo usa-se – ou antes, usava-se – para descrever posições político-filosóficas alinhadas com o tradicionalismo e a transformação gradual dos costumes e da sociedade, em contraposição a mudanças radicais ou abruptas, v.g. todo o radicalismo, toda a ideia revolucionária e sobretudo qualquer revolução. Para um conservador, o indivíduo só existe integrado numa sociedade e numa tradição.

A darmos como bom este conceito, o regime dos aiatolas é conservador, e o regime do esquartejador implacável da Arábia Saudita também. Então, os conservadores propalados pelos papagaios comentaristas e os que como tal se reivindicam, que fiquem na companhia que lhes é própria.

Quando me falam de conservadores, lembro-me sempre de Agostinho da Silva, que usava dizer que há dois tipos de conservadores, os que conservam a lata e os que preservam a sardinha.

De repente, morre um filósofo conservador de latas – Roger Vernon Scruton – e a direita mais retrógrada desata num louvor desatinado: ai que morreu um dos nossos, que era tão bom rapaz. Dos plumitivos da nossa praça, o Observador, como era de esperar, encabeçou as exéquias.

Dos muitos que o louvaram, quantos leram o que quer que fosse que o homem tenha escrito?

Talvez a louvor de alguns seja apenas de ocasião e tarefa encomendada. Uma das coisas que mais notei foi o alinhamento com uma imprecisão que, por menor que se diga, mostra que apenas houve dever de ofício. Dizem os vários textos que li que Scruton escreveu cerca de trinta livros. Errado: serão talvez mais do dobro. Trinta são os de filosofia, há que juntar-lhes o romance, a poesia, os libretos de ópera e as peças de teatro.

As ideias sociais e políticas de Scruton dão-me náuseas. Não lhe conheço a música, nem a poesia, nem a ficção. Devo confessar que do dito cujo só li dois livros: “Como ser um Conservador”, e daqui a náusea, e “Beleza”, um belíssimo ensaio sobre a Arte.

A direita mais radical gosta do Scruton porquê?

Porque é assumidamente xenófobo, anti-integracionista, anti pluriculturalista, antifeminista, anti-UE, apoiante do Brexit. Considera que civilizados, verdadeiramente civilizados são apenas os herdeiros da common-law, isto é, ingleses e americanos. Os mais serão índios, certamente.

É contra todo e qualquer imigrante e radicalmente contra quem não seja cristão. Saiba-se que ele é um membro proeminente da Igreja Anglicana. Considera todos aqueles que não pensem como ele como ignorantes. Por isso diz bacoradas destas: «a posição (dos conservadores) é enfadonha, a dos seus oponentes é excitante, mas falsa» … […] «…todo o mundo é de direita nos assuntos que conhece».

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